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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)


RESUMO GERAL - Por definições e aforismos

(XII Capítulos)


CAPÍTULO XII - A PAZ PROFUNDA


I - Todos os sofrimentos de nossa alma provém do extravio dos nossos desejos e da nossa obstinação em realizar mentiras.
II - Todos os sofrimentos de nosso coração provém de que amamos para receber e não para dar, para possuir e não para melhorar, para absorver e não para imortalizar.
III - Para ser feliz não se deve cobiçar nada, desejar nada com obstinação; mas é necessário obedecer à lei, querer o bem e esperar a justiça..39
IV - Não há que identificar-se com nada corruptível, atar-se a nada do que é passageiro, deixar absorvera  sua vida por nada do que é mortal.
V - Deve-se amar a beleza, a bondade e o amor que são eternos.
VI - Deve-se amar a amizade no nosso amigo, a juventude e a graça na nossa amiga. Há que se admirar nas flores a primavera que as renova; não se surpreender ao ver flores que murcham e mortais que se transformam.
VII - Há que se beber o vinho quente quando é bom e rejeitá-lo quando está azedo.
VIII - Não se deve chorar o formoso cordeiro que se tenha comido.
IX - Deve-se dar de bom coração a quem achou a moeda de ouro que se tenha perdido.
X - Se vemos morrer a árvore que plantamos, contentemo-nos com a madeira morta e plantemos
outra.
XI - Não murmuremos jamais se possuímos o que temos escolhido.
XII - Quando a nossa sorte não surge de nossa eleição, tiremos dela o melhor partido e esperemos trabalhando.
XIII - Busquemos a verdade com simplicidade sem nos apaixonar por uma ideia ou por uma crença.
XIV - Não discutamos jamais com ninguém. Sobreexcitando o amor-próprio, a discussão produz a obstinação, inimiga da verdade e da paz.
XV - Não nos indignemos jamais; nada merece a nossa indignação e nada nos dá o direito de nos indignarmos. Os crimes são catástrofes e os malvados, enfermos que se deve evitar sem odiar.
XVI - Não odiemos a ninguém nem tenhamos jamais ressentimentos. Os que nos fazem mal não sabem o que fazem, ou cedem a arrebatamentos que os fazem mais desgraçados que nós.
XVII - Amemos sempre. Sendo o amor imortal, o seu objecto não poderia morrer; mas os amores da terra não continuam mais do que sobre a terra. O ser amado que morre para a vida individual, vive todavia e mais do que nunca na vida colectiva e é certamente a ele, a quem amamos no objecto de um novo amor.
XVIII - Pobre marido que chora e que crê que a sua mulher esteja morta! Ela voltará, espere-a: se foi para mudar de traje.
XIX - Nós somos os outros e os outros são, todavia, nós.
XX - Passados vinte anos, há muito poucos homens e mulheres que se lembrem ainda e que queiram ressuscitar para voltar a possuir-se.
XXI - Também é raro que, quando se teve na juventude uma paixão infeliz, depois de vinte anos se sinta não haver desposado a pessoa que se desejava então com tanto ardor.
XXII - As eternidades do amor sexual são eternidades de sete a dez anos.
XXIII - Tudo isto será esquecido na outra vida e voltaremos a encontrar a frescura de uma vida nova e a casta ignorância da infância.
XXIV - A eminência eterna é o esquecimento, porque a recordação seria quase sempre, o desgosto, ou o remorso.
XXV - Não teria jamais penas morais o que possuísse poder de esquecer..40
XXVI - O único a quem não se pode nem se deve esquecer jamais é a Deus; porque, está necessária e absolutamente presente em todas as nossas existências sucessivas.
XXVII - É em tudo o que amamos, buscamos unicamente um encanto que vem de Ele, que permanece em Ele, e que sempre voltaremos a encontrar.
XXVIII - Há sobre os seres que nos são simpáticos um certo sinal que reconhecemos como sinal de família e em todas as suas transformações voltaremos a encontrar sempre aos nossos.
XXIX - Mas este sinal pode afirmar-se sobre tal ou qual, e depois de uma revolução de existência, não nos lembramos mais daquele ou daquela como se nunca houvesse existido para nós.
XXX - Não choremos, pois, nunca a ninguém. Voltaremos a encontrar sempre aos que sempre devemos amar.
XXXI - Os verdadeiros amigos não estão nunca separados realmente. Deus preenche todas as distâncias e não deixa vazio entre os corações.
XXXII - Suportemos valentemente o castigo das nossas faltas e deixemos de nos envergonhar por eles uma vez que já a tenhamos reparado.
XXXIII - Diz um provérbio vulgar que o inferno está pavimentado com boas intenções. Isto não é verdade. Brilham no céu as boas intenções que produziram sobre a terra as acções ineptas, e o inferno esta pavimentado com as más intenções que queriam encher o céu de falsas virtudes.
XXXIV - O retorno ao bem é preferido à inocência no Evangelho, o que é justo, porque a vida é um combate e a inocência não é uma vitória.
XXXV - A cada um nesta vida, Deus dá um animal para domar. Os mais favorecidos são aqueles que lutam contra um leão! Que glória possuem os que não tenham que domar mais do que um cordeiro?
