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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)


RESUMO GERAL - Por definições e aforismos
(XII Capítulos)


CAPÍTULO I - A RELIGIÃO


I - O paraíso da alma é a razão satisfeita; o seu inferno a loucura irritada.
II - O Deus da razão é, ele próprio, a razão luminosa das coisas. O Deus da loucura é a razão obscura dos sonhos.
III - Dizer que Deus se revela loucura para confundir a razão, como se dizer que o sol se revela noite para confundir a luz.
IV - Deus se revela por leis e em leis que não mudam jamais. Ele é implacável porque não se irrita jamais. Não saberia perdoar porque jamais se vinga.
V - O mal não é mais que o aborto do bem. Pode-se morrer pela consequência do aborto e se a mulher o provocou por imprudência, já está bastante castigada.
VI - O diabo é a loucura atribuída a Deus. É Deus, que parece afirmar-se mau mediante um plenipotenciário surgido do pesadelo da loucura humana.
VII - O milagre é a loucura atribuída à natureza. A natureza não poderia infringir a menor das suas leis sem cair toda ela na demência.
VIII - Se um só grão de pó pudesse mover-se contrariamente às leis da atracção e da gravidade, a cadeia da harmonia universal se quebraria e nada do mundo subsistiria mais.
IX - A Bíblia é a filosofia dos antigos, escrita em enigmas e em parábolas à maneira dos poetas orientais.
X - A Cabala é a fórmula cifrada da hipótese divina. Os mistérios são os teoremas da sua álgebra. É simples como dois e dois são quatro, claro como as quatro regras da aritmética e obscura para os ignorantes como a tábua de logaritmos ou o binário de Newton.
XI - Deus é o grande silêncio do infinito. O mundo todo fala dele; e, para ele nada do que se fala representa tão bem como seu silêncio e sua calma eternas.
XII - A lei é rigorosa; é necessária; não pode não ser; não pode ser diferente do que é, dados os fenómenos do ser e da vida. Pois bem, o ser é; e, para dar-lhe uma causa é inútil imaginar outro ser. Porém há que reconhecer-lhe uma razão e esta razão é o que chamamos Deus.
XIII - Todos os males da alma humana vêm do temor e do desejo. As ameaças e as promessas são os grandes meios de corromper e de embrutecer os homens. O dogma que anuncia o privilégio e que ameaça com um castigo exorbitantemente monstruoso e sem fim às multidões ignorantes, não nem divino, nem humano, nem razoável, nem civilizado.
XIV - Desde o reino de Constantino até aos nossos dias, o Cristianismo oficial não foi senão um ensaio cada vez mais desgraçado para conciliar as luzes do Cristianismo com as trevas do antigo mundo.
XVI - O Evangelho não é o dia, é uma bela noite cheia de resplendores crepusculares; é um céu cintilante de estrelas.
XVII - Deus é o espírito, e aqueles que de hoje em diante o adoram deverão fazê-lo em espírito e em verdade. Eis uma estrela fixa que aproximando, torna-se um sol. "Pai, perdoa-os, pois não sabem o que fazem"; eis aí a humanidade real que se mostra maior que a divindade fictícia. Não tens senão um Mestre que é Deus e sois todos irmãos; isto é um cometa que ameaça os sacerdotes e reis do velho mundo. Que aquele que esteja sem pecado, atire a esta mulher a primeira pedra; isto é o fulgor crepuscular do sol da justiça. Jesus não se apresenta a si mesmo como sendo o espírito da verdade; anuncia somente que este espírito virá.
XVII - O espírito da verdade explica tudo e não destrói nada. Explicar é transformar. Na natureza tudo se transforma, nada se destrói; o mesmo acontece na religião.
XVIII - No Éden frutificavam duas árvores; a árvore da ciência e a árvore da vida; a árvore da ciência é a razão e a árvore da vida é o amor que produz a fé. A razão sem a fé é a morte do coração. A fé sem a razão é a loucura criadora do inferno, é o aniquilamento do espírito.
XIX - A árvore da vida que é a da fé, não tem mais do que uma raiz e um galho. Tem as suas primaveras e os seus invernos. Tem folhas e flores que caem. Não digais que a árvore está morta quando se despoja; reverdejará na Primavera. Não intenteis cortá-la porque as suas flores estão murchas, esperai que dê os seus frutos.
XX - Foras das matemáticas puras, tudo não é verdadeiro senão proporcionalmente, relativamente e progressivamente.
XXI - Discutir com os loucos é insensato; contrariá-los ou mofar-se deles é inumano; somente necessário é impedir-lhes de fazer dano.
XXII - Irritar-se contra a desordem é uma desordem; fazei a ordem e a desordem cessará.
XXIII - Proclamar altamente a razão no meio dos loucos é fazer um acto de loucura. Ter razão contra todos é estar errado ante a sociedade; eis aqui o que justifica a retratação de Galileu.

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