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domingo, 17 de julho de 2016


Como os excessos da UE empurraram o Reino Unido para fora

 


Martin Feldstein | © Project Syndicate, 2008. www.project-syndicate.org | 08 Julho 2016, 20:00

 

A questão da permanência do Reino Unido na UE foi decidida. Agora, o seu futuro económico depende do que o país fizer com a sua nova independência.

Um amigo meu britânico disse-me, alguns dias antes do referendo sobre o Brexit, que iria votar a favor do "Remain" devido aos seus receios com a incerteza económica que se seguiria se o Reino Unido deixasse a União Europeia. Mas acrescentou que não teria apoiado a decisão do Reino Unido de aderir à União Europeia em 1973 se soubesse como a UE iria evoluir.

 Ainda que os eleitores tenham escolhido o "Leave" por uma variedade de motivos, muitos estavam preocupados com a forma como os líderes da UE excederam o seu mandato original, criando uma organização maior e mais invasiva.

 O sonho de Jean Monnet de uns Estados Unidos da Europa não era o que os britânicos queriam quando aderiram à UE há 40 anos. Nem procuravam um contrapeso europeu para os Estados Unidos, como Konrad Adenauer, primeiro chanceler da Alemanha do pós-guerra, já defendeu. O Reino Unido queria simplesmente as vantagens de uma maior integração do comércio e do mercado de trabalho com os países ao longo do Canal da Mancha.

 A UE começou como um acordo entre seis países para alcançar o livre comércio de bens e de capital e para eliminar as barreiras à mobilidade do trabalho. Quando os líderes da UE procuraram reforçar o sentimento de solidariedade europeia através do estabelecimento de uma união monetária, o Reino Unido foi, felizmente, capaz de optar por sair e manter a libra - e o controlo sobre a sua política monetária. Mas essa opção deixou o Reino Unido quase como um estranho dentro da UE.

 À medida que a UE se expandiu de seis países para 28, o Reino Unido não pôde limitar de forma permanente a entrada de trabalhadores dos novos Estados-membros no seu mercado de trabalho. Como resultado, o número de trabalhadores estrangeiros no Reino Unido duplicou desde 1993, para mais de seis milhões, ou 10% da força de trabalho, com a maioria agora proveniente de países com baixos salários que não estavam entre os membros originais da UE.

Embora os defensores do Brexit se preocupem com a pressão resultante sobre os salários do Reino Unido, geralmente não rejeitam as metas originais de aumento dos fluxos comerciais e de capital, que são a essência da globalização. Alguns defensores do Brexit poderiam apontar para o exemplo do bem-sucedido acordo de livre comércio dos EUA com o Canadá e o México, que não inclui nenhuma disposição para a mobilidade dos trabalhadores.

 Ao contrário do Reino Unido, os outros países da UE, liderados por França e Alemanha, queriam mais do que o livre comércio e um mercado de trabalho ampliado. Desde o início, os líderes europeus estavam determinados a expandir o "projecto europeu" para alcançar o que o Tratado de Roma chamava de "união cada vez mais estreita". Os defensores da mudança de autoridade para as instituições da UE justificaram isto com a noção de "soberania partilhada", segundo a qual a soberania britânica poderia ser corroída por decisões da UE, sem qualquer acordo formal do governo ou do povo do Reino Unido.

 O Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1998 impôs um limite para os défices anuais dos Estados-membros e exigiu que os rácios da dívida em relação ao PIB encolhessem para um máximo de 60%. Quando a crise financeira global começou, em 2008, a chanceler alemã Angela Merkel viu uma oportunidade para reforçar ainda mais a UE, através da aplicação de um novo "pacto orçamental" que autoriza a Comissão Europeia a supervisionar os orçamentos anuais dos países e a impor multas por violação dos objectivos orçamentais e de dívida (embora não tenham sido cobradas quaisquer multas). A Alemanha também liderou o movimento para estabelecer uma "união bancária" europeia com um único quadro regulamentar e um mecanismo de resolução vinculativo para as instituições financeiras em dificuldades.

 Nem todas essas políticas afectaram directamente o Reino Unido; no entanto, aumentaram o fosso intelectual e político entre o Reino Unido e os membros da Zona Euro da União Europeia. Isso reforçou a diferença fundamental entre os governos britânicos orientados para o mercado e os de muitos países da União Europeia, com as suas tradições do socialismo, planeamento do governo e regulamentação pesada.

 A divisão de poderes entre a burocracia e os Estados-membros da UE é regido pelo princípio ambíguo - emprestado da doutrina social da Igreja - de "subsidiariedade": as decisões devem ser tomadas no nível mais "baixo" ou menos centralizado da "autoridade competente". Na prática, isso não limita a regulamentação em Bruxelas ou Estrasburgo. A subsidiariedade oferece muito menos protecção aos governos dos membros da UE do que a Décima Emenda à Constituição dos Estados Unidos - que nega ao governo federal quaisquer poderes não delegados a ele pela Constituição - faz pelos estados dos EUA.

 Naturalmente, o público britânico não está sozinho no seu desconforto com a UE. Uma sondagem recente realizada nos países da UE pela Pew Foundation descobriu que a maioria dos eleitores em três dos maiores países – Reino Unido, França e Espanha – têm uma opinião desfavorável sobre a UE. Na Alemanha, o público ficou dividido 50-50. Em Itália, uma clara maioria considera que beneficiaram com a adesão à UE; e ainda assim, o Movimento Cinco Estrelas, que venceu recentemente as eleições municipais em 19 das 20 cidades que disputou (incluindo 70% dos votos em Roma), prometeu um referendo sobre a permanência na Zona Euro.

Embora muitos políticos e especialistas prevejam que o Brexit terá terríveis consequências económicas, isso não é, certamente, inevitável. Agora, muito depende dos termos da futura relação entre o Reino Unido e a UE.

 O Reino Unido também está agora numa melhor posição para negociar um tratado de comércio e de investimento mais favorável com os EUA. Embora o proposto Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento esteja atolado, um governo britânico fora da UE poderia negociar um acordo com os Estados Unidos muito mais facilmente. Os EUA estariam a negociar com um país, e não com 28 - muitos dos quais não partilham as políticas pró-mercado do Reino Unido.

 A questão da permanência do Reino Unido na UE foi decidida. Agora, o seu futuro económico depende do que o país fizer com a sua nova independência.

 Martin Feldstein, é professor de Economia na Universidade de Harvard e presidente emérito do Departamento Nacional de Investigação Económica, e presidiu ao Conselho de Assessores Económicos do Presidente Ronald Reagan de 1982 a 1984.

 Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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