O Livro dos Sábios (1870)
9 de 10 - DISCUSSÕES EM FORMA DE DIÁLOGO
NONO DIÁLOGO - UM ESPÍRITA e ELIPHAS LEVI
O ESPÍRITA — Li os teus livros sobre a ciência dos espíritos e de boa vontade os
chamaria de a ignorância dos espíritos. Negas a sua intervenção; em fenómenos
cuja evidência os confunde e sem embargo, admites, quase completamente, a
doutrina que eles nos ensinam.
ELIPHAS LEVI — Nego somente tudo o que não se pode admitir razoavelmente; atribuo, como tu, uma grande importância aos fenómenos do imã humano e da fotografia astral; reconheço que se pode determinar, observando-as, as grandes correntes da imaginação e do pensamento colectivo; elas iniciam-nos nos mistérios da transmissão simpática das ideias. Como não creio na morte, creio que as ideias sobrevivem a nós e que as dos mortos podem misturar-se ainda à dos vivos; porém, não creio que os pretendidos mortos possam revelar-nos algo dos segredos da outra vida, porque a natureza para impedir que recaiam aqueles que ela eleva, fecha sob eles as portas que lhes faz transpor. Os que viveram entre nós, ainda vivem connosco, porém, só pelas recordações que deixaram e que são ainda as suas recordações; não podem falar-nos mais do que a nossa linguagem e nós não compreenderíamos a linguagem do céu. Não creio tão pouco que os imortais estejam em condições de falar-nos de outra forma que não seja pela comunicação íntima dos pensamentos, liberados da matéria inerte e pensante, dirigem-se ao que de mais subtil e mais puro em nós; eles não têm necessidade de misturar-se aos vapores densos do antro de Trofonios nem aos vapores malsãos das mulheres histéricas ou desses homens propensos à catalepsia que chamas de "médiuns". Se seres que têm a aparência da inteligência, comunicaram connosco por tais meios, não poderiam ser senão larvas impuras ou esboços espirituais muito inferiores à humanidade. Não falarei dos numerosos casos de alienação mental, determinados pelas práticas do espiritismo, que contestarias com razão; pois, as religiões em geral e a católica em particular, produziu-os, talvez, em maior número; porém far-te-ei notar que as tuas evocações não são mais do que um retorno aos antigos oráculos do paganismo que, há já dezoito séculos, o génio do cristianismo fez calar em todo o mundo.
Pois bem, esta exumação do passado não poderia ter os caracteres do progresso no qual todos acreditamos; seria o mesmo que tratar de galvanizar as múmias – como no conto de Edgar A. Poe. O cristianismo, sendo a mais espiritualista de todas as religiões, devia facilitar e tornar mais frequentes as comunicações dos espíritos de ultra-túmulo com os vivos e é o que tem feito pela comunhão dos santos e a unidade das três igrejas; a Igreja triunfante, a Igreja militante e a Igreja de sofrimento. Então, cessarão os prestígios dos demónios, ou seja, dos espíritos desconhecidos e equívocos que se manifestam por convulsões e se comprazem, nos vapores. Quando a humanidade carece de religião, tem delírio, como um faminto sem pão e isto porque, agora que a fé está quase extinta no mundo, os fantasmas voltam a fazer-se escutar.
O ESPÍRITA — Os espíritos que qualificas de fantasmas predicam, como tu, a caridade, a religião universal e a salvação de todos os homens.
ELIPHAS LEVI — São ideias que estão no ar, se posso expressar-me assim; mas, predicam eles a organização da caridade, formas irmãs de caridade que possam comparar-se as de São Vicente de Paula? Substituem a hierarquia católica por uma hierarquia nova? São teus sonâmbulos, santos, e teus médiuns apóstolos? Tens sacramentos que dão a graça e fazem tocar e gostar de Deus? És visionário como os Gnósticos, como os iluminados, como os convulsionários que não provaram nada. Tomas fenómenos naturais por milagres; consultas oráculos ocasionais e escutas nas vozes do eco sem ter em conta a tradição, a transmissão legítima dos poderes e a autoridade apostólica.
O ESPÍRITA — Tudo isso pertence ao passado e tu mesmo não acreditas mais; sorris pensando nos inquisidores que condenaram Galileu e igualmente te horrorizam São Pio V e Torquemada.
