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sábado, 30 de dezembro de 2017


A VERDADEIRA HISTÓRIA DA RENUNCIA DO PAPA BENTO XVI

 
O dinheiro e as trafulhices do Banco do Vaticano são o verdadeiro motivo da renúncia do papa. O vaticano, dominado por satã desde que foi criada a igreja de roma que substituiu a verdadeira igreja de Cristo, no tempo de Constantino, é um antro de pedófilos, conspiradores e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender a sua facção. a hierarquia católica deixou uma imagem terrível do seu processo de decomposição moral, segundo um artigo de Eduardo Febro, directo de Paris.

Os especialistas em assuntos do Vaticano afirmam que o Papa Bento XVI decidiu renunciar depois de regressar da sua viagem ao México e Cuba.

O papa, que “herdou” toda esta carga pesada de mafiosos, que o seu predecessor, João Paulo II preferiu ignorar ou mesmo não reprovar na maioria dos casos (que o diretor da École Pratique des Hautes Études de Paris da Sorbonne, Philippe Portier, chama “uma continuidade pesada”) descobriu numa informação elaborada por um grupo de cardeais os abismos nada espirituais nos quais a igreja havia caído: corrupção, finanças obscuras, guerras fratricidas pelo poder, roubo massivo de documentos secretos, luta entre facções, lavagem de dinheiro.

O Vaticano era um ninho de hienas enlouquecidas, numa luta sem limites, sem moral alguma, onde a cúria faminta de poder fomentava delações, traições, artimanhas e operações secretas para manter as suas prerrogativas e privilégios à frente das instituições religiosas. Era um dos Estados mais obscuros do planeta. Bento XVI ainda teve o mérito de denunciar a influência dos padres pedófilos, mas não conseguiu, nem tinha um suporte suficientemente forte para isso, modernozar a igreja e todas essas práticas do Vaticano.

Bento XVI foi, como assinala Philippe Portier, um continuador da obra de João Paulo II: “desde 1981 seguiu o reino de seu predecessor acompanhando vários textos importantes que redigiu:

·   a condenação das teologias da libertação dos anos 1984-1986;

·   o Evangelium vitae de 1995 a propósito da doutrina da igreja sobre os temas da vida;

·   o Splendor veritas, um texto fundamental redigido a quatro mãos com Wojtyla”.

Esses textos citados pelo especialista francês são um compêndio prático da visão reacionária da igreja sobre as questões políticas, sociais e científicas do mundo moderno.

O Monsenhor Georg Gänsweins, fiel secretário pessoal do papa desde 2003, tem na sua página web um lema muito paradoxal: junto ao escudo de um dragão que simboliza a lealdade o lema diz “dar testemunho da verdade”. Mas a verdade, no Vaticano, não é uma moeda corrente.

Depois do escândalo provocado pelo revelar da correspondência secreta do papa e das obscuras finanças do Vaticano, a cúria romana agiu como faria qualquer Estado. Buscou mudar a sua imagem com métodos modernos.

Para isso contratou o jornalista americano Greg Burke, membro da Opus Dei e ex-integrante da agência Reuters, da revista Time e da cadeia Fox para melhorar a deteriorada imagem da igreja. “A minha ideia é trazer luz”, disse Burke ao assumir o posto. Muito tarde. Não há nada de claro na cúpula da igreja católica.

Numa operação sabiamente montada pelos interessados em manter o status quo, com o mordomo Paolo Gabriele como testa de ferro, atacaram o poderoso secretário de Estado, Tarcisio Bertone, para o obrigar a empurrar Bento XVI à renuncia e colocar no seu lugar um italiano mais maleável a fim de travar a luta interna em curso e impedir a revelação da avalanche de segredos prester a serem divulgados por Greg Burke.

Bento XVI acabou enrolado pelas contradições que ele mesmo suscitou. Estas são tais que, uma vez tornada pública a sua renúncia, os tradicionalistas da Fraternidade de São Pio X, fundada pelo Monsenhor Lefebvre, saudaram a figura do Papa.

Não é para menos: uma das primeiras missões que Ratzinger empreendeu consistiu em suprimir as sanções canónicas adotadas contra os partidários fascistas e ultrarreacionários do Mosenhor Levebvre e, por conseguinte, legitimar no seio da igreja essa corrente retrógada que, de Pinochet a Videla, apoiou quase todas as ditaduras de ultradireita do mundo.

Bento XVI não foi o sumo pontífice da luz que os seus retratistas se empenham em pintar, mas sim o contrário. Philippe Portier assinala a respeito que o papa “se deixou engolir pela opacidade que se instalou sob o seu reinado”. E a primeira delas não é doutrinária, mas sim financeira.

O Vaticano é um tenebroso gestor de dinheiro e muitas das querelas que surgiram até ao papa Francisco têm a ver com as finanças, as contas falsas e o dinheiro dissimulado. Esta é a herança financeira deixada por João Paulo II, que, para muitos especialistas, explica a crise atual.

Em setembro de 2009, Ratzinger nomeou o banqueiro Ettore Gotti Tedeschi para o posto de presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano.

Próximo à Opus Deis, representante do Banco Santander na Itália desde 1992, Gotti Tedeschi participou da preparação da encíclica social e económica Caritas in veritate, publicada pelo papa Bento XVI. A encíclica exige mais justiça social e propõe regras mais transparentes para o sistema financeiro mundial. Tedeschi teve como objetivo regularizar as finanças do Vaticano.

As contas da Santa Sé são um labirinto de corrupção e lavagem de dinheiro cujas origens mais conhecidas remontam ao final dos anos 80, quando a justiça italiana emitiu uma ordem de prisão contra o arcebispo norteamericano Paul Marcinkus, o chamado “banqueiro de Deus”, presidente do IOR e máximo responsável pelos investimentos do Vaticano na época.

João Paulo II usou o argumento da soberania territorial do Vaticano para evitar a prisão e salvá-lo da cadeia. Não é de estranhar, pois devia-lhe muito pelo facto de ter financiado, nos anos 70, o sindicato polaco Solidariedade. Marcinkus terminou os seus dias a jogar golfe em Phoenix, no meio de um gigantesco buraco negro de perdas e investimentos mafiosos, além de vários cadáveres.

No dia 18 de junho de 1982 Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, apareceu enforcado na ponte de Blackfriars, em Londres. O seu “suicídio” expôs uma imensa trama de corrupção que incluía, além do Banco Ambrosiano, a loja maçónica Propaganda 2 (mais conhecida como P-2), dirigida por Licio Gelli e o próprio IOR de Marcinkus.

Ettore Gotti Tedeschi recebeu uma missão quase impossível e só permaneceu três anos a frente do IOR. Ele foi demitido de forma fulminante em 2012 por supostas “irregularidades” na sua gestão. Saiu do banco poucas horas depois da detenção do mordomo do Papa, justamente no momento em que o Vaticano estava a ser investigado por suposta violação das normas contra a lavagem de dinheiro.

Na verdade, a expulsão de Tedeschi constitui outro episódio da guerra entre facções no Vaticano. Quando assumiu o seu posto, Tedeschi começou a elaborar uma informação secreta onde registou o que foi descobrindo: contas secretas onde se escondia dinheiro sujo de “políticos, intermediários, construtores e altos funcionários do Estado”. Até Matteo Messina Dernaro, o novo chefe da Cosa Nostra, tinha o seu dinheiro depositado no IOR por meio de laranjas.

Aí começou o infortúnio de Tedeschi. Quem conhece bem o Vaticano diz que o banqueiro amigo do papa foi vítima de um complô armado por conselheiros do banco com o respaldo do secretário de Estado, Monsenhor Bertone, um inimigo pessoal de Tedeschi e responsável pela comissão de cardeais que fiscaliza o funcionamento do banco. A sua destituição veio acompanhada pela difusão de um “documento” que o vinculava ao revelar de documentos roubados do papa.

A hierarquia católica deixou uma imagem do que é e sempre foi. Nada muito diferente do mundo no qual vivemos. Corrupção, capitalismo suicida, proteção de privilegiados, circuitos de poder que se autoalimentam, o Vaticano não é mais do que um reflexo da própria decadência do sistema.

