COMO AS INDUSTRIAS FARMACÊUTICAS "ENGANAM" AS PUBLICAÇÕES MÉDICAS
Por: Antony Barnett
(Tradução minha para português de Portugal, sem adopção às regras
do acordo ortográfico de 1990 e sem alterar o sentido do texto. R)
Gigantes farmacêuticas contratam autores fantasmas para produzir artigos que assinam com nomes de médicos.
Centenas de artigos em periódicos médicos, que deveriam ter sido escritos por académicos ou médicos, foram escritos por autores "fantasmas" contratados por laboratórios farmacêuticos, como revela uma investigação da publicação The Observer.
Esses periódicos, bíblias da profissão, exercem enorme influência sobre quais os medicamentos que os médicos receitam e o tratamento proporcionado pelos hospitais. Porém, o periódico The Observer obteve provas de que muitos artigos escritos por assim chamados "académicos independentes", podem ter sido escritos por autores ao serviço de agências, que recebem grandes somas das indústrias farmacêuticas para fazer propaganda aos seus produtos.
Estimativas sugerem que, quase metade de todos os artigos publicados em periódicos, são de autoria de escritores "fantasmas". Enquanto os médicos que colocaram os seus nomes nesses trabalhos são geralmente muito bem pagos por '"emprestar" a sua reputação, os escritores fictícios permanecem ocultos. O seu envolvimento com as indústrias farmacêuticas raramente são revelados. Esses trabalhos, endossando certos medicamentos, são exibidos perante os clínicos como pesquisa independente para persuadi-los a receitar os medicamentos.
Em Fevereiro, o New England Journal of Medicine, foi forçado a revogar um artigo publicado no ano anterior, por médicos do Imperial College, em Londres, e do National Heart Institute, sobre o tratamento de um tipo de problema cardíaco. Veio à tona o facto de que vários dos autores arrolados tinham pouca ou nenhuma relação com a pesquisa. A fraude somente foi revelada quando o cardiologista alemão, o Dr. Hubert Seggewiss, um dos oito autores relacionados, telefonou para o editor do periódico para dizer que nunca tinha visto qualquer versão do trabalho publicado.
Um artigo publicado em Fevereiro último no Journal of Alimentary Pharmacology, especializado em distúrbios do estômago, envolveu um autor trabalhando para o gigante farmacêutico AstraZeneca — um facto que não foi revelado pelo autor. O artigo, escrito por um médico alemão, reconhecia a "contribuição" da Dra. Madeline Frame; porém, não admitia a sua condição de autora sénior da AstraZeneca. O artigo apoiava o uso de um medicamento chamado Omeprazole — de fabricação da AstraZeneca — indicado para úlceras gástricas, apesar de pareceres revelando mais reacções adversas do que os medicamentos similares.
Poucos dentro da indústria têm coragem suficiente para romper o silêncio. Entretanto, Susanna Rees, assistente editorial de uma agência de trabalhos sobre medicina até 2002, ficou tão preocupada com o que tinha testemunhado, que mandou uma carta para o website do British Medical Journal. “As agências que escrevem artigos médicos fazem tudo o que é possível para esconder o facto de que os trabalhos que escrevem e submetem a periódicos e eventos são escritos por "fantasmas" ao serviço das empresas farmacêuticas e não pelos autores apontados”, escreveu ela. “O sucesso desses trabalhos fictícios é relativamente alto, não enorme, mas consistente”.
Susanna Rees disse que, como parte do seu trabalho, ela devia assegurar que em nenhum artigo a ser electronicamente submetido tivesse qualquer vestígio quanto à origem da pesquisa. “Um procedimento padrão que usei estabelece que, antes que um trabalho seja submetido a um jornal electronicamente ou em disco, o assistente editorial precisa de abrir o arquivo do documento no Word e eliminar os nomes da agência responsável pela redacção ou da agência de autores "fantasmas" ou da companhia farmacêutica e substitui-los pelo nome e a instituição da pessoa que foi convidada pela indústria farmacêutica (ou da agência que actua em seu nome), a ser apontada como autor principal, embora não tenha contribuído para o trabalho”, escreveu ela. Quando entraram em contacto, ela recusou-se a dar detalhes. “Assinei um acordo de confidencialidade e estou impedida de fazer comentários”, disse.
