PPP das águas.
Municípios ficam com os riscos e os privados com o dinheiro mínimo garantido
Por João
D' Espiney
publicado em 28 Fev 2014 - 13:00 no Jornal i
publicado em 28 Fev 2014 - 13:00 no Jornal i
(Nota: sublinhados meus. R.)
Numa
auditoria demolidora, o TC acusa os municípios de não se preocuparem com os
seus interesses e dos utilizadores e critica actuação da entidade reguladora
Quase nenhum dos contratos de concessão municipais dos
serviços de água auditados, 27, partilha os "riscos de mercado" com o
parceiro privado e alguns deles até os cobrem. Quem o diz é o Tribunal de
Contas (TC) numa auditoria à "Regulação de Parcerias Público-Privadas
(PPP) no sector das águas", hoje divulgada.
O conjunto das concessões que registaram encargos
públicos directos (58% dos contratos auditados) representou um investimento
público global na ordem dos 93,3 milhões de euros até Junho de 2013.
O relatório revela que "alguns contratos de
concessão analisados, como foi o caso de Matosinhos, continuam a apresentar
cláusulas de reequilíbrio financeiro que garantem às entidades gestoras a
cobertura de riscos financeiros associados à alteração de spreads bancários, ou mesmo à cobertura de riscos operacionais, em
resultado de eventuais agravamentos de custos de manutenção". Estas
situações, segundo os auditores do TC, "desvirtuam, claramente, os
princípios de partilha de riscos que devem estar subjacentes a um contrato de
concessão".
Os juízes do Tribunal concluíram ainda que 74% dos
contratos de concessão "preveem, expressamente, a possibilidade de as
concessionárias serem ressarcidas pelos
municípios no caso de se verificar uma determinada redução do volume total
de água facturado e da estimativa de evolução do número de consumidores".
E "as projecções adoptadas quanto ao crescimento populacional, bem como as
capitações estimadas, apresentam, em muitas destas concessões, um desfasamento
substancial da realidade de muitos municípios", lê-se também no documento
do TC, que critica "a falta de rigor e prudência quanto aos pressupostos
técnicos e económicos adoptados", que acabam "por beneficiar as
concessionárias".
Os juízes do Tribunal concluíram assim que os
contratos dão "garantias
de receitas mínimas" às entidades gestoras, que "se
asseguram, na prática, por via dos processos de reequilíbrio financeiro, em
resultado da ocorrência de falhas sistemáticas na previsão dos caudais
consumidos e facturados". Em regra, as falhas situam-se "entre os 10%
e os 30% abaixo dos valores estimados", estando nas concessões de
Barcelos, Paços de Ferreira, Paredes, Carrazeda de Ansiães e Marco de Canaveses
os consumos efectivos abaixo do previsto mais de 20%.
Além das câmaras já mencionadas, a auditoria abrangeu
ainda as concessões dos municípios de Alcanena, Batalha, Campo Maior, Figueira
da Foz, Fundão, Ourém, Trancoso, Gondomar, Setúbal, Valongo, Fafe, Santa Maria
da Feira, Santo Tirso e Trofa.
Sem
preocupação com impactos Num relatório demolidor para as câmaras e
para a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), os juízes
do TC salientam que, "na generalidade dos contratos, não existiram
evidências de qualquer preocupação com a análise de risco e de sustentabilidade
dos potenciais impactos financeiros associado à evolução de eventuais cenários
adversos das concessões".
Por outro lado, os concedentes públicos
"apresentaram sérias limitações" no que toca à capacidade de
"monitorização financeira" e análise de risco dos contratos. Esta
realidade resultou "numa menor capacidade técnica e negocial para defender
os interesses financeiros dos municípios, incluindo os dos próprios
utilizadores".
A auditoria refere ainda que a figura do
reequilíbrio financeiro "nunca
funcionou em benefício dos municípios ou dos respectivos utilizadores" nas
situações "susceptíveis de gerar rendimentos líquidos superiores aos
previstos para as entidades gestoras".
O Tribunal de Contas defende, por isso, no
actual quadro macroeconómico de constrangimentos orçamentais das câmaras e do
país em geral, a necessidade urgente de "reavaliar os ambiciosos planos de
investimento assumidos por alguns municípios", bem como "os níveis de
remuneração dos accionistas das entidades gestoras".
Em 99% dos processos de reequilíbrio
económico-financeiro dos contratos analisados, as reposições foram realizadas
para alterar o prazo das concessões, eliminar/reduzir as retribuições a pagar
aos municípios e alterar tarifários. Em 26% das autarquias registou-se mesmo
uma redução/eliminação da retribuição da concessão e no caso de Campo Maior,
"quando ocorreram alterações contratuais, estas encontravam-se, na
generalidade, alocadas ao consumidor final por via do aumento das tarifas de
água".
Os juízes do TC apontam também o dedo à ERSAR
por apenas ter realizado oito auditorias, representando apenas 30% do universo
das concessões. O Tribunal recomenda mesmo que os seus estatutos devem ser
alterados com o objectivo de "reforçar a eficiência do sector das águas",
evoluindo para "uma entidade independente com poderes reforçados".
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