Mudar o sistema
eleitoral
Comentários expostos no
on-line
de 26.5.2014, sobre um artigo intitulado "Um
povo que merecia melhores líderes" de Ferreira Fernandes (Estes comentários não vêm assinados, mas são muito pertinentes).
PARLAMENTO:
A CASA DA PARTIDOCRACIA - Os portugueses não têm os direitos políticos dos
outros europeus. Não podem sequer escolher o candidato em que preferem votar
para os representar no parlamento. O "julgamento nas urnas" é um
logro: os candidatos colocados nos primeiros lugares das listas dos maiores
partidos têm garantia prévia dum lugar no parlamento. Não há julgamento sem
possibilidade de penalização, mas os portugueses não têm maneira de penalizar
os candidatos nos "lugares elegíveis". Não interessa se são espiões
ou maçons: a sua ida para o parlamento não depende dos votantes, que apenas
decidem quantos lugares cabe a cada tribo partidária. A raiz do problema é o
voto não ser nominal (i.e., num nome) como no resto da Europa.
EM
ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS NÃO HÁ VENCEDORES ANTECIPADOS - Faz parte da essência da
democracia que o resultado duma eleição não possa estar decidido antes da sua
realização. Mas nas eleições legislativas portuguesas, há dezenas de lugares no
parlamento que já estão decididos, não importa como o eleitorado vote. São os
"lugares elegíveis", os primeiros lugares das listas dos maiores
partidos. Garantem lugares a pessoas previamente escolhidas, quer o partido
"ganhe" ou "perca". Como não existe uma relação entre o
voto e a atribuição dum lugar de deputado, esses "eleitos" NÃO
representam os eleitores. Os lóbis contornam o eleitorado e tratam directamente
com os barões. Na prática, são o lóbis que são representados no parlamento.
AUSÊNCIA
DE ESCRUTÍNIO ORIGINA DESGOVERNO E CORRUPÇÃO - Estas listas
"fechadas" têm muitas consequências graves para o País. Os barões dos
principais partidos não podem ser desalojados do parlamento pela via dos votos.
Mesmo quando o partido "perde", refugiam-se nos "lugares
elegíveis". Vivem numa perpétua impunidade e nunca foram verdadeiramente
sujeitos ao escrutínio democrático. Isto significa que nunca saem do circuito
do poder: frequentemente, os presidentes das comissões parlamentares mais
importantes são da oposição. Tornaram-se os donos do Estado e das propriedades
dos portugueses, incluindo rendimentos futuros. O que acontece a uma oligarquia
que se vê com um poder quase absoluto? Não é costume dizer-se que o poder
corrompe?
IMPEDEM-NOS
DE FAZER A NOSSA PARTE NA RENOVAÇÃO DOS PARTIDOS - Sem voto nominal, a
renovação interna dos partidos é bloqueada. A renovação consiste em uns serem
substituídos por outros. É o papel do eleitorado indicar quem vai e quem fica,
através dos actos eleitorais: os políticos que têm mais votos tendem a
substituir os menos votados e a ascender gradualmente às chefias. Mas se o
sistema eleitoral impede os eleitores de expressar preferências dentro duma
lista, está a impedir o eleitorado de exercer esse papel essencial para
renovação dos partidos. Em consequência, perpetuam-se os caciques e apenas os
que têm a sua anuência sobem nas estruturas partidárias.
OS
PARTIDOS SÓ ESCOLHEM CANDIDATOS NÍVEL LIXO - Listas fechadas à ordenação pelos
votantes permitem elencos parlamentares altamente desequilibrados. Há alguns
anos, examinaram o CV de cada deputado e constataram que nenhum tinha
experiência de integrar os quadros de administração duma empresa. Os
desequilíbrios são nítidos a muitos níveis, por exemplo na representação
desproporcionada de advogados e membros de sociedades secretas. A falta de
qualidade é alarmante e está a acelerar. Se fossem os eleitores a ordenar as
listas, os partidos estariam mais expostos à concorrência e passariam a propor
bons candidatos, pois caso contrário arriscar-se-iam a perder votos para
partidos com candidatos melhores.
LUGARES
ELEGÍVEIS: ZONA DE CONFORTO DOS BOYS - Não é por acaso que os políticos nunca
falam do sistema eleitoral. Não querem que os cidadãos se apercebam das
diferenças em relação aos outros países e comecem a exigir mudanças na sua
"zona de conforto". Livres do escrutínio, os partidos capturaram não
só o sistema político, como o próprio regime e as instituições do Estado. Os
problemas de excesso de peso do Estado, corrupção e desgoverno vêm todos daí. É
por isso que a denúncia de actos escandalosos nunca resulta em penalização (até
é recebida com indiferença!). O pior que pode acontecer a um cacique partidário
é passar o mandato seguinte no parlamento. Mas o sistema não dá meios para o
tirar de lá.
NÃO
SOMOS RESPONSÁVEIS POR POLÍTICOS QUE NÃO PODEMOS ESCOLHER - Se analisarmos o
sistema português, percebemos como é injusta a ideia de que os cidadãos têm
culpa porque elegem os políticos. Não é verdade: os portugueses votam mas não
elegem. Até são bastante exigentes, mas não dispõem quaisquer meios para impor
essa exigência. O regime nega-lhes praticamente todos os direitos políticos
habituais em democracia. Não podem concorrer a lugares de deputado fora dos
partidos, não podem expressar preferências dentro duma lista, os deputados
podem indeferir qualquer petição ou iniciativa legislativa ou referendária,
etc, etc. Como só votos em partidos entram nas contagens, nem sequer podem
negar o voto aos partidos.
QUALQUER
DEMOCRACIA MODERNA TEM O VOTO NOMINAL - O sistema português é o "sistema
proporcional de listas fechadas". As listas são "fechadas"
porque a ordem pela qual os lugares são distribuídos é a IMPOSTA pelo partido.
Naturalmente, os políticos evitam esta designação, preferindo "sistema
representativo" - mais outro logro. Na Europa, quase só é usado na
Albânia, Ucrânia e Rússia (e Itália, nas eleições nacionais). Sucede que o
sistema mais usado na Europa - listas "abertas" - corrige muito do
que há de mau no sistema português: institui o voto nominal sem prejudicar a
proporcionalidade. Só vão para o parlamento os candidatos que os cidadãos
realmente querem. Vejam a lista de países que o usam: en.wikipedia.org/wiki/Open_list.
NÃO
HÁ BONS ARGUMENTOS CONTRA LISTAS ELEITORAIS ABERTAS - Não é possível
desbloquear a partidocracia sem instituir o voto nominal. Isto não tem nada de
radical, é simplesmente exigir que o sistema eleitoral português passe a ser o
NORMAL da Europa. Além disso, a abertura das listas à ordenação pelos votos
pode ser feita sem prejudicar uns partidos em relação a outros. Basta incluir
as listas nos boletins de voto e determinar que a ordem pela qual os lugares de
deputado são atribuídos seja em função de quem teve mais votos nominais (ou
preferenciais). Nenhum candidato tem garantia prévia de ser eleito: passa a
haver escrutínio. Nada mais tem de mudar, nem a fórmula que converte votos em
mandatos (D'Hondt) nem os círculos eleitorais.
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