 

R.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)


RESUMO GERAL - Por definições e aforismos

(XII Capítulos)


CAPÍTULO XII - A PAZ PROFUNDA


I - Todos os sofrimentos de nossa alma provém do extravio dos nossos desejos e da nossa obstinação em realizar mentiras.
II - Todos os sofrimentos de nosso coração provém de que amamos para receber e não para dar, para possuir e não para melhorar, para absorver e não para imortalizar.
III - Para ser feliz não se deve cobiçar nada, desejar nada com obstinação; mas é necessário obedecer à lei, querer o bem e esperar a justiça..39
IV - Não há que identificar-se com nada corruptível, atar-se a nada do que é passageiro, deixar absorvera  sua vida por nada do que é mortal.
V - Deve-se amar a beleza, a bondade e o amor que são eternos.
VI - Deve-se amar a amizade no nosso amigo, a juventude e a graça na nossa amiga. Há que se admirar nas flores a primavera que as renova; não se surpreender ao ver flores que murcham e mortais que se transformam.
VII - Há que se beber o vinho quente quando é bom e rejeitá-lo quando está azedo.
VIII - Não se deve chorar o formoso cordeiro que se tenha comido.
IX - Deve-se dar de bom coração a quem achou a moeda de ouro que se tenha perdido.
X - Se vemos morrer a árvore que plantamos, contentemo-nos com a madeira morta e plantemos
outra.
XI - Não murmuremos jamais se possuímos o que temos escolhido.
XII - Quando a nossa sorte não surge de nossa eleição, tiremos dela o melhor partido e esperemos trabalhando.
XIII - Busquemos a verdade com simplicidade sem nos apaixonar por uma ideia ou por uma crença.
XIV - Não discutamos jamais com ninguém. Sobreexcitando o amor-próprio, a discussão produz a obstinação, inimiga da verdade e da paz.
XV - Não nos indignemos jamais; nada merece a nossa indignação e nada nos dá o direito de nos indignarmos. Os crimes são catástrofes e os malvados, enfermos que se deve evitar sem odiar.
XVI - Não odiemos a ninguém nem tenhamos jamais ressentimentos. Os que nos fazem mal não sabem o que fazem, ou cedem a arrebatamentos que os fazem mais desgraçados que nós.
XVII - Amemos sempre. Sendo o amor imortal, o seu objecto não poderia morrer; mas os amores da terra não continuam mais do que sobre a terra. O ser amado que morre para a vida individual, vive todavia e mais do que nunca na vida colectiva e é certamente a ele, a quem amamos no objecto de um novo amor.
XVIII - Pobre marido que chora e que crê que a sua mulher esteja morta! Ela voltará, espere-a: se foi para mudar de traje.
XIX - Nós somos os outros e os outros são, todavia, nós.
XX - Passados vinte anos, há muito poucos homens e mulheres que se lembrem ainda e que queiram ressuscitar para voltar a possuir-se.
XXI - Também é raro que, quando se teve na juventude uma paixão infeliz, depois de vinte anos se sinta não haver desposado a pessoa que se desejava então com tanto ardor.
XXII - As eternidades do amor sexual são eternidades de sete a dez anos.
XXIII - Tudo isto será esquecido na outra vida e voltaremos a encontrar a frescura de uma vida nova e a casta ignorância da infância.
XXIV - A eminência eterna é o esquecimento, porque a recordação seria quase sempre, o desgosto, ou o remorso.
XXV - Não teria jamais penas morais o que possuísse poder de esquecer..40
XXVI - O único a quem não se pode nem se deve esquecer jamais é a Deus; porque, está necessária e absolutamente presente em todas as nossas existências sucessivas.
XXVII - É em tudo o que amamos, buscamos unicamente um encanto que vem de Ele, que permanece em Ele, e que sempre voltaremos a encontrar.
XXVIII - Há sobre os seres que nos são simpáticos um certo sinal que reconhecemos como sinal de família e em todas as suas transformações voltaremos a encontrar sempre aos nossos.
XXIX - Mas este sinal pode afirmar-se sobre tal ou qual, e depois de uma revolução de existência, não nos lembramos mais daquele ou daquela como se nunca houvesse existido para nós.
XXX - Não choremos, pois, nunca a ninguém. Voltaremos a encontrar sempre aos que sempre devemos amar.
XXXI - Os verdadeiros amigos não estão nunca separados realmente. Deus preenche todas as distâncias e não deixa vazio entre os corações.
XXXII - Suportemos valentemente o castigo das nossas faltas e deixemos de nos envergonhar por eles uma vez que já a tenhamos reparado.
XXXIII - Diz um provérbio vulgar que o inferno está pavimentado com boas intenções. Isto não é verdade. Brilham no céu as boas intenções que produziram sobre a terra as acções ineptas, e o inferno esta pavimentado com as más intenções que queriam encher o céu de falsas virtudes.
XXXIV - O retorno ao bem é preferido à inocência no Evangelho, o que é justo, porque a vida é um combate e a inocência não é uma vitória.
XXXV - A cada um nesta vida, Deus dá um animal para domar. Os mais favorecidos são aqueles que lutam contra um leão! Que glória possuem os que não tenham que domar mais do que um cordeiro?
XXXVI - Não sejas estranho a nada do humano e alternai prudentemente o emprego das tuas forças. O estudo absorve- te demasiado, busca distracções. Temperes a sabedoria com alguma loucura voluntária. Se as coisas da inteligência te desgostam da vida material, imponhas-te por penitência, partidas de prazer e entretenimentos alegres. Como o bom La Fontaine; ponde nos pratos da mesma balança, Santo Agostinho e Rabelais. Poderás então admitir à Buruch sem perigo para tua razão.
XXXVII - Disse Salomão que o temor de Deus é o começo da sabedoria. Jesus invocou o amor de Deus que, Segundo São Paulo, pode substituir a sabedoria; e, a alta iniciação ensina a identificação do homem com Deus, que é a consumação eterna da sabedoria e do amor.
XXXVIII - "Paz profunda, irmão, disse um padre, Crê? Quando, ao saudar a outro, esse responde: "Emanuel!", quer dizer: "Deus está connosco!".
XXXIX - Deus está com os justos e nos justos, nos sábios e com os sábios. A religião é a escada de Ouro que Jacob viu em sonhos e que comunica o céu com a terra; mas os bonzos, os marabutos, os brahmame, os faquires, os rabinos, os ulemas e os monges querem transformá-la na torre de Babel que introduz a confusão nas ideias, faz ininteligíveis as palavras e divide as nações. O sacerdócio é o verdadeiro bicho roedor da árvore das crenças universais. Assim, o Cristo propôs a si a missão de destruir o sacerdócio e de substitui-lo pelo presbiteriado; quer dizer, pela liberdade organizada sob a presidência dos anciãos. O sacerdócio como casta, o sacerdócio como profissão lucrativa, o sacerdócio autocrata das consciências, o sacerdócio usurpador das coisas temporais, eis o que o cristianismo devia destruir; e eis aqui o que os homens têm restabelecido descaradamente em seu nome. Por ele o socialismo teria substituído ao Cristianismo. É um nome novo representando a mesma ideia. Então, o socialismo realizado será o Messianismo, mas este nome ininteligível para o vulgo é sagrado para os eleitos, quer dizer, para os iniciados. O exclusivismo religioso é da competência dos impérios sacerdotais. Dizem: "Tomai o meu unguento, que o do meu concorrente é veneno". Comerciantes de água de Colónia, eu sou o verdadeiro João Maria Farina.
Inutilmente tentou Jesus expulsar os mercadores do Templo; não teve êxito. Ilegal e imprudentemente os transformou um dia, mas a justiça foi feita: crucificou-se o perturbador e a ordem restabeleceu-se. Enquanto a religião for pretexto de um comércio qualquer, não haverá religião séria. A liberdade comercial é um princípio e esta liberdade tem autorizado, até agora, a exploração da credulidade dos imbecis. Todos os que se fazem pagar por algo, vendem algo, e todos os que vendem algo, são mercadores. O sacerdócio é um comércio; o presbiteriano seria uma função respeitável porque não poderia ser retribuída. Quando São Paulo disse: "É preciso que o Sacerdote viva do altar", confundiu o presbiteriano com o sacerdócio.
O sacerdócio antigo matava para comer; o presbiteriano de Jesus Cristo deixa-se matar para que os outros comam. Todo o Sacerdote que vive do altar come a carne dos pobres e bebe o sangue do povo. Mas Jesus deu aos pobres e ao povo a sua própria carne para comer o seu sangue para beber. É por isto que o reinado temporal de Roma terminou e que seu reinado espiritual deverá terminar pela usurpação da divindade e o ridículo, mais insuportável que a morte.
XL - No entanto, as magnificências do culto católico não devem terminar, como tampouco a mitologia antiga e os esplendores do Panteão de Fídias. Maria é tão imortal como a Vénus Urânia, cuja imagem, encontrada em Milo, indica com os seus dois braços uma lira que lhe falta. Achamos a lira de Vénus eterna e devolveremos à Igreja Católica a ciência do seu dogma e as harmonias do seu culto. Pude julgar a arquitectura do templo e admirar o seu conjunto porque é do próprio templo... Eu sou livre e vou aonde quero ir, mas, como o eterno me tem conservado o uso da razão, não posso ir nem é fealdade nem é mentira. Amo tudo o que é, porque para a minha vista não existe o mal.
Digo a verdade sem buscar aplausos e sem temer as injúrias. Vivi pobre e morrerei pobre, segundo o mundo; e, não obstante, sinto que estou rico de verdades, de independência e de razão. Tenho formulado coisas que Moisés e o Cristo haviam deixado adivinhar e nem por isso deixo de ser um homem hábil e tímido como um menino. A verdade não me pertence, e dou como a recebi; passou pelo meu espírito quase sem deixar vestígios nele, e se pudesse fazê-lo haveria preferido uma mentira que me desse admiradores e evitado as mais terríveis lutas de minha vida. Mas é preciso que cada um cumpra com o seu destino. Piedade para aquele que se orgulha de algo! Tudo o que sobra ao homem do que amou é a rectidão das suas intenções e a esperança de um destino melhor no seu futuro que ninguém pode prever e ao qual ninguém pode subtrair-se ou escapar.