ELIPHAS LEVI — O mal que fez aquela gente estava longe de se assemelhar à doutrina dos apóstolos. Porque, pode suceder a um cirurgião inábil cortar a artéria de um doente querendo sangrá-lo; haveria que condenar e proscrever a cirurgia? A religião dos padres da Igreja não é a de Torquemada; e, o humilde São Francisco de Sales não teria condenado Galileu. Sim, certamente, creio na caridade universal; sim, aguardo a salvação de todos os homens, porque reverencio o dogma Universal e porque o Salvador do mundo deu o seu sangue para todos os homens. Creio na verdade da fé dos santos e no triunfo da paciência dos mártires, porque tantas virtudes não podem ter sido em vão, porque uma esperança tão heróica não pode ter sido enganosa; creio que os nossos filhos, quando fazem a sua primeira comunhão com toda a pureza do seu coração e com todo o fervor da sua inocência, recebem realmente o que nenhuma outra religião saberia dar-lhes; ante os prodígios sempre renascentes da caridade, o meu coração prosterna-se e adora. Sim, eu creio em Deus que faz correr as lágrimas de Santo Agostinho e as torrentes de eloquência de São João Crisóstomo e de Bossuet. Creio no Deus de São Vicente de Paula e de Phenelon; no Deus dos sacramentos eficazes da comunhão dos Santos e da venerável hierarquia; creio, em uma palavra, no Deus da Igreja única, santa, católica e apostólica, apesar dos escândalos de Roma e o sangue que mancha ainda a espada de São Pedro, pregado com a cabeça para baixo, sobre a cruz que não soube manter levantada; expiará a sua negação e o seu arrebatamento sacrílego; porém, a doutrina do Salvador triunfará apesar dos sucessores de Caifás e dos imitadores de Judas. Eis aqui a minha fé e a minha esperança.
O ESPÍRITA — É está a tua caridade! Parece-me que, para, um fiel filho do Papa, tratas o teu padre bastante mal; que tens bastante ojeriza a este pobre Veuillot e que te preocupas muito pouco do domínio, temporal da santa Igreja. Em tudo isto, ao meu parecer, tens razão, porém obedeces como nós, a uma inspiração independente e particular; acreditas no teu próprio espírito e estas mais exposto a extraviar-te do que nós, que temos fé em comunicações milagrosas do outro mundo.
ELIPHAS LEVI — Creio em argumentos irrefutáveis e tu acreditas em visões muito discutíveis.
O ESPÍRITA — Muito bem; se houvesse medida, teríamos dois versos.
ELIPHAS LEVI — Sim, do tipo daqueles que escrevem as tuas mesas falantes.
O ESPÍRITA — Tens o direito de burlar-te delas?
ELIPHAS LEVI — Das mesas falantes? Um pouco, e creio, que não me acusarás, espero, de faltar por isto à caridade, porque não reconheço os móveis como meus irmãos.
O ESPÍRITA — Te burlas das nossas mesas, nós nos burlaremos das tuas fábulas.
ELIPHAS LEVI — Ah! Misericórdia! e que Allan Kardec venha em nossa ajuda; eis que te tornas médium versificador.
O ESPÍRITA — Não, falemos seriamente; ousas tomar-nos por loucos e somos mais razoáveis do que tu. Vou dar-te uma prova. Tu admites a hierarquia e por conseguinte, a autoridade da Igreja católica romana, o que não te impede em crer diametralmente o contrário do que ela ensina.
ELIPHAS LEVI — A harmonia resulta da analogia dos contrários. Toda a luz que manifesta uma forma, deve necessariamente projectar uma sombra. Creio na sombra porque creio na luz. A liturgia católica não aplica à Igreja esta palavra da Esposa do Cântico; "Sentei-me a sombra da árvore que amava e saboreei os seus frutos?"; não diz ela no seu ofício: "Senhor, protege-nos com a sombra das tuas asas?".
A nuvem que guiava os hebreus não era luminosa de um lado e tenebrosa do outro? E quando Deus deixou-se ver, ou seja, compreender por Moisés sob o símbolo da forma humana, não lhe disse: "Passarei em frente a ti e então te cobrirás o rosto; depois, quando tenha passado, olharás e verás o que esta atrás de mim, ou seja, a minha sombra"? Não compreendes esta cabeça de luz e esta cabeça de sombra que são o reflexo uma da outra, nos magníficos símbolos do Zohar e que explicam todos os mistérios da religião universal?
O ESPÍRITA — Confesso que não te compreendo muito bem.
