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quinta-feira, 7 de março de 2019


COSMOS
Tentativa de definição


" E eles tinham fechado os olhos
de modo a nunca verem...

... pois abençoados são os seus
olhos, que de facto vêem... "

(S.Mateus, 13:15.)

 
Nota: Para a publicação dos textos desde AS FORÇAS DESCONHECIDAS, Fevereiro de 2019, até à TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DO CÓSMOS – Conclusão (ainda por publicar neste Blogue) recorri a um Ensaio, intitulado NOS DOMÍNIOS DO POSSÍVEL, publicado por mim em 1983, com a seguinte Bibliografia:
Arambourg, G - A Génese da Humanidade, Publicações Europa-América, Lisboa, 1950.
Binder, O - Os Planetas, Editorial Verbo, Lisboa, 1965.
Grolier Internacional, Inc. - Novo Tesouro da Juventude, Vol. XV, Rio de Janeiro, 1972.
Gaston, Pratice - Desaparições Misteriosas, Liv. Bertrand, 1974.
Krech, David; Crutchfield, Richard S. - Elementos de Psicologia, 2 volumes, S.Paulo, 1963.
Martin, Richard A. - Migrações, Ed. Verbo, Lisboa, 1965.
Miravitlles, Luís - Passaporte para o Futuro, Ed. Verbo, Lisboa, 1971.
Marcio, Braulio Perez; Suarez, Hector Pereyra; Chaij, Fernando - Libertação, Publicadora Atlântico,SARL, Lisboa.
Ronan, Colin A. - Segredos do Cosmos, Ed. Verbo, Lisboa,1972.
Sendy, Jean - Os Deuses que Fizeram o Céu e a Terra, Enigmas de todos os tempos, Liv. Bertrand, 1973.
Shapley, Harlow - O Futuro do Homem no Universo, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1965.
Taylor, G. Rattray - A Revolução Biológica, Ed. Verbo, 1968.
Thiel, Rudolf - E a Luz se Fez, Ed. Melhoramentos, S.Paulo.
Tompkins, Peter; Bird, Cristopher - A Vida Secreta das Plantas, Ed. Expressão e Cultura, Brasil.
Pub.Europa-América - O Mundo do Homem, A Ciência, As Artes, 1966.

Aproveitei para melhorar o Ensaio, com informação mais actualizada, e completar o arranjo gráfico com imagens conseguidas na NET.
REALIDADE

Depois do que acabamos de ver acerca dos mistérios da vida, da grandeza do Universo e da evolução do homem, persiste a ideia de que tudo no universo se rege por uma força superior desconhecida que, na nossa incapacidade de compreender e explicar, consideramos divina. Ficamos com a impressão, também, que essa força se manifesta discretamente, sendo mais perceptível a sua influência quando do início da formação da estrutura primária de qualquer coisa existente no Universo, como que uma orientação inicial com parâmetros rigorosos.

A influência marcante dessa força não deve processar-se continuamente, no dia-a-dia, segundo o nosso conceito de espaço-tempo, mas sim por meio de um impulso inicial, com princípios exactos e objectivos de inconcebível harmonia. A partir desta orientação inicial, a evolução das coisas segue pelos mais variados caminhos, sem no entanto poderem desbloquear as medidas programadas como causadoras profundas do efeito geral a atingir.

A estrutura primeira foi criada, a qual provoca efeitos diferentes conforme as linhas evolutivas de tudo quanto existe no Universo.

Além da evidência clara da harmonia universal dos astros rodopiantes, podemos citar alguns fenómenos estranhos e ainda não compreendidos na sua essência, como os instintos dos seres, a perfeita sincronização dos órgãos e sistemas de qualquer ser vivo, com defesas e formas de actuação completamente independentes da vontade e consciência da acção (circulação do sangue, circulação da seiva, respiração, movimentos internos, acção dos anticorpos, cicatrização, etc.), a atracção e repulsão entre minerais e gases, as plantas que sentem e algumas até que se animalizam lentamente, como as carnívoras, o sangue que leva os alimentos assimiláveis às diversas células com gostos diferentes, nunca se enganando na distribuição, e muitos outros fenómenos "incompreensíveis" por enquanto.

Tudo isto faz-nos pensar na existência de um ser (Ser?) superior que tudo faz, tudo cria e tudo orienta.

