A VIDA CONHECIDA - Porque os seres vivos vivem
Se
a Biologia conseguir os seus fins, uma nova era surgirá certamente, onde o
homem se lançará numa aventura em muitos pontos benéfica para a humanidade -
com o controlo das doenças - mas simultaneamente assustadora, pois o homem
tentará talvez entrar em campos absolutamente interditos, antinaturais, provocando
o caos e desordem no universo harmonioso e superiormente orientado.
Este
novo campo de estudos relaciona-se estreitamente com os fenómenos moleculares
da vida. Um dos mais densos mistérios é o modo como as dezenas de milhares de
compostos químicos que constituem um ser vivo trabalham em conjunto para fazer
que ele cresça, se alimente e reproduza. Em princípio, os biólogos já
descobriram que cada célula contém um formulário com instruções pormenorizadas
sobre o género de substâncias a produzir com os alimentos ingeridos e a forma
de se dividir para reproduzir-se, em tamanho e formato, conforme o sistema a
que irá incorporar-se - seja elefante, rato, cão, galinha ou homem - e o modo
de se integrar num organismo vivo.
Este
formulário, denominado material genético,
possui o extraordinário poder de produzir cópias de si mesmo, transmissíveis à
geração seguinte, legando aos seus descendentes, deste modo, instruções para se
dirigirem, comportarem e viverem. Todo o ser vivo compõe-se de células, muitas
delas semelhantes entre si e comuns a todos os organismos, que obedecem a
vários tipos de composição preestabelecidos, sendo a sua parte mais importante
o Núcleo,
onde estão contidos os cromossomas, o
material genético, cada qual com os seus genes.
Estes
genes, por sua vez, constituem-se de uma substância especial não encontrada
noutra parte de célula e conhecida por DNA
- ácido desoxirribonucleico - que contém, em linguagem cifrada, todas as
prescrições necessárias a manter coesa a célula individual e consequentemente
todas as células dum organismo.
Conforme
demonstrou O.T. Avery, do Instituto Rockefeller, o DNA contém, e transmite,
prescrições genéticas. Essa experiência consistiu na transplantação de
prescrições genéticas duma célula bacteriana para outra, colocando uma parte do
DNA da célula doadora, em solução, no meio onde se achavam as células
receptoras. Estas, em parte dos casos, incorporaram ao próprio complemento
genético o DNA alheio, de modo que ele se tornou parte integrante e permanente
do seu formulário genético. Deste modo, genes de resistência ou
susceptibilidade a um antibiótico, genes de capacidade ou incapacidade de
produzir doenças, podem ser transplantados de uma linhagem de bactérias para
outra.
O
DNA apresenta uma molécula dupla: duas longas cadeias moleculares torcidas uma
à volta da outra, cada qual constituído por unidades conhecidas por nucleótidos - de que há quatro espécies
- parecendo um colar feito de quatro fiadas de contas, que são designadas, para
maior conveniência, pelas letras A, T, G, e C, das iniciais dos quatro tipos de
agrupamentos químicos de que se compõem. Ora, acontece que A liga-se a C, se
ambas forem postas em contacto, e T com G. Isto serve para manter juntas as
duas fiadas, sendo a disposição das contas de uma das fiadas complementar da
disposição da outra.
Deste
modo o DNA está magnificamente preparado para passar as informações, porque se as duas cadeias se
separam e caem num meio de nucleótidos as AA agarrarão as CC, e assim por
diante até haver duas moléculas duplas onde antes só havia uma. Cada uma delas
especificou como fazer a sua complementar.
Em
toda a natureza nunca se descobriu outra molécula com esta estrutura
extraordinária de dupla-hélice, ou saca-rolhas, embora seja de esclarecer que há
uma molécula helicoidal de uma só fiada -
o RNA - que se pode formar com
partes da cadeia do DNA e que, ao soltar-se, passa informações ao maquinismo
actuante da célula, tal como um molde de cera passa informações sob a forma de
uma chave. O RNA constitui pois uma espécie de cópia a papel químico, ou
melhor, um desenho de oficina, para a produção de uma determinada proteína,
tirado do projecto original.