ELIPHAS LEVI

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)


RESUMO GERAL - Por definições e aforismos

(XII Capítulos)


CAPÍTULO XI - A FORÇA E SEUS AUXILIARES

I - Toda força requer um impulso; necessita de uma acção e apoia-se sobre uma resistência.
II - Toda a força domina a inércia, toda a inércia suporta a força.
III - Toda a acção repetida determina uma força, a força contínua, por mínima que seja, triunfa sobre toda a inércia.
IV - Os actos mais indiferentes em aparência, dirigidos por uma intenção e repetidos com persistência fazem triunfar esta intenção. É por isso que todas as grandes religiões têm multiplicado as suas práticas e atribuem grande importância a estas práticas. Um machado atirado por Hércules não furaria a massa de uma rocha, mas uma gota de água que cai no mesmo lugar, hora após hora, termina por escavar uma abóbada imensa de pedra.
V - As práticas supersticiosas são tão eficazes como as práticas religiosas, mas apresentam maior perigo porque não estão reguladas pela autoridade legítima.
VI - Fazendo regularmente o que ele mesmo chamava seus exercícios, Santo Inácio terminou por ver distintamente a Virgem. Na "cova" de Mauresa, praticando os ritos do tauróbolo, o imperador Juliano viu pessoalmente os deuses do antigo Olimpo e, sujeitando-se às cerimónias do Crimório, os feiticeiros obstinados terminam necessariamente por ver o diabo.
VII - Toda a força necessita de uma debilidade; ela exerce sobre uma debilidade e triunfa por uma debilidade.
VIII - A maior das debilidades humanas é o amor, mas é com a sua mediação que a força humana tem realizado os maiores milagres.
IX - O entusiasmo multiplica as forças da alma e o entusiasmo é excitado quase sempre por uma quimera.
X - Eu que escrevo estas linhas, sacrifício-me há quarenta anos em trabalhos ingratos porque creio na sua utilidade, como se tudo o que penso e tudo o que escrevo não houvesse sido pensado e escrito inutilmente por outros.
XI - Se o homem não tivesse um grão de loucura, não faria uso da sua razão senão para livrar-se de todas as penas e desconfiar de todos os prazeres; mas então, não viveria; vegetaria encerrado na sua concha como um molusco.
XII - A maior sabedoria do homem é escolher bem a sua loucura.
XIII - Salomão disse: entre todas as mulheres eu não encontrei nenhuma. A isto a fria razão contestaria: tomemo-las todas pelo que valem. Mas a suave loucura do amor protesta e diz: se temos escolhido mal, escolhamos novamente; depois a sabedoria agrega: vivamos de nossos sonhos, não morramos deles.
XIV - É o que ocorre com as religiões. Entre todas, nenhuma é razoável, dizia Voltaire. Eu bem o creio. São razoáveis as mulheres? A religião e a mulher do nosso espírito. Não se pode ser, por sua vez, de todas as religiões; e a nossa alma tem necessidade de praticar uma.
XV - Então, se se deseja um culto eficaz, tem-se que ser um mago ou católico, o que é no fundo a mesma coisa, porque a religião católica é a magia regularizada e vulgarizada.
XVI - Qual é a força que nos faz desejar a uma mulher? A paixão. Bem, a religião católica só é uma religião apaixonada; é insensata e, por isso mesmo, invencível pela razão, zelosa, exclusiva e, por isso mesmo, fascinadora. Só ela faz milagres e nos faz tocar a Deus!
XVII - Mas a religião e a mulher preferida são como a esfinge: tem-se que adivinhar o seu enigma ou perecer; tem-se que possuí-las e não ser seus escravos; tem-se que compreender e não suportar os seus mistérios. Há que ser seu senhor, no fim, como Ulisses se tornou senhor de Circe. QUI HABET AURES AUDIENDI AUDIAT.
XVIII - Para o sábio, os sacerdotes são os ministros; quer dizer, os servidores da religião; não são nem seus árbitros nem seus senhores.
XIX – A nossa consciência pode ter necessidade de ser esclarecida, mas não deve ser dirigida senão pela razão unida à fé.
XX - Há que se tomar conselho de um homem esclarecido e desinteressado, de um homem livre e prudente, o qual, tendo em vista a organização actual do clero, não se encontra nem sequer entre os sacerdotes. Não há coisa mais insensata, quando se vê mal, que tomar por guia um cego, unicamente porque está tonsurado e leva uma túnica branca sobre um traje negro.
XXI - A religião sanciona o dever. Mas ela já não é um dever como o amor. É um socorro oferecido à nossa debilidade. É uma necessidade da alma. É um arrebato do coração ou não é nada.
XXII - Pode-se ir mais além da razão, mas nunca contra a razão; mais distante do que a ciência, mas nunca apesar da ciência. Desta maneira se destrói a si mesma provando-se evidentemente falsa. Então, já não é um auxiliar da força; transforma-se numa enfermidade do espírito e uma debilidade da alma...
XXIII - Para que os contrários se afirmem, seja simultânea, seja separada e alternativamente, é absolutamente necessário que não sejam contraditórios.
XXIV - Quando o entusiasmo nos empurra além da razão, parece negar a razão, mas quando a razão vem por sua vez corrigir os erros da fé , parece rechaçar a fé. Uma e outra, no entanto, nos conduzem por sua vez ao progresso; como na marcha nos apoiamos alternativamente nas duas pernas.
XXV - O homem que caminha não se apoia nunca senão sobre um pé de cada vez. Aquele que apoia ao mesmo tempo os dois pés no chão não caminha. Mas o erro de muitos homens é querer servir-se exclusivamente de razão ou da fé e assemelhar-se assim a um menino que não quisesse caminhar senão sobre um pé somente.
XXVI - Quando se ama não se raciocina. Quando se raciocina parece que não se ama. Quando se raciocina depois de haver amado, compreende-se porque se amava. Quando se ama depois de haver raciocinado, ama-se melhor. Eis aqui o sendeiro do progresso das almas.
XXVII - Quando se tem um pé sobre o qual não se pode apoiar-se sem cair, há que cortá-lo, disse Jesus Cristo. O remédio é violento e Jesus Cristo dizia isto, sem dúvida, porque no seu tempo não se havia inventado a ortopedia. Mas tem-se seguido demasiado o seu conselho e é por isso que a Igreja coxeia do lado da razão e a filosofia coxeia do lado da fé.
XXVIII - Atar, juntas, as duas pernas seria como torná-las uma; e, isto tornaria impossível o caminhar. Para que as duas pernas prestem mútuo socorro, é preciso que estejam separadas e absolutamente livres uma da outra. É o mesmo para a razão e para a fé. Impor crenças à razão é pedir a fé demonstrações científicas é paralisar uma pela outra. Quando se tem uma perna que atrapalha a outra, se é coxo; e, o grande problema actual é encontrar a ortopedia das almas. Aqueles que compreenderam os nossos livros eu tenho, quiçá, o direito de dizer-lhes: EUREKA! Estabelecer que a solução de um problema é necessária é provar que ela é possível, e provar que é possível é dá-la.
XXIX - Conciliar a fé e a razão é crer que o dogma universal, sob as suas formas diversas, é a expressão progressiva das aspirações humanas em direcção à Divindade; aspirações que não são nem fictícias nas suas fontes nem arbitrárias nas suas formas; aspirações que provém de Deus como todas as formas da natureza; que assim o dogma esta revelado e se revela sempre; porém que os símbolos não são definições científicas, as alegorias históricas, os sacramentos, operações físicas e que os evidentes absurdos de forma, frente às apreciações racionais, provam que tem-se que buscar em outra parte e mais acima, as realidades ocultas sob este misterioso ensinamento.
XXX - A consequência desta crença razoável é a catolicidade verdadeiramente universal, porque não há mais do que uma revelação como não há mais do que um Deus. Somente os cultos diferem como os símbolos e como os homens, mas a graça de Deus habita, para o justo, tanto a sinagoga como na religião, ainda que exterior, e será, tarde ou cedo, uma consequência da unidade na civilização. Pois bem, ninguém nega a beleza, a simplicidade, a majestade e a influência profunda nas almas, do culto católico, em outro tempo romano; é pois, ele, que prevalecerá porque oferece à força do mundo os mais poderosos auxiliares. Mas, como dizia o seu fundador, é preciso que morra sob a sua forma humana, quer dizer temporal, para ressuscitar no seu poder espiritual e divino. E, Lictor expedicrucem!