Como podemos explicar, por exemplo, a existência de medidas tão delicadas e equilibradas do globo terrestre, que por serem tão exactas não podem fugir a uma margem de erro escassíssima, em relação ao seu tamanho, e que "obedecem" a uma "ordem" desconhecida?

Nunca nos preocupamos em relacionar a massa descoberta da Terra e a submersa pelos mares, mas a verdade é que existe um equilíbrio perfeito que não pode ser desfeito, sob o risco de desaparecer a vida sobre a Terra. Se o fundo dos oceanos fosse mais fundo dois metros não podia haver vida, pois a massa líquida absorveria todo o oxigénio contido no ar. Se a crosta terrestre fosse mais alta três metros também não poderia haver vida porque seria absorvido todo o anidrido carbónico e sem anidrido carbónico não haveria vida vegetal e, consequentemente, vida animal.

Para as dimensões do globo terrestre, estas diferenças são mínimas, o que exige uma exactidão - talvez divina - para que se conserve este equilíbrio tão ténue, Se imaginarmos a Terra à escala duma laranja, as rugosidades desta são semelhantes à crosta terrestre e essa diferença de dois a três metros não chegariam sequer a um milionésimo de milímetro na laranja.

A existência de uma força superior é cada vez mais evidente. Apesar da sua imagem não poder ser abarcada pela nossa mente tão limitada, é-nos permitido, no entanto, "saber", apesar do conhecimento incompleto, o suficiente para acreditar na sua existência. Desde a infância que nos apercebemos que estamos rodeados por um mundo cheio de maravilhas naturais, das quais sentimos fazer parte, e descobrimos o funcionamento assombroso do nosso organismo bem como a existência de muitos outros seres igualmente complexos. A pouco e pouco compreendemos, também, o prodígio da própria inteligência humana.

Mais tarde aprendemos que a Terra onde vivemos não é mais do que um pequenino corpo dum sistema astronómico gigantesco regido por leis de assombrosa precisão matemática. Aprendemos também que todo este sistema faz parte duma galáxia com milhares de sóis iguais ao nosso, a qual, por sua vez, é apenas uma das inumeráveis galáxias do Universo a transladarem-se com movimentos complicadíssimos e invariáveis para um ponto fixo no espaço. E, o que é mais revelador, apercebemo-nos que quanto melhor se conhece a natureza mais leis fixas, mais ordem, mais função e propósito se descobrem. A quem não ocorre então perguntar como tudo isto chegou à existência? Será possível alguém contemplar toda esta harmonia e perfeição sem ter um momento de sinceridade e reflectir como o incrédulo Voltaire: "Não pode haver um relógio sem relojoeiro."?
Em resumo: podemos chegar à certeza da existência duma força superior, divina, pela observação das suas obras, exactamente como os físicos descobriram os novos elementos do átomo sem os verem, mas sim, simplesmente, pelas reacções que a sua presença originam. E, deste modo, fugindo a uma realidade concreta, objectiva e possível de entender, o homem, pelas suas deficiências biológicas, com órgãos de percepção imperfeitos que tornam a realidade em si deturpada, teve a necessidade de se adaptar ao "seu mundo" conhecido.

Apesar de saber que há mais qualquer coisa para além daquilo que percepciona, utilizando os meios técnicos ao seu dispor, continua restringido ao seu campo de acção permitido pela realidade percepcionada, julgando ainda, talvez ingenuamente, que a "sua realidade" é a verdadeira realidade das coisas.

 
O homem acredita que aquele reflexo desfocado que consegue captar é a verdadeira realidade, única, absoluta, acabando egocentricamente por individualizar essa força superior que não compreende, criando o mito de um ser divino, superior e criador de todas as coisas, semelhante à sua imagem (com todos os defeitos e virtudes do próprio ser humano, é claro) que o protege e zela pelos seus interesses terrenos, a maior parte das vezes mesquinhos.

Neste pressuposto descansa em paz pensando utopicamente ser o único a beneficiar da complacência e protecção divinas. Os pequenos desejos egoístas, que tenta legitimar com todas as formas de construções mentais de justificação, serão satisfeitos por esse ser divino. Todos os outros seres, não protegidos, serão sacrificados, se necessário, para a comodidade, prazeres e bem da "humanidade". Com os seus laivos iluminados de inteligência, concluiu ser único no Universo e escolhido para o desvendar e explorar em proveito próprio.