ELIPHAS LEVI — Se compreendesses não serias mais um espírita, serias um, iniciado; portanto, em lugar de consultar mesas nas que não se podem encontrar outros espíritos que o espírito da madeira; roga ao espírito da inteligência para que te abra o entendimento e estuda a Cabala.
ELIPHAS LEVI — Nego somente tudo o que não se pode admitir razoavelmente; atribuo, como tu, uma grande importância aos fenómenos do imã humano e da fotografia astral; reconheço que se pode determinar, observando-as, as grandes correntes da imaginação e do pensamento colectivo; elas iniciam-nos nos mistérios da transmissão simpática das ideias. Como não creio na morte, creio que as ideias sobrevivem a nós e que as dos mortos podem misturar-se ainda à dos vivos; porém, não creio que os pretendidos mortos possam revelar-nos algo dos segredos da outra vida, porque a natureza para impedir que recaiam aqueles que ela eleva, fecha sob eles as portas que lhes faz transpor. Os que viveram entre nós, ainda vivem connosco, porém, só pelas recordações que deixaram e que são ainda as suas recordações; não podem falar-nos mais do que a nossa linguagem e nós não compreenderíamos a linguagem do céu. Não creio tão pouco que os imortais estejam em condições de falar-nos de outra forma que não seja pela comunicação íntima dos pensamentos, liberados da matéria inerte e pensante, dirigem-se ao que de mais subtil e mais puro em nós; eles não têm necessidade de misturar-se aos vapores densos do antro de Trofonios nem aos vapores malsãos das mulheres histéricas ou desses homens propensos à catalepsia que chamas de "médiuns". Se seres que têm a aparência da inteligência, comunicaram connosco por tais meios, não poderiam ser senão larvas impuras ou esboços espirituais muito inferiores à humanidade. Não falarei dos numerosos casos de alienação mental, determinados pelas práticas do espiritismo, que contestarias com razão; pois, as religiões em geral e a católica em particular, produziu-os, talvez, em maior número; porém far-te-ei notar que as tuas evocações não são mais do que um retorno aos antigos oráculos do paganismo que, há já dezoito séculos, o génio do cristianismo fez calar em todo o mundo.
Pois bem, esta exumação do passado não poderia ter os caracteres do progresso no qual todos acreditamos; seria o mesmo que tratar de galvanizar as múmias – como no conto de Edgar A. Poe. O cristianismo, sendo a mais espiritualista de todas as religiões, devia facilitar e tornar mais frequentes as comunicações dos espíritos de ultra-túmulo com os vivos e é o que tem feito pela comunhão dos santos e a unidade das três igrejas; a Igreja triunfante, a Igreja militante e a Igreja de sofrimento. Então, cessarão os prestígios dos demónios, ou seja, dos espíritos desconhecidos e equívocos que se manifestam por convulsões e se comprazem, nos vapores. Quando a humanidade carece de religião, tem delírio, como um faminto sem pão e isto porque, agora que a fé está quase extinta no mundo, os fantasmas voltam a fazer-se escutar.
O ESPÍRITA — Os espíritos que qualificas de fantasmas predicam, como tu, a caridade, a religião universal e a salvação de todos os homens.
ELIPHAS LEVI — São ideias que estão no ar, se posso expressar-me assim; mas, predicam eles a organização da caridade, formas irmãs de caridade que possam comparar-se as de São Vicente de Paula? Substituem a hierarquia católica por uma hierarquia nova? São teus sonâmbulos, santos, e teus médiuns apóstolos? Tens sacramentos que dão a graça e fazem tocar e gostar de Deus? És visionário como os Gnósticos, como os iluminados, como os convulsionários que não provaram nada. Tomas fenómenos naturais por milagres; consultas oráculos ocasionais e escutas nas vozes do eco sem ter em conta a tradição, a transmissão legítima dos poderes e a autoridade apostólica.
O ESPÍRITA — Tudo isso pertence ao passado e tu mesmo não acreditas mais; sorris pensando nos inquisidores que condenaram Galileu e igualmente te horrorizam São Pio V e Torquemada.
