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sábado, 9 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)

10 de 10 - DISCUSSÕES EM FORMA DE DIÁLOGO

 
DÉCIMO DIÁLOGO - UM INICIADO e ELIPHAS LEVI
O INICIADO — Estudei a Cabala e não poderia compartilhar a lei católica romana.
ELIPHAS LEVI — Porquê?
O INICIADO — Porque as chaves de São Pedro deixaram de ser as da verdade. Porque a hierarquia dessa Igreja é artificial e não real. Porque é despótica e não fraternal; porque é material e não espiritual. Porque os condutores dos cegos, são eles mesmos, cegos. Porque a fé cega do rebanho justifica-se só pela fé iluminada e pela ciência do pastor. Porque ela (a Igreja Romana) sacrifica descaradamente os seus interesses espirituais aos interesses temporais.
Porque abjura publicamente o espírito da caridade, autorizando, e ainda tolerando polemistas tais como Luis Veuillot e outros blasfemadores. Do qual concluo que este corpo eclesiástico perdeu a eficácia da sua ciência e que está desprovido, ao mesmo tempo, da religião e da fé.
ELIPHAS LEVI — Renunciaremos à ciência porque existem ignorantes? E haverá que abandonar a religião porque certas pessoas entendem-na mal e mal a praticam?
O INICIADO — O mundo está cansado dos absurdos dogmáticos.
ELIPHAS LEVI — São eles comparáveis aos absurdos do materialismo? Porém eu falo a um iniciado que sabe que o ocultismo, ou seja, a absurdidade aparente, é a própria essência de qualquer dogma. Aqueles da Tábua de Esmeralda são mais obscuros e mais absurdos em aparência que os do símbolo dos apóstolos.
Os livros herméticos como o Apocalipse e as visões de Ezequiel parecem completamente inexplicáveis e é por isso que chegaram até nós. Se houvessem sido compreendidos, teriam causado revoluções no mundo e se lhes haveria suprimido. Conheces a história de São Paulo queimando os livros de magia de Éfeso, de Omar incendiando a Biblioteca de Alexandria e do inquisidor lançando os livros e os autores ao fogo. O dogma é o enigma da Esfinge. Aqueles que adivinham devem calar-se e ocultar aos invejosos que eles se tornaram reis e sacerdotes. Aqueles que não adivinham são devorados pelo monstro.
O INICIADO — Então tem-se que fazer como Édipo obrigando o monstro a precipitar-se no abismo.
ELIPHAS LEVI — E recomeçar a guerra de Tebas e o extermínio dos irmãos inimigos. Tira a religião do mundo e os homens se desgarrarão entre eles; os fortes esmagarão os débeis, os pobres matarão os ricos. Não ouves, na medida em que a fé se debilita, como ruge a guerra social na sombra? Creia-me, quando os círios dos altares se extinguirem, ver-se-ão acender as tochas da conflagração universal.
O INICIADO — Não acreditas, pois, na razão humana?
ELIPHAS LEVI — A razão sem fé não aconselha a abnegação e não admite o sacrifício. O homem é egoísta pela razão, não é grande e generoso senão pela crença.
O INICIADO — Penso como tu. Crer na honra, crer no amor, crer na virtude, é crer em Deus e desejaria expandir no mundo inteiro esta fé saudável. O teísmo, na nossa época, basta para o mundo...
ELIPHAS LEVI — Isto seria bom dizer no tempo de Jean Jacques Rousseau; hoje faria rir de piedade os discípulos de Proudhon. Não há meio lógico entre estes dois termos; ateísmo ou religião revelada. Agora, tu sabes bem que existe uma revelação; tu, a quem se tem mostrado sobre qual pedra viva está colocada a cidadela de Tebas invisível, tu que compreendes os símbolos da nova Jerusalém.
O INICIADO — Sim, sei que existe uma revelação cujos fiéis perseguiram sempre na Igreja Romana.
ELIPHAS LEVI — Dizes os infiéis, ou seja os indiscretos e os profanadores do simbolismo oculto.
O INICIADO — Chamas infiéis ou indiscretos a Vanini, a Giordano Bruno e Savanarola? Aos templários castigados de morte e aos Franco-maçons excomungados? Aprecias os horríveis suplícios suportados por Campanela? Amas as Dragonadas? Não, em verdade, não tenho a certeza. E, não tenhas vergonha em dizê-lo e proclama-lo altamente. Serias excomungado talvez, porém tu te comportarias como homem de bem. Creia-me irmão; não te faças o desgraçado advogado de uma causa perdida para sempre. Os que querem ficar fiéis, como Catão de Itica, ao qual os deuses abandonam, pronto vêm-se decididos a jogar-se sobre a sua própria espada e a desgarrar-se as entranhas. Desgraça para os homens que se obstinam em permanecer no templo quando os deuses se vão? Crês que o mundo, ou seja, o mundo inteligente e iluminado pela ciência, voltar é jamais ao Deus, do inferno para as multidões e do céu para um, pequeno número de privilegiados ignaros, ao Deus que proscreve a razão, a ciência e a liberdade?
Não sentes que o verdadeiro Deus deve estar de acordo com a natureza que é a sua lei e com a humanidade que é a sua filha? Era justo o Deus de Moisés quando favorecia um só povo entregando as outras nações ao anátema; e o Deus dos Cristãos não condena ainda a maioria dos habitantes do universo? Que monstruosa invenção este inferno abrindo a sua face imensa e devorando o rio quase inteiro das gerações sucessivas e isto pelo capricho de um Deus que se fez crucificar para redimir os homens! Basta, digo, basta dessas crenças barbaras... Não reinarão mais sobre nós porque estão mortas para sempre. Desejas talvez, para cumprir não sei que sonho filial, sepultá-las com honras; porém, toma cuidado! A terra é movediça em torno da fossa que elas escavaram e tu poderias cair com elas.
ELIPHAS LEVI — Não temo a morte; porque a minha esperança está cheia de imortalidade e, enquanto Deus não me revelar um novo Dogma, ater-me-ei ao da Igreja, desprendendo-me das sombras das letras e invocando a luz do espírito.
O INICIADO — Um novo Dogma! Porém podes ignorar que este dogma já existe, em todas as inteligências cultivadas? Vós mesmo o tens formulado e eu poderia escrever o seu símbolo com extractos das tuas obras. Cremos em Deus, princípio de todo o ser, de todo o bem e de toda a justiça inseparável da natureza que é sua lei e que se revela pela inteligência e o amor. Cremos na humanidade, filha de Deus, cujos membros são solidários uns aos outros, de maneira que todos devem contribuir à salvação de todos. Cremos que para servir Deus, é necessário servir a humanidade. Cremos na separação do mal e no triunfo do bem na vida eterna.
ELIPHAS LEVI — Amém! Este é o puro espírito do Evangelho e não é um dogma novo; é o resumo de todos os dogmas. É a síntese dogmática da religião eterna, porém pretendo e poderia demonstrar, se fosse necessário, que este símbolo explica todos os outros sem destruí-los e se tornará um dia o da catolicidade humanitária e universal.

(Continua com RESUMO GERAL – Por definições e aforismos)

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