terça-feira, 26 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)


RESUMO GERAL - Por definições e aforismos
(XII Capítulos)
 

CAPÍTULO X - A ACÇÃO
I - A acção é a resultante equilibrada do movimento dirigido pela inteligência.
II - O movimento é a manifestação da vida. A vida é a revelação fenomenal do espírito...
III - O espírito é a direcção da força, a força sem direcção não chegaria jamais à harmonia criadora.
IV - A harmonia é a balança genial dos números. É a física da natureza, percebida ou não.
V - As sensações são o resultado das vibrações e as vibrações compõem a harmonia dos sons, das impressões e dos matizes.
VI - Toda a acção é uma força.
VII - A acção harmoniosa repete-se multiplicando, a acção dissonante produz uma reacção equilibrante.
VIII - Se quereis que uma acção violenta se produza à direita, operai violentamente à esquerda, dito assim figuradamente.
IX - A criação eterna é a acção de Deus e da natureza. Pois bem, na natureza toda a obra e a inacção é impossível. Se o nadador se cansa de nadar, acciona o rio a submergi-lo.
X - A criação eterna a acção de Deus e da natureza. A morte aparente é acção particular que cessa e desaparece na acção universal.
XI - A morte é o oceano da vida no qual recaem, uma a uma, as gotas de água que se tornaram mais pesadas que a nuvem. Logo, o Sol fará subir outra vez uma nova nuvem sobre o mar e as gotas de água flutuarão no céu ainda que com os seus trajes de vapor.
XII - Temos pois, que morrer mil vezes? Não! Nem sequer uma vez, porque a morte é a quimera dos vivos que a temem. A morte não existe se não que no medo da morte; e esqueceremos este temor quando vermos que a morte não existe. A Eternidade não lembra senão a vida.
XIII - Operar contra a acção universal é querer quebrar-se. Operar com a acção universal é exercer o poder divino; nisto acha-se indicado suficientemente o grande arcano da alta magia.
XIV - As acções do homem modificam o homem. Somos todos filhos das nossas obras.
XV - A substância inerte chamada matéria é o ponto de apoio da alavanca moral, ela expande e reflecte de certa forma a acção que recebe, impregna-se da vontade do homem e pode tornar-se, pela influência magnética, um remédio ou um veneno.
XVI - O vinho derramado pelos sábios alegra e fortifica; o vinho dos insensatos embriaga e dá vertigem.
XVII - A matéria é o que os sábios querem que seja. Assim explica-se o mistério da transubstanciação.
XVIII - A fé que transporta as montanhas não é outra coisa senão a união das vontades activas para a realização de um sonho ou de uma utopia.
XIX - A vontade colectiva posta em acção dá sempre um resultado proporcional à potência das forças reunidas. Porém, quando opera em favor de um sonho, o que produz é sempre uma realidade contrária à fórmula do sonho. O ideal da redenção pelo sacrifício produziu a inquisição, o ideal da emancipação dos homens, não produziram, no tempo da maior exaltação dos seus crentes, senão o regime de terror; porque os cristãos e os revolucionários idólatras; uns do sacrifício, outros da liberdade; acreditavam falsamente que, podia-se impor a aqueles que não são capazes e, sobretudo não compreendiam que não existe verdadeiro sacrifício sem liberdade nem liberdade verdadeira sem sacrifícios.
XX - As grandes religiões produzem grandes povos porque formam grandes forças colectivas e inspiram grandes acções.
XXI - Não existem heróis na solidão; os actos sublimes estão determinados sempre pelo entusiasmo de muitos. Os grandes crimes são igualmente o resultado de uma perversidade colectiva. O diabo na Escritura chama-se legião e o bem triunfante chama-se o Deus dos exércitos.
XXII - O fogo do inferno é a actividade devoradora do bem que consome eternamente o mal.
XXIII - Jesus Cristo disse em uma dessas passagens do Evangelho, que a Igreja não pode jamais explicar ao comum dos fiéis. Fala dos reprovados e acrescenta: "O fogo os salgará como se põe sal sobre a cabeça das vítimas. O sal é o bem. Se chegasse perder sua força, com que se lhe salgaria? Guardai o sal em vós mesmos." Desta passagem dá-se ao vulgo esta explicação abominável: que o fogo conservará aos condenados na eternidade de seu suplício como o sal conservará as carnes mortas. É necessário intimidar aos incrédulos e aos perversos.
XXIII - Os débeis falam e não accionam, os fortes accionam e calam-se.
XXIV - Tem-se falado de uma espada cujo punho está em Roma e cuja ponta faz-se sentir em toda a parte. Se esta espada existe, o que a forjou seria um hábil armeiro; tratai de fazer uma semelhante.
XXV - Weishaupt intentou-o, porém a sua obra não foi duradoura, porque os seus discípulos não diziam nem a missa nem o breviário, nem o rosário todos os dias.
XXVI - A magia e a religião são uma só e mesma coisa. Chama-se religião à magia autorizada e magia a uma religião proibida.
XXVII - Se um cristão cessa de praticar não crerá por muito tempo, porém se um incrédulo começa a praticar, logo acreditará, porque a vontade não pode estar por muito tempo separada dos actos.
XXVIIII - A religião e a magia fazem igualmente milagres, porém o Deus da primeira é o diabo da outra e reciprocamente.
XXIX - Colocai o branco sobre o preto e o branco tornasse-a esplendor, colocai o preto sobre o branco e o preto tornasse-a profundidade. Mesclai o branco e o preto e obtereis um matiz fosco e desagradável que se chama cinza.
XXX - No mundo divino existem anjos brancos e anjos pretos, porém não existem anjos cinzas. No mundo intelectual existe o absoluto afirmativo e o absoluto negativo, porém a dúvida não existe. No mundo moral existe o bem e o mal, porém não existe meio. No mundo da acção toda a actividade e a vida, porém a inacção e a morte. Jesus aceita o quente e o frio, porém rejeita o que é morno.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)


RESUMO GERAL - Por definições e aforismos

(XII Capítulos)

