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domingo, 11 de dezembro de 2016


O PORQUÊ DA UNIVERSALIDADE DA IGREJA DE ROMA

 

A Tiara Tripla do Vaticano: Igreja, Governo e País


(Alguns sublinhados meus. R)

Sinopse: o Vaticano está inserido na comunidade internacional porque é um Estado; uma vez ali, ele comporta-se como uma igreja. Criando três entidades jurídicas, e depois alternando-se com destreza de uma para a outra, o Vaticano consegue obter direitos jurídicos e influência internacionais sem precedentes.

 
Como truques da cartola levaram à influência internacional:

O correio e a estação de rádio deram ao Estado do Vaticano condição de participar como membro de duas organizações internacionais. Isso, por sua vez, permitiu à Santa Sé (o "governo" daquele território, que é também a hierarquia da Igreja), obter o status de "observador permanente" junto à Organização das Nações Unidas. Isso deu ao Vaticano uma presença ininterrupta e ingresso a todos os foros da ONU, ambos os quais são instrumentos inestimáveis para traficar influências.(Ou seja, toda a influência religiosa da Igreja de Roma não advém da doutrina mas sim pelo facto de ser um Estado independente. R)

"O Estado do Vaticano colocou as suas estruturas no nosso território", anunciou um indignado apresentador de notícias russo. Mas ele foi rapidamente informado de que aquilo não era absolutamente verdade — céus, não — o Vaticano está a actuar, não como um Estado, mas como um "centro religioso". Todavia, quando o clero ortodoxo resmungou por causa da visita do Papa à Grécia, o governo pôde retrucar dizendo — céus, não — o Papa não está a actuar como um líder religioso, mas como chefe de um Estado.

O Vaticano — ou Santa Sé, como é oficialmente conhecido — realiza essa mudança de identidade regularmente:

Em anos recentes, a Santa Sé tem, quando conveniente, tanto afirmado quanto renunciado à sua condição de ser um Estado. Recentemente, e de forma quase simultânea, a Santa Sé reivindicou ser um Estado para reclamar imunidade diplomática nos casos de abuso sexual nos EUA, ao mesmo tempo em que negava ser um Estado para se recusar a cooperar com o Tribunal Penal Internacional. Frequentemente, ao negar o seu status de Estado, a Santa Sé afirma ser uma instituição religiosa, acompanhada por exigências que a Primeira Emenda da Constituição dos EUA protege as acções da Igreja, após declarações de que membros da hierarquia estavam a tratar de forma inadequada as acusações de abuso sexual.
 
 
Na verdade, o Vaticano tem realmente não duas, mas três personalidades, e todas são entidades juridicamente distintas.

A tiara tripla do pontífice pode servir para lembrar-nos do seu papel como primaz da Igreja, como presidente executivo do seu governo e como governante de um minúsculo principado. Isto quer dizer que o pontífice preside três entidades distintas:

      - A Igreja Católica Romana, uma organização internacional que afirma fornecer acesso exclusivo (ou exclusão) para certos destinos no porvir.

      - A Santa Sé, uma monarquia absolutista, cujo governante é indicado por Deus. A Santa Sé é, ao mesmo tempo, o governo da Igreja Católica Romana, e também do Estado do Vaticano.

      - O Estado do Vaticano (oficialmente "Estado da Cidade do Vaticano"), um país com menos de um quilómetro quadrado, cujos 500 cidadãos são todos membros da hierarquia da Igreja.

Podemos iniciar esse conto das múltiplas identidades com a unificação da Itália, em 1870. Foi nessa época que os Estados Papais foram vencidos pelas tropas italianas e o Papa perdeu o seu reino na região central de Itália. Entretanto, no início do século seguinte, com a ajuda do Papa Pio IX, Benito Mussolini chegou ao poder. Em 1929, o governo italiano assinou o Tratado de Latrão com o governo da Igreja, a Santa Sé, devolvendo-lhe terreno suficiente para criar o menor país do mundo, o Estado do Vaticano.

Embora o Vaticano tivesse novamente um terreno para chamar de seu, ele tinha aprendido uma lição valiosa: esse território poderia ser confiscado, mas um governo poderia sobreviver, até mesmo no exílio. Isso é especialmente verdade com a Santa Sé, que é tanto o governo do Estado do Vaticano e o de uma igreja que influencia as mentes de mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo. Esse "governo" desencorpado oferece uma base mais segura do que a simples propriedade de um terreno. Na verdade, provavelmente como uma resposta às objecções ao facto de o Vaticano ser tratado como um país, eles espertamente definiram-se como eternos:

"O Cânon 113.1 deixa claro que a 'Igreja Católica' e a Sé Apostólica têm a natureza de uma pessoa moral pela própria lei divina. Isso significa que a Santa Sé, [...] persistirá, até mesmo se reduzida à expressão mais simples na pessoa do Papa e até ao fim dos tempos."

Esse "governo" da Igreja, a Santa Sé, é cuidadoso para ter o Estado do Vaticano por perto como um "território vassalo", em vez de governá-lo directamente. Quando actua na cena internacional, o Vaticano toma a precaução adicional de aparecer com o disfarce de Santa Sé, uma entidade não-territorial, em vez de como o Estado do Vaticano. Isso evita que a sua presença internacional e os seus privilégios tenham de depender de um pedaço de terra defendido por cento e dez homens armados com alabardas. (Como um ex-integrante da Guarda Suíça revelou recentemente, o arsenal deles inclui agora gás lacrimogéneo e aerossol de pimenta, de modo a proteger o "Santo Padre" das atenções dos "fanáticos religiosos").