A
sequência exacta dos nucleótidos do DNA de qualquer ser vivo é única, excepto
no caso de gémeos idênticos. A molécula tem um comprimento descomunal, sendo o
DNA do ser humano com uns mil milhões de nucleótidos. No entanto, o DNA de
todos os seres vivos, quer plantas quer animais, parece ser constituído de
acordo com o mesmo plano geral.
Vimos
que o DNA é um aparelho de autocópias de prescrições e falta agora saber de
onde vêm essas prescrições. A célula é como que uma caixa de paredes
impermeáveis, que deixam passar selectivamente uma grande série de substâncias
que vão entrar em reacções químicas, produzindo substâncias indispensáveis à
célula e produtos de refugo que são outra vez expulsos. O comando destas
reacções químicas é efectuado por substâncias conhecidas por enzimas,
de diversas espécies - milhares - que tornam, cada uma, possível pela sua
presença uma determinada reacção química como por exemplo a fermentação. O DNA
trabalha produzindo no momento exacto a enzima exacta. Todas elas são proteínas
constituídas das mesmas formas - mais de vinte - de aminoácidos. Uma molécula
de enzima consta de várias centenas dessas formas de aminoácidos, formando uma
longa corrente cuja disposição no encandeamento caracteriza uma dada espécie
sendo, como o DNA, uma mensagem escrita, só com a diferença de que o DNA tem um
alfabeto de quatro letras e as enzimas têm um com mais de vinte, conforme o
número de aminoácidos naturais e comuns.
Segundo
os biólogos modernos, que se debruçam sobre o modo como se originam moléculas
de enzimas, as células contêm superenzimas - os microssomas - que
fabricam as enzimas comuns. Estes microssomas, embora cem vezes maiores do que
as moléculas das enzimas, só podem ser vistos com um microscópio electrónico.
Para
produzir uma molécula de enzima, como a da hemoglobina por exemplo, é
necessário encandear entre si seiscentas formas dos vinte tipos diversos de
aminoácidos, numa sequência correcta e bem feita. Como as instruções para a
montagem estão escritas em linguagem cifrada nos microssomas, a sua tarefa
principal é a indicação cifrada de qual o tipo de enzima a ser fabricado e como
fabricá-lo. As formas que compõem o microssoma são muito semelhantes ao DNA,
com um acréscimo apenas de um grupo químico, essencial à síntese das enzimas,
que forma o ácido nucleico do microssoma - o ácido ribonucleico ou RNA. O RNA é
mais especializado do que o DNA do material genético, porque pode fabricar
enzimas e o DNA não. No entanto o DNA pode autocopiar-se e o RNA não pode.
Retomando
o assunto, os microssomas são responsáveis pelo fabrico das enzimas, sendo no
entanto o DNA do material genético a fonte original das prescrições sobre os
tipos que a célula deve fabricar. É claro, pois, que o gene determina o tipo de
formulário contido no microssoma.
Ora,
aparentemente os microssomas formam-se no núcleo e depois distribuem-se pelas
outras partes da célula. Viu-se, posteriormente, que a formação do RNA microssómico
dentro do núcleo só ocorre em presença do DNA e que se este for removido a
célula perde a capacidade de formar RNA microssómico.
Não
se sabe ao certo como é que o DNA genético produz o RNA microssómico. Podemos
arriscar apenas que o material genético tem duas funções: tirar autocópias e
sintetizar RNA que depois de embalado como microssoma é remetido para a célula
onde fabricará enzimas.
E
para terminar, cada ser vivo é, biologicamente, um manual de fórmulas escrito
com os caracteres do idioma genético, o idioma do DNA. O DNA produz RNA - não
se sabe como - e o RNA fabrica enzimas que por sua vez preparam os elementos de
que se compõem todos os três.
Finalmente,
o esquema molecular do mundo dos seres vivos equilibra-se neste triciclo vital
- dizem os cientistas. Mas não explicam a razão por que os microssomas fabricam
enzimas, de onde vêm, e como, o RNA e as tais prescrições genéticas do DNA.
Enfim: qual a origem do “formulário” contido nas células.
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