 
CAPÍTULO IX - A CIÊNCIA

I - O absoluto indefinido é o ser e o absoluto definido é o saber. O ser inconsciente não se escora; é escorado pela ciência de outro ser. O ser que se escora é o ser que sabe. O saber absoluto é idêntico à absoluta entidade do ser. O ser moral é proporcional ao saber. Quanto mais se sabe mais se é quanto mais se é, mais se merece e mais se deve.
II - A ciência é o ponto fixo em redor do qual o amor, ou seja, a fé, deve fazer circular a razão.
III - A ciência é o princípio da sabedoria; ela eleva-se do facto lei e não conhece nada mais alto; porém inclina-se então ante a fé que, vendo quanto a lei é boa, concluí que ela é querida por uma vontade sábia.
IV - A fé que precede a ciência não pode ser mais que provisória, a menos que não seja insensata.
V - Há que ter fé na ciência para chegar à ciência da fé.
VI - Fala-se de moral independente. Este epíteto não é exacto. A moral depende da lei. Então, é a ciência que nos faz conhecer a lei que nos da razões para acreditar no princípio vivente e vivificante da lei.
VII - A ciência afirma o infinito, quebra todas as correntes e rompe todas as prisões do pensamento. Ela faz descer o céu até nós e abre à nossa alma horizontes ilimitados; analisa os sóis, se vê por todos os lados formigar astros sobre as nossas cabeças, ao nosso lado e sob os nossos pés, esparge por toda parte a luz e a vida e não deixa lugar nem para a morte nem para o inferno.
VIII - A ciência dissipa os terrores do desconhecido, liberta-nos dos nossos preconceitos, dá uma regra certa aos nossos desejos e uma carreira infinita à nossa actividade estimulada por legítimas esperanças.
IX - Afundar a ciência é aprofundar o desespero, dizem-nos os crentes cegos e os cépticos desalentados, e eu contesto-lhes aprofundando a ciência, descobre-se a mina de ouro das esperanças legítimas.
X - A ciência é o instrumento do progresso é o progresso é a conquista da vida e da felicidade.
XI - Que me importa o desacorçoamento de Salomão e Agrippa? Do ponto em que eles se detiveram voltarei a marchar; de onde se sentaram com a cabeça entre as mãos, na beira de uma fossa entreaberta, levantar-me-ei cheio de entusiasmo e franquearei a tumba.
XII - A tumba! Essa porta que entreabrindo-se ao nosso lado, não nos deixa ver nada do que existe além; essa porta atrai o meu desejo pelo desconhecido. Lá, a ciência não se detém, e o umbral do santuário onde se oculta o absoluto, é a entrada de uma nova ciência.
XIII - Saber é ter, saber é ser. Saber é viver! Crer, esperar, amar; que é tudo isto se não se sabe nem o que se crê, nem o que se espera, nem o que se ama?
XIV - Se o objecto da fé não é o postulado supremo da ciência, não é nada.
XV - A ciência quer a religião porque sabe que a religião é necessária. Quer uma religião eficaz, ou seja, criadora e realizadora da fé. Quer uma religião hierárquica, porque a hierarquia é a lei natural da natureza. Quer uma religião monárquica, porque não pode haver mais do que um Deus e porque a monarquia regulamentada pelas leis é o governo mais simples, mais forte e mais perfeito. A ciência quer, pois, a religião tal qual está preparada na Igreja católica, apostólica e até o presente, romana. Os pastores ignorantes desta Igreja, podem muito bem-querer marchar retrocedendo; a terra gira apesar do que tenham dito os juízes de Galileu, e ela arrasta-os para frente.
XVI - Durante dezoito séculos e meio eles tem-se declarado infalíveis, de uma infalibilidade divina, milagrosa, indefectível; este poder que só a razão absoluta pode ter, acabam de abdicá-lo espontaneamente, livremente. Isto foi feito não por revelação; senão depois de deliberações, discussões e a maioria de votos, como se fazem as leis humanas. Agora, o Papa é infalível pela infalibilidade deles e não pela de Deus. O milagre cessou; sucedeu-lhe a convenção disciplinaria; não é este o imenso acontecimento na ordem religiosa, para o qual, segundo José de Maistre, nós marchamos com acelerada rapidez? Vós vedes que também marcha esta Igreja que se diz retardatária. Viva, pois, a nova infalibilidade do soberano pontífice! Não está constituído o dogma? Podem de novo ser postas em discussão as bases da fé? E não alcança para impor silêncio aos teologastros disputadores, a voz do pastor supremo? Venha um papa, homem de ciência e de génio e, por sua infalibilidade pessoal, poderá regenerar a Igreja, suprimir os abusos, anular o protestantismo, reunir todos os crentes, abolir todos os anátemas, bendizer ainda aos Budistas e aos Muçulmanos, o que seria impossível para sempre se tivesse necessidade, para isto, do consentimento de um concílio.
XVII – Todo o dogma que se torna necessário, deve, pelo mesmo facto da sua necessidade, ser considerado como revelado por Deus; porque Deus é a Providência, já que a lei religiosa está feita para o homem e não o homem para a lei, já que toda a revelação vem da inspiração dos homens que crêem e fazem crer aos outros o que a piedade lhes sugere. Porque é assim que a ciência pode compreender e explicar a fé...
XVIII - A turba dos semi-sábios e a vil multidão dos ignorantes incrédulos pensa que se destrói a religião com a ciência. O contrário é verdadeiro. A religião está na essência mesma da alma humana e a verdadeira ciência bem o vê. A ciência não tomba senão os ídolos ridículos e ainda guarda-se bem de quebrá-los, conserva-os para as suas colecções e os seus museus.
XIX - A arte a flor da árvore da ciência. Pelo génio estático conserva-se o culto do ideal da beleza. O belo é o esplendor do verdadeiro, disse Platão, e a ciência também tem as suas belezas e os seus esplendores. Toda a doutrina que torna pequeno o ideal é uma falsa doutrina. Vós quereis combater as minhas crenças: mostrai-me outras maiores e mais formosas! A vossa matéria trabalhada por forças fatais é espantosa. O vosso universo, máquina cega, é mais feio que Polifemo que, pelo menos, tinha um olho: a vossa humanidade que se aniquila eternamente é horrível. Vejo o ser, vejo a luz, vejo ordem, vejo beleza, vejo que tudo isto é verdadeiro e não creio nas vossas blasfémias!
XX - A ciência da religião conduz à síntese dogmática, verdadeira catolicidade do mundo. A unidade das crenças e dos símbolos aparecerá então radiante em todos os povos e em todas as idades, e a similitude de todos os dogmas dos povos antigos e modernos levará os sábios e os crentes reunidos a proclamarem a grande ortodoxia humana. E há de se encontrar um grande pontífice universal que dirá: é assim. E todas as inteligências do universo responderão: Amém!