Mesmo assim, o minúsculo Estado do Vaticano tem-se provado inestimável como um trampolim na diplomacia internacional. Verdade, é a Santa Sé, e não o Estado do Vaticano, que entra em negociações diplomáticas com os outros países. Também é verdade que o mini-Estado não é suficientemente grande para abrigar as embaixadas estrangeiras, de modo que os embaixadores são forçados a residir em Roma, fora de suas fronteiras. Entretanto, se não fosse pelo Estado do Vaticano, a diplomacia da Santa Sé dificilmente poderia funcionar em termos práticos.
 
Esse intercâmbio diplomático opera em ambas as vias. A Santa Sé mantém o seu próprio serviço diplomático, com "Núncios Apostólicos" servindo como embaixadores reconhecidos em países de todo o mundo. O Papa também faz "visitas de Estado". Paulo VI, "o Papa Peregrino", tornou-se o primeiro pontífice a visitar cinco continentes, enquanto que João Paulo II conseguiu visitar 130 países. Aqui, como usual, os diferentes papéis são habilmente combinados. Como "peregrinações", essas viagens são espectáculos litúrgicos — e como "visitas de Estado", elas são pagas pelo país anfitrião.
"... As vantagens que a condição de ser um Estado soberano confere, incluindo a não supervisão das suas actividades financeiras por alguma autoridade bancária, a capacidade de emitir passaporte, a concessão de imunidade diplomática e a participação como membro em organizações internacionais ao nível de Estado, não devem ser subestimadas."

Em 2005, o Vaticano usou as suas pretensões diplomáticas como base para um protesto junto ao governo dos EUA. Ele lembrou aos americanos que a Santa Sé era uma "entidade soberana" e sugeriu que eles se "lembrassem que os actos dela gozam de imunidade, de acordo com a Lei Internacional". Aqui, a Santa Sé estava na verdade a invocar "imunidade diplomática" para tentar evitar que a Igreja tivesse de pagar indemnizações às crianças vítimas de abuso sexual pelos seus próprios sacerdotes. E em Setembro de 2005, "o Departamento de Justiça dos EUA [...] informou um tribunal no Texas que uma acção judicial que acusava Bento XVI de conspirar para encobrir a molestação sexual de três meninos por um seminarista teria de ser rejeitada, porque o pontífice goza de imunidade como chefe de Estado da Santa Sé."

Os diplomatas do Vaticano, os Núncios Apostólicos, também têm outra função importante. Eles negociam acordos com outros Estados soberanos, de modo a garantirem privilégios para a Igreja. Entretanto, como esses acordos são assinados, não pelos bispos da Igreja, mas por embaixadores da Santa Sé, esses "tratados" (chamados de "concordatas") são regidos pela Lei Internacional. Isso permite que eles se sobreponham à legislação nacional. Destarte, os privilégios concedidos à Igreja são removidos do controlo democrático — para sempre.

Entretanto, talvez o maior de todos os benefícios de se apresentar como um governo é o pé de cabra que isso deu ao Vaticano para se infiltrar na Organização das Nações Unidas. Para conseguir isso, ele engenhosamente explorou as suas três entidades legais nos últimos 75 anos. Finalmente, o objectivo da participação plena como membro parece estar praticamente ao seu alcance.

Em 1929, o mesmo ano em que foi fundado, o Estado do Vaticano ingressou na União Postal Internacional e, mais tarde, também na União Internacional das Telecomunicações. A participação como membro desses organismos internacionais permitiu à Santa Sé obter, em 1957, privilégios de "observadora" junto às Nações Unidas (ao contrário do mero "status consultivo" conferido à maioria das organizações não-governamentais — incluindo outras religiões). Em 1964, o Vaticano conseguiu que esses privilégios fossem aumentados, quando a Santa Sé obteve a condição de "observadora permanente" junto à ONU. Isso permitiu uma presença ininterrupta na ONU e a participação em todos os seus foros. As duas coisas são inestimáveis para fazer o tráfico de influências em importantes eventos da ONU, como a Conferência Sobre População e Desenvolvimento. (Todas as outras Religiões não têm este estatuto porque não têm um pedaço de terra Independente e não constituem um Estado como o Vaticano. R)

Essa conferência foi estratégica para o Vaticano, pois os países em desenvolvimento dependem grandemente da ONU para ajudá-los nos serviços sociais. Consequentemente, as pessoas que vivem nesses países, independente das suas afiliações religiosas, estão cada vez mais sujeitas ao dogma da Igreja — a políticas que condenam milhões de mulheres a ter uma gravidez indesejada e à AIDS.

Como se isso não fosse o suficiente, apenas um ano atrás, os privilégios da Santa Sé foram actualizados para "status de observador avançado", que agora permite que ela participe nos debates da Assembleia Geral da ONU e exerça ainda mais a influência da Igreja. A única coisa que ainda falta para a condição de membro pleno é o direito a voto. Isso virá com o tempo. Como o seu observador permanente na ONU comentou serenamente: "Não temos voto porque não queremos." Ao mesmo tempo, ele observou que esse último lance "não fecha as possibilidades para o futuro".

Por meio de entidades juridicamente legais e dos seus advogados, o Vaticano pode obter a condição de membro pleno. O capacete papal de três camadas está a ser usado para produzir uma grande tragédia humana.



 
A Igreja Católica Romana é ao mesmo tempo um Estado nacional e uma corporação multinacional com ramificações praticamente por toda a parte. A sua constituição, o Código do Direito Canónico, dá poder absoluto ao Papa; não há apelo nem recurso contra uma decisão ou decreto do Pontífice Romano. (Cânon 333 parágrafo 3) — Jeffrey Nicholls.

 

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