Um autor que tem trabalhado para diversas agências, não quis ser identificado por receio de não conseguir trabalho novamente. “É verdade que algumas vezes a empresa farmacêutica paga a um autor de assuntos médicos para escrever um artigo apoiando um medicamento em particular” disse ele. “Isso significa usar toda a informação publicada para escrever um artigo explicando os benefícios de um tratamento em particular. Depois, um médico conhecido será procurado para assinar o trabalho. Esse será submetido a um periódico sem que alguém saiba que um autor "fantasma" ou uma indústria farmacêutica está por trás disso. Eu concordo que isso seja provavelmente antiético, mas todas as empresas o fazem”.
Um campo onde os artigos fictícios se vêm tornando um problema crescente é a o da psiquiatria. O Dr. David Healy, da Universidade de Wales, estava a realizar pesquisas sobre os possíveis perigos dos antidepressivos, quando o representante de um fabricante de medicamentos lhe mandou uma mensagem por e-mail a oferecer ajuda. A mensagem, vista pelo The Observer, dizia: “Para reduzir a sua carga de trabalho a um mínimo, pedimos que o nosso autor-fantasma produzisse um rascunho baseado no trabalho publicado por V.S.a. Veja o anexo”. O artigo era uma resenha de 12 páginas a ser apresentada num evento próximo. O nome do Dr. Healy aparecia como único autor, embora nunca tivesse visto uma única palavra desse trabalho antes. Como não gostou da brilhante resenha do medicamento em questão, sugeriu algumas mudanças.
O fabricante respondeu, dizendo que ele não tinha notado alguns pontos “comercialmente importantes”. O trabalho fictício apareceu finalmente no congresso e num periódico psiquiátrico na sua forma original — porém com o nome de outro médico. O Dr. Healy disse que tais fraudes são cada vez mais frequentes. “Acredito que 50 por cento desses artigos sobre medicamentos nos principais periódicos médicos não são escritos na forma que a pessoa comum espera... As provas que tenho visto sugerem que uma significativa proporção dos artigos em periódicos, como o New England Journal of Medicine, o British Medical Journal e o Lancet, foram escritos com a ajuda de agências”, disse ele. “Não são mais que informações comerciais pagas pelas empresas farmacêuticas”.
Nos Estados Unidos, num caso levado à justiça contra a indústria farmacêutica Pfizer, apareceram documentos internos dessa empresa mostrando que ela empregava uma agência de autores de assuntos médicos de New York. Um dos documentos analisa artigos sobre o antidepressivo Zoloft. Em alguns dos trabalhos faltava somente uma coisa: o nome de um médico. Na margem, a agência tinha colocado as iniciais TBD. O Dr. Healy acha que significam to be determined (a ser determinado).
O Dr. Richard Smith, editor do British Journal Of Medicine, admitiu que os artigos fictícios são um “grande problema”. “Estamos a ser enganados pelas companhias farmacêuticas. Os trabalhos vêm com os nomes de médicos e, frequentemente, descobrimos que alguns deles não têm a menor ideia a respeito do que escreveram”, disse ele. “Quando descobrimos, rejeitamos o trabalho; mas é muito difícil. De certa forma, nós mesmos causamos o problema ao insistir que qualquer envolvimento com uma empresa farmacêutica seja divulgado. Encontraram caminho para contornar isso e vão trabalhar na clandestinidade”.
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Antony Barnett é redactor de Assuntos de Interesse Público do periódico The Observer (Grã-Bretanha). Artigo publicado em 7 de Dezembro de 2003
Conflito de interesses
Uma análise de 789 artigos dos jornais médicos mais importantes
(The Lancet, New England Journal of Medicine, Journal of the American Medical Association, Annals of Internal Medicine) mostrou que um terço dos autores titulares tinham interesses financeiros nas suas pesquisas, sob a forma de patentes, acções ou honorários das empresas, por estarem no Conselho Consultivo ou a trabalhar como directores.
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