XXI - A falsa ciência, como a falsa religião, tem as suas superstições e os seus fanatismos. Não reconheço por desejos aqueles que têm medo dos fenómenos quando ainda não os podem explicar e que negam tudo o que não compreendem; não reconheço por Doutores aos que não ousam falar de outra forma senão como fazem nas academias oficiais. As ciências ocultas são o protestantismo desta falsa ortodoxia. São as ciências excomungadas e não julgadas pelos usurpadores de uma falsa infalibilidade.
XXII - O homem infalível é aquele que afirma o que se lhe está demonstrando, admite a hipótese necessária, examina as hipóteses prováveis, tolera as hipóteses duvidosas e rejeita as hipóteses absurdas. Aquele que regula a sua crença segundo as leis e não segundo as opiniões, aquele que consegue extrair o bem do mal, perdoa, consola, não se irrita jamais e não deseja nada com violência; dele pode-se dizer o que se tem dito do próprio Deus: é paciente porque é eterno.
XXIII - A ciência não vê mais do que fenómenos onde a ignorância não vê senão milagres. Estuda as maravilhas da natureza e encontra-as maiores do que os pretensos prodígios. Reconhece as leis supremas e não admite caprichos divinos. Sabe que na união, a matéria obedece a força, a força lei e que a lei é imutável como Deus.
XXIV - A ciência não pode ensinar nada contrário a fé. Porque, se em nome da fé alguém contradiz a demonstração da ciência, esse alguém não tem a fé; tem a crença cega e obstinada dos insensatos.
XXV - A Igreja não pode decidir nada que seja contrário a ciência e, por conseguinte, à razão. Porque o seu veredicto seria então o de um tribunal incompetente.
XXVI - As raças humanas sucedem-se, aperfeiçoando-se; porém, cada uma delas tem a sua infância, a sua virilidade e sua decadência como os impérios e como os homens. As raças anteriores à nossa envelheceram, enervaram e morreram; é o que explica o dogma do pecado original e da decadência adâmica. Deus manifesta-se na natureza, porém jamais nos falou pela boca dos homens, é o que quer dizer na Índia e no Cristianismo o dogma da Encarnação. Existe solidariedade entre os homens; e, o rico deve pagar pelos pobres: eis o dogma da Redenção. Concebemos a Deus como poder, sabedoria e amor: eis aqui o dogma da Trindade. O homem possui o seu livre arbítrio; porém este livre arbítrio está sempre influenciado por uma atracção. A atracção do mal é a tentação do demónio. Assim, os méritos do homem vem de Deus e os seus vícios de uma debilidade original a qual Deus a garante. Eis aqui toda a economia da salvação e as garantias da esperança.
XXVII - A fé não pode julgar a ciência, porém, a ciência pode julgar a fé.
XXVIII - Quando a Igreja voltar à ciência e quando a ciência voltar o mundo inteiro será católico.
XXIX - A religião do futuro não será o catolicismo, será a catolicidade. Adoração universal de Deus nas maravilhas da ciência, amor ao Deus vivente na humanidade e síntese de luz explicando, pela divergência de seus raios, os matizes de todos os cultos.
XXX - A fé separada da ciência não produziu e não poderia produzir se não falsas virtudes e verdadeiros crimes; o que salvar é o mundo é a ciência justificando a fé.
XXXI - O materialismo moderno não é mais do que uma represália apaixonada contra a fé que nega a ciência. É o absurdo negativo, oposto ao absurdo afirmativo. Tem a sua razão de ser e terá o seu tempo.
XXXII - A verdade religiosa surge de todos os símbolos reunidos e corrigidos ou explicados um pelo outro. O celibato de Cristo purifica os amores de Krishna. Diana Panthea com o seu tríplice selo explica a maternidade da virgem. Da comunhão emana o verdadeiro socialismo, a cruz ansata de Oliveres é análoga a cruz do redentor. O paraíso de Maomé saiu do cantar dos cantares e a noção mais profunda de Deus encontra-se no símbolo de Maimônides.
XXXIII - A Bíblia diz-nos que aquilo que fez o homem perder-se foi a ciência do bem e do mal. Com efeito, uma ciência semelhante anula-se a si mesma afirmando simultaneamente os dois contrários mais irreconciliáveis que possa conceber o pensamento humano. É como se dissesse: a ciência do que é e do que não é, a ciência da verdade e do falso. O nada e o falso podem ser objecto de uma ciência? Existe uma ciência da torpeza e da necessidade? A ciência do mal é a criação do diabo, é a afirmação do inferno eterno, é a negação de tudo o que pode afirmar a ciência, é a ignorância erguida no princípio, é a realeza da inércia.
XXXIV - Os teólogos e os casuístas são os normandos da macieira de Eva; e, semearam as suas sementes, voltaram a plantá-las, enxertaram-nas e multiplicaram-nas, recolheram os seus frutos e fizeram sidra que deixaram envelhecer em tonéis fechados que se chamam tanoas.
XXXV - A verdadeira ciência, que é a ciência do bem, exclui a ignorância que faz cometer o mal. Eis aqui a macieira do Éden singularmente podada.
XXXVI - A ignorância produz a estupidez e a estupidez transmitida de pai para filho como uma tradição de prejuízos que se chama totalmente a fé de nossos pais. Eis o pecado original.
XXXVII - Ofender a Deus é bater contra a razão suprema. Pois bem, a razão suprema quebra sem raiva e sem piedade, tudo o que se opõe a ela, pois faz a lei e é, ela mesma, a lei.
XXXVIII - A lei eterna não perdoa jamais, há que se observá-la protectora e conservadora ou suportá-la rigorosa e dando a morte, não ao ser que não pode se aniquilar, senão ao que não deve ser.
XXXIX - A lei da destruição aplica-se somente ao mal, o bem é eterno. A natureza leva os imperfeitos a devorarem-se entre si. A guerra é o resultado equilibrante do egoísmo feroz dos amores dos homens e das nações! Se os maus destroem os bons é por culpa dos bons que não sabem ainda sustentar-se para reinar.
XL - Se até ao presente, no mundo, os maus parecem mais fortes do que os bons, porque os maus sabem fazer o mal e os bons não sabem fazer o bem.
XLI - É que os maus observam e operam, enquanto que os bons contentam acreditar e rogar. São vítimas que passam por mártires.
XLII - A verdadeira religião é inseparável da verdadeira ciência. Há que saber para crer com razão.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)


