O Livro dos Sábios (1870)
RESUMO GERAL - Por definições e aforismos
(XII Capítulos)
CAPÍTULO IX - A CIÊNCIA
II - A ciência é o ponto fixo em redor do qual o amor, ou seja, a fé, deve fazer circular a razão.
III - A ciência é o princípio da sabedoria; ela eleva-se do facto lei e não conhece nada mais alto; porém inclina-se então ante a fé que, vendo quanto a lei é boa, concluí que ela é querida por uma vontade sábia.
IV - A fé que precede a ciência não pode ser mais que provisória, a menos que não seja insensata.
V - Há que ter fé na ciência para chegar à ciência da fé.
VI - Fala-se de moral independente. Este epíteto não é exacto. A moral depende da lei. Então, é a ciência que nos faz conhecer a lei que nos da razões para acreditar no princípio vivente e vivificante da lei.
VII - A ciência afirma o infinito, quebra todas as correntes e rompe todas as prisões do pensamento. Ela faz descer o céu até nós e abre à nossa alma horizontes ilimitados; analisa os sóis, se vê por todos os lados formigar astros sobre as nossas cabeças, ao nosso lado e sob os nossos pés, esparge por toda parte a luz e a vida e não deixa lugar nem para a morte nem para o inferno.
VIII - A ciência dissipa os terrores do desconhecido, liberta-nos dos nossos preconceitos, dá uma regra certa aos nossos desejos e uma carreira infinita à nossa actividade estimulada por legítimas esperanças.
IX - Afundar a ciência é aprofundar o desespero, dizem-nos os crentes cegos e os cépticos desalentados, e eu contesto-lhes aprofundando a ciência, descobre-se a mina de ouro das esperanças legítimas.
X - A ciência é o instrumento do progresso é o progresso é a conquista da vida e da felicidade.
XI - Que me importa o desacorçoamento de Salomão e Agrippa? Do ponto em que eles se detiveram voltarei a marchar; de onde se sentaram com a cabeça entre as mãos, na beira de uma fossa entreaberta, levantar-me-ei cheio de entusiasmo e franquearei a tumba.
XII - A tumba! Essa porta que entreabrindo-se ao nosso lado, não nos deixa ver nada do que existe além; essa porta atrai o meu desejo pelo desconhecido. Lá, a ciência não se detém, e o umbral do santuário onde se oculta o absoluto, é a entrada de uma nova ciência.
XIII - Saber é ter, saber é ser. Saber é viver! Crer, esperar, amar; que é tudo isto se não se sabe nem o que se crê, nem o que se espera, nem o que se ama?
XIV - Se o objecto da fé não é o postulado supremo da ciência, não é nada.
XV - A ciência quer a religião porque sabe que a religião é necessária. Quer uma religião eficaz, ou seja, criadora e realizadora da fé. Quer uma religião hierárquica, porque a hierarquia é a lei natural da natureza. Quer uma religião monárquica, porque não pode haver mais do que um Deus e porque a monarquia regulamentada pelas leis é o governo mais simples, mais forte e mais perfeito. A ciência quer, pois, a religião tal qual está preparada na Igreja católica, apostólica e até o presente, romana. Os pastores ignorantes desta Igreja, podem muito bem-querer marchar retrocedendo; a terra gira apesar do que tenham dito os juízes de Galileu, e ela arrasta-os para frente.
XVI - Durante dezoito séculos e meio eles tem-se declarado infalíveis, de uma infalibilidade divina, milagrosa, indefectível; este poder que só a razão absoluta pode ter, acabam de abdicá-lo espontaneamente, livremente. Isto foi feito não por revelação; senão depois de deliberações, discussões e a maioria de votos, como se fazem as leis humanas. Agora, o Papa é infalível pela infalibilidade deles e não pela de Deus. O milagre cessou; sucedeu-lhe a convenção disciplinaria; não é este o imenso acontecimento na ordem religiosa, para o qual, segundo José de Maistre, nós marchamos com acelerada rapidez? Vós vedes que também marcha esta Igreja que se diz retardatária. Viva, pois, a nova infalibilidade do soberano pontífice! Não está constituído o dogma? Podem de novo ser postas em discussão as bases da fé? E não alcança para impor silêncio aos teologastros disputadores, a voz do pastor supremo? Venha um papa, homem de ciência e de génio e, por sua infalibilidade pessoal, poderá regenerar a Igreja, suprimir os abusos, anular o protestantismo, reunir todos os crentes, abolir todos os anátemas, bendizer ainda aos Budistas e aos Muçulmanos, o que seria impossível para sempre se tivesse necessidade, para isto, do consentimento de um concílio.