ELIPHAS LEVI — O mal que fez aquela gente estava longe de se assemelhar à doutrina dos apóstolos. Porque, pode suceder a um cirurgião inábil cortar a artéria de um doente querendo sangrá-lo; haveria que condenar e proscrever a cirurgia? A religião dos padres da Igreja não é a de Torquemada; e, o humilde São Francisco de Sales não teria condenado Galileu. Sim, certamente, creio na caridade universal; sim, aguardo a salvação de todos os homens, porque reverencio o dogma Universal e porque o Salvador do mundo deu o seu sangue para todos os homens. Creio na verdade da fé dos santos e no triunfo da paciência dos mártires, porque tantas virtudes não podem ter sido em vão, porque uma esperança tão heróica não pode ter sido enganosa; creio que os nossos filhos, quando fazem a sua primeira comunhão com toda a pureza do seu coração e com todo o fervor da sua inocência, recebem realmente o que nenhuma outra religião saberia dar-lhes; ante os prodígios sempre renascentes da caridade, o meu coração prosterna-se e adora. Sim, eu creio em Deus que faz correr as lágrimas de Santo Agostinho e as torrentes de eloquência de São João Crisóstomo e de Bossuet. Creio no Deus de São Vicente de Paula e de Phenelon; no Deus dos sacramentos eficazes da comunhão dos Santos e da venerável hierarquia; creio, em uma palavra, no Deus da Igreja única, santa, católica e apostólica, apesar dos escândalos de Roma e o sangue que mancha ainda a espada de São Pedro, pregado com a cabeça para baixo, sobre a cruz que não soube manter levantada; expiará a sua negação e o seu arrebatamento sacrílego; porém, a doutrina do Salvador triunfará apesar dos sucessores de Caifás e dos imitadores de Judas. Eis aqui a minha fé e a minha esperança.
O ESPÍRITA — É está a tua caridade! Parece-me que, para, um fiel filho do Papa, tratas o teu padre bastante mal; que tens bastante ojeriza a este pobre Veuillot e que te preocupas muito pouco do domínio, temporal da santa Igreja. Em tudo isto, ao meu parecer, tens razão, porém obedeces como nós, a uma inspiração independente e particular; acreditas no teu próprio espírito e estas mais exposto a extraviar-te do que nós, que temos fé em comunicações milagrosas do outro mundo.
ELIPHAS LEVI — Creio em argumentos irrefutáveis e tu acreditas em visões muito discutíveis.
O ESPÍRITA — Muito bem; se houvesse medida, teríamos dois versos.
ELIPHAS LEVI — Sim, do tipo daqueles que escrevem as tuas mesas falantes.
O ESPÍRITA — Tens o direito de burlar-te delas?
ELIPHAS LEVI — Das mesas falantes? Um pouco, e creio, que não me acusarás, espero, de faltar por isto à caridade, porque não reconheço os móveis como meus irmãos.
O ESPÍRITA — Te burlas das nossas mesas, nós nos burlaremos das tuas fábulas.
ELIPHAS LEVI — Ah! Misericórdia! e que Allan Kardec venha em nossa ajuda; eis que te tornas médium versificador.
O ESPÍRITA — Não, falemos seriamente; ousas tomar-nos por loucos e somos mais razoáveis do que tu. Vou dar-te uma prova. Tu admites a hierarquia e por conseguinte, a autoridade da Igreja católica romana, o que não te impede em crer diametralmente o contrário do que ela ensina.
ELIPHAS LEVI — A harmonia resulta da analogia dos contrários. Toda a luz que manifesta uma forma, deve necessariamente projectar uma sombra. Creio na sombra porque creio na luz. A liturgia católica não aplica à Igreja esta palavra da Esposa do Cântico; "Sentei-me a sombra da árvore que amava e saboreei os seus frutos?"; não diz ela no seu ofício: "Senhor, protege-nos com a sombra das tuas asas?".
A nuvem que guiava os hebreus não era luminosa de um lado e tenebrosa do outro? E quando Deus deixou-se ver, ou seja, compreender por Moisés sob o símbolo da forma humana, não lhe disse: "Passarei em frente a ti e então te cobrirás o rosto; depois, quando tenha passado, olharás e verás o que esta atrás de mim, ou seja, a minha sombra"? Não compreendes esta cabeça de luz e esta cabeça de sombra que são o reflexo uma da outra, nos magníficos símbolos do Zohar e que explicam todos os mistérios da religião universal?
O ESPÍRITA — Confesso que não te compreendo muito bem.
ELIPHAS LEVI — Se compreendesses não serias mais um espírita, serias um, iniciado; portanto, em lugar de consultar mesas nas que não se podem encontrar outros espíritos que o espírito da madeira; roga ao espírito da inteligência para que te abra o entendimento e estuda a Cabala.
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