RESUMO GERAL - Por definições e aforismos
(XII Capítulos)


CAPÍTULO VIII - A
I - Certo dia uma mulher apareceu numa praça de Alexandria. Numa mão portava uma tocha acesa e na outra uma vasilha com água. "Com esta tocha", exclamou, "quero incendiar o céu; com esta água quero extinguir o inferno para dissipar todos os fantasmas que ocultam o meu Deus e não crer mais do que nele só".
II - Nós não podemos compreender  Deus. Podemos apenas saber o que dizemos quando sussurramos o seu nome; porém, sentimos em nós uma necessidade imperiosa, invencível, absoluta de crer e de amá-lo.
III - Pode-se amar seriamente, pode-se amar por muito tempo aquilo que não existe? Pois bem, o amor de Deus é o único que dura tanto como a vida e que se sente bastante poderoso e bastante crente para acreditar na vida eterna!
IV - Oh, sim! Ele muito mais do que somos nós, porque o amamos mais que a vida. É melhor que todas as bondades humanas, porque o amamos mais que aos nossos pais e às nossas mães. E mais belo do que todas as belezas mortais porque o amamos mais do que as nossas mulheres e as nossas filhas.
V – As nossas almas têm fome da divindade, têm sede do infinito e sentimos os nossos corações crescerem até a imensidão no sonho do sacrifício eterno.
VI - Tudo é de seu ser, tudo vive da sua vida. Tudo irradia da sua luz; tudo ri e canta da sua alegria. Ele está em nós, está ao redor de nós, toca-nos, fala-nos, chora em nossas lágrimas, fortifica-nos na nossa dor; esquece-se dos nossos erros e lembram-se dos nossos bons desejos; tudo o que se ama de belo, tudo o que se deseja de bem, tudo o que se admira de grande, tudo o que se exalta de sublime, é ele, é ele, é ele. Ele está em tudo; todo inteiro em toda a parte sem que possa ser dividido ou contido. Não é nada do que podemos ver, tocar, mostrar, medir, definir.
É tudo o que podemos desejar, admirar, venerar, amar. Ele não é o ser, o princípio do ser; não é a vida, é o pai da vida; é mais verdadeiro do que a verdade, mais imenso que a imensidade, melhor que a bondade, mais belo que a beleza. Toda a substância vem dele, porém ele mesmo não tem substância. Nele tudo é lei sem ser constrição, tudo é liberdade sem antinomia e sem antagonismo; a sua vontade é imutável e não está acorrentada, pode tudo o que quer e não pode querer se não o bem. Na afirmação eterna do verdadeiro, do belo, do bem e do justo. É a inalterável serenidade de um sol sem declinação. Jamais interrompe o curso das suas leis, não opera sobre o homem senão pela natureza, não se irrita nem se acalma e nós não lhe rogamos para aprender e para nos exercitarmos em desejar o bem!
VII - Que se pode dizer quando tentamos falar dele, senão incoerências e absurdos? Não é ele o infinito indivisível, o todo sem partes, o existente sem substância?... Dogmas humanos, palavras de delírio, sejam esquecidas! Deus seria finito se pudesse ser definido; não falemos mais dele, vivamos para sempre em seu amor! Símbolos, imagens, alegorias, lendas, são os sonhos da sua sombra... o amor é a realidade da sua luz.
VIII - Amemos a verdade, amemos a razão, amemos a justiça e amaremos a Deus e lhe renderemos o verdadeiro culto que pede! Amemos tudo o que foi criado, tudo o que anima, tudo o que ama e senti-lo-emos viver em nós!
IX - Comunguemos com ele, comunguemos uns com os outros, comunguemos! Eis aqui a última palavra da fé universal! Comunhões, digo; e não mais excomunhões!
X - Aquele que excomunga, se excomunga. Aquele que maldiz, se maldiz. O que reprova, se reprova. A condenação só é condenada.
XI - "Nós temos o Alcorão", dizem os partidários do Islamismo; "Para que serve o Alcorão", dizem os cristãos, "se temos o Evangelho?". "Para quê o Evangelho" dizem os hebreus: "nós temos o Sepher Torah". E eu digo: para quê o Sepher Torah se temos a Deus? Porém estes livros sagrados são como os véus de diferentes cores que estavam superpostos sobre o Tabernáculo.
Viva Deus no Alcorão! Viva Deus no Evangelho! Viva Deus no Sepher Torah! Porém, por cima de tudo, vive Deus no coração dos justos! Viva Deus na justiça e na caridade! Viva Deus na solidariedade e na fraternidade universal!
XII - Amar a Deus é ver a Deus. Deus não é visível senão pelo amor, e este amor é a recompensa dos corações puros. Sente-o eterno, sente-o infinito. Não se define nada, não se procura nada, não se duvida de nada, não se teme nada, não se desejada nada se se o ama!
XIII - A aquiescência perfeita da lei, a calma inalterável na contemplação do que é, a esperança desinteressada do que deve ser, a certeza do bem e o repouso no absoluto, eis aí o Nirvana de Cakia-Muni tão mal interpretado pelos que querem ver nele o aniquilamento da iniciativa Humana; eis aí a perfeição do homem.
XIV - O amor divino é o pai dos verdadeiros milagres; ele transforma a natureza, dá à dor uma atracção maior do que a do prazer; sobe e cresce sobre os obstáculos; cria um mundo fechado à ciência e à filosofia; é o esplendor através do véu; é a real idade que os invade de repente e que os fixa numa convicção mais inquebrantável que todas as certezas humanas.
XV - Sem, o amor divino não se pode amar aos homens: os homens sem pai não têm irmãos. O homem é um monstro para o homem sem Deus.
XVI - A eternidade bem-aventurada começa com o amor divino; estamos na glória, estamos no céu, moramos no infinito!
XVII - Que me cubra com púrpura de Salomão com as úlceras de Job, eu direi: " amo-Te ". Se me diz: " expulso-te da minha presença", responderei. " amo-Te e a tua presença me seguirá". Se me diz: " reprovo-te ", responderei: " escolho- Te ", e se ele quer torturar-me, o meu amor tomará asas para se elevar mais alto que as nuvens, e caminhará sobre a tempestade.
XVIII - É que eu não creio no Deus dos homens, eu creio no Deus de Deus mesmo!... eu creio neste amor sobrenatural que é a omnipotência de Deus vivo para sempre no meu coração.
XIX - Bendirei nas cidades e nos campos, nos desertos e sobre os mares! Rogar-lhe-ei nas Igrejas, ao ruído misterioso dos órgãos, proclamá-lo-ei nas sinagogas, aos esplendores do Buccin, prosternar-me-ei ante ele nas mesquitas, ao chamado monótono do Muezzin... Porém melhor que tudo isto e seguindo a palavra do grande mestre, retirar-me-ei no meu quarto e rogar-lhe-ei no meu coração!
XX - Retirar-me-ei na solidão, porém não ficarei fechado nela. Está por acaso Deus comigo só? Não está vivente na natureza inteira? Não se expande a sua beleza nas flores, nas crianças e nas mulheres? Não se sente no meio das debilidades e das agitações dos homens a força que os domina e que os conduz? Não fugirei, pois, dos homens porque as suas vaidades me enojam: seria egoísta e enganar-me-ia se dissesse que amo a Deus. Amarei a teus filhos, o, meu pai! Sobretudo quando estiverem doentes e parecerem abandonados por ti; porque então pensarei que os confias a mim. Chorarei com os que choram, rirei com os que riem, cantarei com os que cantam. As carícias de uma criança far-me-ão estremecer de alegria e a lembrança de uma mulher me fará sonhar em teu amor.
Porque não há nem malditos nem bastardos na tua família Criaste tudo em tua sabedoria e conduziste tudo ao bem pela tua bondade. Todo o amor vem de ti e volta a ti. A mulher  a medianeira da tua graça; e, o vinho que revigora o coração do homem o auxiliar do teu espírito. Longe de mim os que te caluniam e dão o teu nome a execráveis imagens. Que se esqueça para sempre esse pesadelo da antiga barbárie, esse verdugo das suas criaturas a quem acumula numa imensa podridão onde conserva-as vivas salvando-as com fogo! Que se despreza para sempre a esse amo caprichoso como a uma cortesã romana que escolhe uns e rejeita outros, que se irrita definitivamente por um esquecimento, que sacrifica para si a seu próprio filho em favor daqueles contra quem não lhe apraz irritar-se, tornando-se cada vez mais implacável para com todos os demais! Velhos ídolos, velhos erros, nuvens disformes da noite, das antigas idades, o Sol levanta-se, os seus raios atravessam de todos os lados, como flechas de ouro. Retira-os para a noite, nuvem de inverno, a Primavera sopra, dissipa-os, passai, passai!
XXI - O homem não é, não nunca foi e jamais será infalível, quaisquer que sejam as suas pretensões e suas dignidades sacerdotais. Não há outra infalibilidade do que o amor supremo unido a absoluta razão.
XXII - A razão sem amor carece de exactidão na ordem moral, porque carece de justiça. O amor sem razão conduz fatalmente à loucura. Tenhamos pois, fé no amor inseparável da razão.
XXIII - Com esta fé, se sabeis, se quereis, se ousais e se tens a arte de calar-vos, sereis mais forte do que o mundo; e, o céu e a terra, cumprirão as vossas vontades. Fareis, seguindo a promessa de Cristo, todos os milagres que ele fez e até maiores ainda. O Mal desaparecerá ante vós e a dor será trocada por consolações divinas. Sentireis em vós a vida eterna e não temereis mais a morte.
Nada vos faltará e não tereis mais decepções na vida. Os que queiram prejudicar-vos, danar-se-ão a si mesmos e vos farão o bem. Tereis a riqueza como auxiliar, a pobreza por salvaguarda e por amiga; porém a horrorosa miséria não vos acercar-se-á jamais. Os espíritos do céu vos acompanharão e vos servirão. A providência cumprirá e proverá todos os vossos desejos. Vosso alento purificará o ar, vossa palavra espargirá a alegria nas almas; vosso contacto devolverá a saúde aos doentes; se cairdes não vos ferireis e se querem fazer-vos mal, este retornará sobre quem o tenha querido.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)


RESUMO GERAL - Por definições e aforismos

(XII Capítulos)