XXXVI - Não sejas estranho a nada do humano e alternai prudentemente o emprego das tuas forças. O estudo absorve- te demasiado, busca distracções. Temperes a sabedoria com alguma loucura voluntária. Se as coisas da inteligência te desgostam da vida material, imponhas-te por penitência, partidas de prazer e entretenimentos alegres. Como o bom La Fontaine; ponde nos pratos da mesma balança, Santo Agostinho e Rabelais. Poderás então admitir à Buruch sem perigo para tua razão.
XXXVII - Disse Salomão que o temor de Deus é o começo da sabedoria. Jesus invocou o amor de Deus que, Segundo São Paulo, pode substituir a sabedoria; e, a alta iniciação ensina a identificação do homem com Deus, que é a consumação eterna da sabedoria e do amor.
XXXVIII - "Paz profunda, irmão, disse um padre, Crê? Quando, ao saudar a outro, esse responde: "Emanuel!", quer dizer: "Deus está connosco!".
XXXIX - Deus está com os justos e nos justos, nos sábios e com os sábios. A religião é a escada de Ouro que Jacob viu em sonhos e que comunica o céu com a terra; mas os bonzos, os marabutos, os brahmame, os faquires, os rabinos, os ulemas e os monges querem transformá-la na torre de Babel que introduz a confusão nas ideias, faz ininteligíveis as palavras e divide as nações. O sacerdócio é o verdadeiro bicho roedor da árvore das crenças universais. Assim, o Cristo propôs a si a missão de destruir o sacerdócio e de substitui-lo pelo presbiteriado; quer dizer, pela liberdade organizada sob a presidência dos anciãos. O sacerdócio como casta, o sacerdócio como profissão lucrativa, o sacerdócio autocrata das consciências, o sacerdócio usurpador das coisas temporais, eis o que o cristianismo devia destruir; e eis aqui o que os homens têm restabelecido descaradamente em seu nome. Por ele o socialismo teria substituído ao Cristianismo. É um nome novo representando a mesma ideia. Então, o socialismo realizado será o Messianismo, mas este nome ininteligível para o vulgo é sagrado para os eleitos, quer dizer, para os iniciados. O exclusivismo religioso é da competência dos impérios sacerdotais. Dizem: "Tomai o meu unguento, que o do meu concorrente é veneno". Comerciantes de água de Colónia, eu sou o verdadeiro João Maria Farina.
Inutilmente tentou Jesus expulsar os mercadores do Templo; não teve êxito. Ilegal e imprudentemente os transformou um dia, mas a justiça foi feita: crucificou-se o perturbador e a ordem restabeleceu-se. Enquanto a religião for pretexto de um comércio qualquer, não haverá religião séria. A liberdade comercial é um princípio e esta liberdade tem autorizado, até agora, a exploração da credulidade dos imbecis. Todos os que se fazem pagar por algo, vendem algo, e todos os que vendem algo, são mercadores. O sacerdócio é um comércio; o presbiteriano seria uma função respeitável porque não poderia ser retribuída. Quando São Paulo disse: "É preciso que o Sacerdote viva do altar", confundiu o presbiteriano com o sacerdócio.
O sacerdócio antigo matava para comer; o presbiteriano de Jesus Cristo deixa-se matar para que os outros comam. Todo o Sacerdote que vive do altar come a carne dos pobres e bebe o sangue do povo. Mas Jesus deu aos pobres e ao povo a sua própria carne para comer o seu sangue para beber. É por isto que o reinado temporal de Roma terminou e que seu reinado espiritual deverá terminar pela usurpação da divindade e o ridículo, mais insuportável que a morte.
XL - No entanto, as magnificências do culto católico não devem terminar, como tampouco a mitologia antiga e os esplendores do Panteão de Fídias. Maria é tão imortal como a Vénus Urânia, cuja imagem, encontrada em Milo, indica com os seus dois braços uma lira que lhe falta. Achamos a lira de Vénus eterna e devolveremos à Igreja Católica a ciência do seu dogma e as harmonias do seu culto. Pude julgar a arquitectura do templo e admirar o seu conjunto porque é do próprio templo... Eu sou livre e vou aonde quero ir, mas, como o eterno me tem conservado o uso da razão, não posso ir nem é fealdade nem é mentira. Amo tudo o que é, porque para a minha vista não existe o mal.
Digo a verdade sem buscar aplausos e sem temer as injúrias. Vivi pobre e morrerei pobre, segundo o mundo; e, não obstante, sinto que estou rico de verdades, de independência e de razão. Tenho formulado coisas que Moisés e o Cristo haviam deixado adivinhar e nem por isso deixo de ser um homem hábil e tímido como um menino. A verdade não me pertence, e dou como a recebi; passou pelo meu espírito quase sem deixar vestígios nele, e se pudesse fazê-lo haveria preferido uma mentira que me desse admiradores e evitado as mais terríveis lutas de minha vida. Mas é preciso que cada um cumpra com o seu destino. Piedade para aquele que se orgulha de algo! Tudo o que sobra ao homem do que amou é a rectidão das suas intenções e a esperança de um destino melhor no seu futuro que ninguém pode prever e ao qual ninguém pode subtrair-se ou escapar.


ELIPHAS LEVI

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