XVII – Todo o dogma que se torna necessário, deve, pelo mesmo facto da sua necessidade, ser considerado como revelado por Deus; porque Deus é a Providência, já que a lei religiosa está feita para o homem e não o homem para a lei, já que toda a revelação vem da inspiração dos homens que crêem e fazem crer aos outros o que a piedade lhes sugere. Porque é assim que a ciência pode compreender e explicar a fé...
XVIII - A turba dos semi-sábios e a vil multidão dos ignorantes incrédulos pensa que se destrói a religião com a ciência. O contrário é verdadeiro. A religião está na essência mesma da alma humana e a verdadeira ciência bem o vê. A ciência não tomba senão os ídolos ridículos e ainda guarda-se bem de quebrá-los, conserva-os para as suas colecções e os seus museus.
XIX - A arte a flor da árvore da ciência. Pelo génio estático conserva-se o culto do ideal da beleza. O belo é o esplendor do verdadeiro, disse Platão, e a ciência também tem as suas belezas e os seus esplendores. Toda a doutrina que torna pequeno o ideal é uma falsa doutrina. Vós quereis combater as minhas crenças: mostrai-me outras maiores e mais formosas! A vossa matéria trabalhada por forças fatais é espantosa. O vosso universo, máquina cega, é mais feio que Polifemo que, pelo menos, tinha um olho: a vossa humanidade que se aniquila eternamente é horrível. Vejo o ser, vejo a luz, vejo ordem, vejo beleza, vejo que tudo isto é verdadeiro e não creio nas vossas blasfémias!
XX - A ciência da religião conduz à síntese dogmática, verdadeira catolicidade do mundo. A unidade das crenças e dos símbolos aparecerá então radiante em todos os povos e em todas as idades, e a similitude de todos os dogmas dos povos antigos e modernos levará os sábios e os crentes reunidos a proclamarem a grande ortodoxia humana. E há de se encontrar um grande pontífice universal que dirá: é assim. E todas as inteligências do universo responderão: Amém!
XXI - A falsa ciência, como a falsa religião, tem as suas superstições e os seus fanatismos. Não reconheço por desejos aqueles que têm medo dos fenómenos quando ainda não os podem explicar e que negam tudo o que não compreendem; não reconheço por Doutores aos que não ousam falar de outra forma senão como fazem nas academias oficiais. As ciências ocultas são o protestantismo desta falsa ortodoxia. São as ciências excomungadas e não julgadas pelos usurpadores de uma falsa infalibilidade.
XXII - O homem infalível é aquele que afirma o que se lhe está demonstrando, admite a hipótese necessária, examina as hipóteses prováveis, tolera as hipóteses duvidosas e rejeita as hipóteses absurdas. Aquele que regula a sua crença segundo as leis e não segundo as opiniões, aquele que consegue extrair o bem do mal, perdoa, consola, não se irrita jamais e não deseja nada com violência; dele pode-se dizer o que se tem dito do próprio Deus: é paciente porque é eterno.
XXIII - A ciência não vê mais do que fenómenos onde a ignorância não vê senão milagres. Estuda as maravilhas da natureza e encontra-as maiores do que os pretensos prodígios. Reconhece as leis supremas e não admite caprichos divinos. Sabe que na união, a matéria obedece a força, a força lei e que a lei é imutável como Deus.
XXIV - A ciência não pode ensinar nada contrário a fé. Porque, se em nome da fé alguém contradiz a demonstração da ciência, esse alguém não tem a fé; tem a crença cega e obstinada dos insensatos.
XXV - A Igreja não pode decidir nada que seja contrário a ciência e, por conseguinte, à razão. Porque o seu veredicto seria então o de um tribunal incompetente.