CAPÍTULO VII - OCULTISMO
I - Liberdade, igualdade, fraternidade! diz a democracia moderna. Sim, liberdade para os sábios, igualdade entre os homens elevados ao mesmo grau da hierarquia humana e fraternidade para a gente de bem. Porém servidão necessária para os insensatos, hierarquia para a humanidade inteira e guerra entre os egoístas e os malvados. Eis aí as leis da natureza.
II - A humanidade está colocada sobre uma escada imensa cujo pé submerge nas trevas e cujo cume oculta-se na luz. Entre estas duas extremidades, existem inúmeros degraus.
III - Aos homens da luz, as palavras claras, aos homens das trevas as palavras escuras e aos intermediários, a discussão eterna das palavras duvidosas.
IV - Os homens que estão acima são os videntes; os homens que estão abaixo são os crentes; os homens do meio são os sistemáticos e os que duvidam.
V - Os videntes são os sábios, os crentes cegos são os loucos e os que duvidam não são nada, porém oscilam entre a sabedoria e a loucura, subindo às vezes, descendo outras e não se achando bem em nenhuma parte.
VI - É necessário a verdade para os sábios, é necessária a dúvida para os arrazoadores, é necessária a fábula para os loucos e as crianças. Conta uma fábula a um sábio e verá nela uma verdade. Dizei uma verdade a um raciocinador e a revogará como dúvida; dizei uma verdade a um louco e a tornará como uma fábula.
VII - Não se tem, pois, que falar a todos os homens da mesma forma...
VIII - Eis aqui porque os dogmas religiosos devem ser obscuros e até absurdos em aparência. A religião dos sábios é a alta filosofia e a religião propriamente dita substitui, para os loucos, a filosofia da qual são incapazes. Enquanto os que duvidam, não têm nem filosofia nem religião. Uma religião cujas fórmulas foram razoáveis, seria inútil para os sábios e desprezada pelos loucos. A melhor religião, ou seja, a mais apropriada às necessidades da estupidez humana, deve ser, pois, a mais obscura e a mais absurda de todas e é isto que faz a superioridade incontestável do Catolicismo Romano.
IX - Para os sábios, esta religião sublime é uma irmã de Caridade. Para os loucos, é a infalibilidade pessoal do Papa. Para os arrazoadores, é uma estupidez... mais forte, porém, e mais vitoriosa que a sua pretendida razão.
X - Não se dá a religião aos loucos com razões e virtudes; eles precisam de fórmulas ininteligíveis e práticas minuciosas que os ocupem sem que tenham necessidade de pensar. E não se pode nem sequer fazer-lhes aceitar a razão senão sob a máscara do mistério e da loucura. Se Moisés tivesse demonstrado sabiamente aos judeus que a higiene é necessária para a saúde, os judeus teriam ficado cheios de parasitas e de lepra. Em lugar de fazê-lo, ele prescreveu-lhes abluções legais em certas horas e com certas cerimónias. Deixou-lhes crer que Deus se ocupava das suas vestimentas e das suas vasilhas. É necessário purificar os vasos, quebrar os recipientes que se tem impregnado de ar viciado ou que tem servido durante muito tempo, não ter relações com uma mulher durante os seus períodos, etc., etc. Tudo isto unicamente porque Deus o ordena e tais devem ser as práticas do seu povo privilegiado. Os rabinos têm-se sobrepujado a Moisés e têm dado às observações legais um carácter de tirania e de absurdidade que é a própria força do Judaísmo e que o tem feito conservar-se através das idades, apesar das perseguições do fanatismo e os progressos da filosofia. Eis aqui o que deveriam compreender os livres-pensadores.
XI - Quando o Papa Pio IX, por haver ensaiado conciliar a fé e o progresso, a religião e a liberdade, viu-se expulso da sua cidade e da sua cadeira pelos companheiros de Garibaldi e os agitadores de Mazzini, viu que tinha percorrido um caminho falso. Compreendeu do absolutismo, que se a fé se relaxava, é porque tinha necessidades e que se a autoridade eclesiástica se debilitava é porque carecia de mais profundos mistérios e de mais absurdidades inexplicáveis. Então canonizou São Labre, proclamou a Imaculada Conceição e publicou a Syllabus. O génio sacerdotal reconheceu então nele o seu verdadeiro mestre e os bispos reunidos em Roma estiveram dispostos a proclamá-lo infalível.
XII - O que a Igreja precisa não são homens de génio: são directores hábeis e sobretudo Santos; ou seja, magnetizadores entusiastas e observadores. Os homens de génio jamais foram católicos, pois Bossuet era anglicano, Fenélon quistista, Pascal jansenista, Chateaubriand romântico, Lamennais socialista; e, ainda agora os que perturbam a Igreja São os homens de talento: Monsenhor Dupanloup, o bispo Strossmayer, o padre Cratry, o padre Jacinto; todos esses homens notáveis que possuem o génio do século e não têm o do sacerdócio.
XIII - As opiniões humanas buscam em vão aniquilar o que a natureza conserva.
XIV - Fala-se de religião natural; porém, a mais natural das religiões é a mais absurda, já que é muito natural que os homens caiam no absurdo quando querem formular o desconhecido.
XV - Falai de sabedoria às crianças e farão caretas e pensarão em Croquemitaine; porém, contai-lhes "Pele de Asno" e vereis como o escutarão.
XVI - Vós dizeis que as crianças cresceram. Sem dúvida; porém, haverá sempre outras crianças.
XVII - Não discutireis sobre cores com os cegos, senão conduzi-os; e, não fecheis os olhos para deixar conduzir-vos por eles. Os oráculos que se recebem de olhos fechados são aqueles dos sonhos ou da mentira. Entre os hebreus, quando se queria fazer falar a Deus tirava-se a sorte; procedimento simples, porém ingénuo. Entre os cristãos têm-se colocado primeiro, as respostas de Deus na maioria de votos nos concílios, sem reflectir muito no pequeno número de eleitos e no grande número de loucos.
Depois, têm-se chegado a fazer depender o oráculo de Deus do desejo do Papa. O concílio de Nicéia decidiu que o filho de Deus é consubstancial com o seu pai; o qual é, segundo a expressão do... Evangelho, super-substancial, ou seja por cima de toda a substância. O concílio de Éfeso declarou que Deus tem uma mulher por mãe. O Papa Pio IX quis que esta mulher tivesse sido concebida sem pecado, o que faz depender o pecado original do capricho de Deus; já que pode executar aquele que melhor lhe parecer. Colocar em votação uma fórmula obscura ou contraditória, não é o mesmo que tirar sorte para obter um oráculo? Tanto vale a decisão do Papa como a de um concílio, quando se trata da substância de Deus ou da imaculada Virgem. E, se trata de saber UTRUM CHIMDERA IN VACUM BOMBINANS POSSIT COMEDER SECUNDAS INTENTIONES, se o Papa diz, "sim", eu não terei força de dizer "não", e se ele diz "não", nada me provará que seja "sim" o que devia-se dizer. Porém, que por semelhantes questões os príncipes e os povos possam armar-se uns contra os outros é o que não se poderá suportar mais, uma vez que os homens chegaram a ter um pouco de razão.
XVIII - Sendo o infinito um absurdo que se afirma invencível frente à ciência, precisam-se de fórmulas absurdas para manter no homem que não arrazoa, o grande sonho do infinito.
XIX - Dada uma quantidade de homens sérios aos quais interessa absolutamente saber se há que chamar branco ou preto, redonda ou quadrada uma entidade abstracta, impalpável e invisível; que é melhor, tirar a sorte, pôr a coisa em votação ou aceitar o que resolve o presidente da assembleia, supondo que o que ele diga seja incontestável? Os três procedimentos são insensatos; porém o último é ainda o menos irracional; porque podem-se preparar os dados, podem-se comprar os votos, no entanto está-se seguro de que o Papa operará sempre no seu interesse, que é o do Catolicismo Romano.
XX - Buscando a Deus no absurdo encontra-se ao diabo; porém, procurando ao diabo não se encontra a razão. Analisai a Deus e ao diabo do vulgo; encontrareis no Deus o ideal poetizado do diabo e no diabo a caricatura de Deus.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)


RESUMO GERAL - Por definições e aforismos

(XII Capítulos)

 
CAPÍTULO VI - SATÃ
I - Satã é um tipo, não é uma pessoa real.
II - É o tipo oposto ao tipo divino e é na nossa imaginação o contraste necessário. É a sombra fictícia que nos torna visíveis à Luz infinita de Deus.
III - Se Satã fosse uma pessoa real, haveria dois deuses e a crença dos maniqueus seria uma verdade.
IV - Satã é a ficção do absoluto no mal. Ficção necessária para a afirmação integral de liberdade humana que, por meio deste absoluto fictício, parece equilibrar a mesma omnipotência de Deus. É o mais atrevido e, talvez, o mais sublime dos sonhos do orgulho humano.
V - Sereis como OS DEUSES, conhecendo o bem e o mal, diz a serpente alegórica da Bíblia. Com efeito, erigir o mal na ciência é criar um Deus do mal e se um espírito pode resistir eternamente a Deus, aí não há um Deus, senão deuses...
VI - Para resistir ao infinito, é necessária uma força infinita. Pois bem, duas forças infinitas opostas uma à outra, anular-se-iam reciprocamente. Se a resistência de Satã é possível, o poder de Deus não o é mais. Deus e o diabo destroem-se mutuamente e o homem fica só.
VII - Fica só com o fantasma dos seus deuses, a esfinge híbrida, o touro alado que balança na sua mão de homem uma espada cujos relâmpagos alternados levam a imaginação humana de um erro a outro e do despotismo da luz ao despotismo das trevas.
VIII - A história das desgraças do mundo é a época da luta dos deuses, luta que não acabou, porque o mundo cristão adora ainda um Deus do diabo e teme um diabo de Deus!
IX - O antagonismo das potências é a anarquia no dogma. Por isso, a igreja que diz: "O diabo é o mundo", responde com uma lógica horrível: "Deus não é". E seria em vão que para escapar à razão, se inventasse a supremacia de um Deus que permitisse ao diabo perder aos homens; uma tal tolerância seria uma monstruosa cumplicidade e o Deus cúmplice do diabo não pode existir.
X - O diabo dogmático é o ateísmo personificado. O diabo filósofo é o ideal exagerado da liberdade humana. O diabo real ou físico é o magnetismo do mal. O diabo vulgar é o compadre de Polichinelo.
XI - Evocar ao diabo é realizar durante um instante a sua personalidade fictícia. Para isto, é necessário exagerar em si mesmo, além de toda a medida, a perversidade e a demência, pelos actos mais criminais e insensatos.
XII - O resultado desta operação é a morte da alma pela loucura e frequentemente a mesma morte do corpo fulminado por uma congestão cerebral.
XIII - O diabo pede sempre e não dá nunca.
XIV - São João chama-o a besta, porque a sua essência é a imbecilidade humana.