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domingo, 3 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)

7 de 10 - DISCUSSÕES EM FORMA DE DIÁLOGO

SÉTIMO DIÁLOGO - UM DOUTOR e ELIPHAS LEVI


O DOUTOR — Aceito as tuas teorias religiosas que são, mais ou menos, as de Emílio Burnouf e Vacherot. Não confundo a exaltação religiosa que produz o fanatismo com o sentimento religioso que pode perfeitamente acordar-se com a ciência e com a razão; acho, como tu, que existe na palavra catolicidade uma promessa de porvir que quer dizer síntese e solidariedade universais: porém, parece-me evidente que esta grande e última transformação religiosa não possa cumprir-se senão fora do catolicismo oficial, como o Cristianismo não pode manifestar-se e triunfar senão fora da sinagoga.
ELIPHAS LEVI — Se a síntese é verdadeiramente católica, ou seja, universal, não exclui nem a Igreja oficial nem a sinagoga; deve pelo contrário, reuni-las e reconciliá-las. As divisões e subdivisões religiosas têm sido os resultados do espírito de análise necessário a crítica; o espírito de síntese, pelo contrário, tem como tendência reunir tudo e coordenar tudo. Depois de haver criticado, o espírito humano julgará e o veredicto definitivo jogará ao céu simbólico as suas nuvens; a humanidade formulará o seu dogma e dirá: "aqueles que me alimentaram quando tinha fome, socorrido quando sofria, esses são os benditos de meu pai; e, aqueles que, pelo contrário, oprimiram-me e tornaram-me miserável, são os malditos". É então que os "publicanos" e as meretrizes entrarão antes dos fariseus no reino de Deus e que se apreciarão em seu justo valor os méritos dos vivos e os dos mortos; existirá então uma moral certa e invariável e a política cessará de ser a ciência da mentira; os direitos serão provados e equilibrados pelos deveres, seja entre as nações, seja entre os homens. Isto deve ser; e em consequência, será certamente.
O DOUTOR — Gosto da tua forma, tão engenhosa quanto heterodoxa, de explicar a parábola profética do juízo final; porém, devo confessar, creio muito pouco que os homens cheguem a este acordo definitivo. Se tivesse de ser, seria já há muito tempo; as luzes não faltaram, nem as exortações dos grandes homens; porém, as paixões rivais e o antagonismo dos interesses têm impedido, impedem ainda e impedirão sempre aos homens porem-se de acordo.
ELIPHAS LEVI — Não pretendo que, quando a grande síntese religiosa e social tiver sido proclamada e reconhecida, os homens tornem-se perfeitos, nem sequer penso que todos se inclinem ante a evidência desta grande luz; tem havido idólatras no mundo e mesmo entre os hebreus depois da revelação de Moisés; a Lei Cristã foi promulgada há dezanove séculos e a caridade não reina ainda sobre a terra porque essa palavra divina que encanta os corações não recebeu ainda explicação suficiente. É pela solidariedade que a caridade se explica; pois bem, solidariedade e o socialismo, última palavra do cristianismo; é a propriedade de cada um para todos e de todos para cada um. Então não se definirá mais a propriedade como o direito de usar e de abusar e se abaterá frente a razão e a moral esta concepção monstruosa do direito e do abuso. Esta revolução se cumprirá, digo, porque já está realizada no mundo da inteligência e do progresso que é também o da ciência e da fé.
O DOUTOR — Tem força e verdade o que dizes; porém talvez concedes demais à fé e não muito à ciência; a ciência não aceita os milagres, que atribuís ao magnetismo ou magia, não admite as tuas ciências ocultas. Os prodígios, para ela, não existem, nem supõe que alguma coisa se faça fora das leis da natureza.
ELIPHAS LEVI — Eu não o suponho tampouco, porém, não vejo que todas as leis da natureza sejam conhecidas nem que tão pouco aquelas que se conhecem, tenham sido estudadas ainda o suficiente, sobretudo nas suas aplicações particulares. Enquanto que factos certos e incontestáveis não tenham sido explicados, a ciência não terá dito a última palavra.
O DOUTOR — Não há factos certos e incontestáveis senão os factos científicos.
ELIPHAS LEVI — Quais são os que chamas de científicos?
O DOUTOR — Chamo de científicos os factos que se produzem e devem produzir-se em virtude de certas leis determinadas pela ciência.
ELIPHAS LEVI — Então, os fenómenos eléctricos não eram factos certos e incontestáveis antes que a ciência houvesse reconhecido a existência da electricidade?
O DOUTOR — Não, sem dúvida; porque eles não pertenciam ainda a ciência, que a única que dá a certeza. Necessário era estudá-los com prudência; porém, não havia o direito de afirmá-los positivamente.
ELIPHAS LEVI — As ciências ocultas são uma religião e a religião não deve jamais confundir-se com a filosofia.
O DOUTOR — Dizes então que és um místico e não tomas o título de Doutor.
ELIPHAS LEVI — É um título que têm-se-me dado às vezes; chama-me místico se te parece bem; mesmo que esta qualidade dificilmente se harmonize comigo; eu jamais o aceitei e não o pretendo ainda; sou aquele que escreve sobre os mistérios da natureza; não me ofenderei; amo e estimo por demais a ciência para querer brigar com aqueles que a representam e a honram.

(Continua)

 

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