XXVI - As raças humanas sucedem-se, aperfeiçoando-se; porém, cada uma delas tem a sua infância, a sua virilidade e sua decadência como os impérios e como os homens. As raças anteriores à nossa envelheceram, enervaram e morreram; é o que explica o dogma do pecado original e da decadência adâmica. Deus manifesta-se na natureza, porém jamais nos falou pela boca dos homens, é o que quer dizer na Índia e no Cristianismo o dogma da Encarnação. Existe solidariedade entre os homens; e, o rico deve pagar pelos pobres: eis o dogma da Redenção. Concebemos a Deus como poder, sabedoria e amor: eis aqui o dogma da Trindade. O homem possui o seu livre arbítrio; porém este livre arbítrio está sempre influenciado por uma atracção. A atracção do mal é a tentação do demónio. Assim, os méritos do homem vem de Deus e os seus vícios de uma debilidade original a qual Deus a garante. Eis aqui toda a economia da salvação e as garantias da esperança.
XXVII - A fé não pode julgar a ciência, porém, a ciência pode julgar a fé.
XXVIII - Quando a Igreja voltar à ciência e quando a ciência voltar o mundo inteiro será católico.
XXIX - A religião do futuro não será o catolicismo, será a catolicidade. Adoração universal de Deus nas maravilhas da ciência, amor ao Deus vivente na humanidade e síntese de luz explicando, pela divergência de seus raios, os matizes de todos os cultos.
XXX - A fé separada da ciência não produziu e não poderia produzir se não falsas virtudes e verdadeiros crimes; o que salvar é o mundo é a ciência justificando a fé.
XXXI - O materialismo moderno não é mais do que uma represália apaixonada contra a fé que nega a ciência. É o absurdo negativo, oposto ao absurdo afirmativo. Tem a sua razão de ser e terá o seu tempo.
XXXII - A verdade religiosa surge de todos os símbolos reunidos e corrigidos ou explicados um pelo outro. O celibato de Cristo purifica os amores de Krishna. Diana Panthea com o seu tríplice selo explica a maternidade da virgem. Da comunhão emana o verdadeiro socialismo, a cruz ansata de Oliveres é análoga a cruz do redentor. O paraíso de Maomé saiu do cantar dos cantares e a noção mais profunda de Deus encontra-se no símbolo de Maimônides.
XXXIII - A Bíblia diz-nos que aquilo que fez o homem perder-se foi a ciência do bem e do mal. Com efeito, uma ciência semelhante anula-se a si mesma afirmando simultaneamente os dois contrários mais irreconciliáveis que possa conceber o pensamento humano. É como se dissesse: a ciência do que é e do que não é, a ciência da verdade e do falso. O nada e o falso podem ser objecto de uma ciência? Existe uma ciência da torpeza e da necessidade? A ciência do mal é a criação do diabo, é a afirmação do inferno eterno, é a negação de tudo o que pode afirmar a ciência, é a ignorância erguida no princípio, é a realeza da inércia.
XXXIV - Os teólogos e os casuístas são os normandos da macieira de Eva; e, semearam as suas sementes, voltaram a plantá-las, enxertaram-nas e multiplicaram-nas, recolheram os seus frutos e fizeram sidra que deixaram envelhecer em tonéis fechados que se chamam tanoas.
XXXV - A verdadeira ciência, que é a ciência do bem, exclui a ignorância que faz cometer o mal. Eis aqui a macieira do Éden singularmente podada.
XXXVI - A ignorância produz a estupidez e a estupidez transmitida de pai para filho como uma tradição de prejuízos que se chama totalmente a fé de nossos pais. Eis o pecado original.
XXXVII - Ofender a Deus é bater contra a razão suprema. Pois bem, a razão suprema quebra sem raiva e sem piedade, tudo o que se opõe a ela, pois faz a lei e é, ela mesma, a lei.
XXXVIII - A lei eterna não perdoa jamais, há que se observá-la protectora e conservadora ou suportá-la rigorosa e dando a morte, não ao ser que não pode se aniquilar, senão ao que não deve ser.
XXXIX - A lei da destruição aplica-se somente ao mal, o bem é eterno. A natureza leva os imperfeitos a devorarem-se entre si. A guerra é o resultado equilibrante do egoísmo feroz dos amores dos homens e das nações! Se os maus destroem os bons é por culpa dos bons que não sabem ainda sustentar-se para reinar.
XL - Se até ao presente, no mundo, os maus parecem mais fortes do que os bons, porque os maus sabem fazer o mal e os bons não sabem fazer o bem.
XLI - É que os maus observam e operam, enquanto que os bons contentam acreditar e rogar. São vítimas que passam por mártires.
XLII - A verdadeira religião é inseparável da verdadeira ciência. Há que saber para crer com razão.
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