É uma atitude bastante ambiciosa e cómoda para resolver todos os problemas inerentes ao seu mundo, e mesmo assim, confiando-se a esse ser divino a quem dá os mais variados nomes, o homem pretende ser independente, procurando dar explicações mais ou menos coerentes (dentro da sua linguagem muito restrita que, sendo apenas símbolos que só podem transmitir a experiência comum, não expressa exactamente e com clareza o seu pensamento) a justificar os desmandos e excessos aberrantes mais próprios de tarados do que de seres conscientes e "escolhidos" pelo tal senhor tão apregoado (principalmente nos momentos de aflição).

Com esta confusão provocada pela deficiente percepção da realidade e consequente exteriorização, é necessário um esforço mental muito grande para alcançarmos o que se deseja comunicar por meio de símbolos, numa tentativa vã de tradução exacta das imagens do espírito, espírito este que entendemos como a racionalização do indivíduo, a construção do pensamento e actividade do cérebro, visto o Espírito em Si ser único, e o homem ainda estar longe da identificação com Ele, tentando apenas, inconscientemente, essa identificação considerada como meta final, ou ponto ómega de Teilhard de Chardin.

Como sabemos, é impossível, pelos condicionalismos impostos pela "habituação" de determinada linguagem, exteriorizar ou comunicar a outrem todas as sensações e imagens do espírito. O simples facto de se considerarem certas formas mentais como "irrealistas" só porque não se enquadram na "realidade" considerada como certa, pela força do hábito e dentro dos parâmetros do mundo conhecido pelos órgãos de percepção deficientes, é suficiente para inibir e desviar os seres para campos cada vez mais distorcidos. Se fosse possível o contacto mental entre os seres, certamente que as nossas relações se enriqueceriam gigantescamente, sendo esse contacto mais real, mais sentido e mais verdadeiro que o simples contacto despersonalizado das palavras que, além de pouco comunicarem, ainda são limadas, estudadas e limitadas pelas chamadas convenções sociais.

Um simples afecto, ou sensação, que alguém poderá nutrir por outra pessoa, para ser compreendido, precisa de ser bem rodeado com termos convencionais que mesmo assim acabam por levantar dúvidas e mal entendidos na pessoa que escuta ou lê. Pode-se dizer mesmo que é difícil comunicar certos afectos mais profundos, certas imagens de carinho transbordante, porque a linguagem não o permite. Além disso é mais fácil o homem ouvir ou compreender aquilo que deseja do que aquilo que é a realidade. O sentimento sobrepõe-se ao juízo. Só excepcionalmente, pensamos, o ser humano consegue compreender a linguagem não falada, mais verdadeira e sem preconceitos, ou seja o contacto entre mãe e filho, enquanto bebé, porque a partir de um dado momento da sua idade começa a haver dificuldade de comunicação e compreensão, surgindo os tais "choques entre gerações" que ao fim e ao cabo são provenientes de uma evolução da linguagem - que acompanha a evolução social - e uma visão com perspectivas diferentes do mundo em redor, onde certas coisas "más" passam a ser "boas" e vice-versa, mantendo-se o seu espírito como antes. As convenções é que são outras, e devido a elas não se entendem, apesar de quererem exteriorizar precisamente os mesmos afectos ou situações afectivas.

Em épocas passadas os cônjuges, por exemplo, portavam-se como estranhos e os seus filhos pediam autorização para respeitosamente demonstrarem o seu afecto pelos pais, Hoje, é vulgar os filhos tratarem os pais com mais intimidade, com uma abertura maior no relacionamento, carinho e amor por eles. Outros ainda não o demonstram por palavras. Mas a verdade é que o sentimento filial é o mesmo, só que pelas convenções, próprias de cada época, todo aquele que o quisesse demonstrar pelas palavras e actos teria de obedecer a regras impostas para não ser considerado um "mau filho" ou "degenerado", e castigado por isso.

O mesmo sucede com a relação professor/aluno. Hoje o comportamento de um educador, no ensino, é completamente oposto ao do educador do século passado, onde a amizade e companheirismo se sobrepõem à imposição da autoridade pelo terror da vergastada. Ainda nessa época recuada quando um pai se mostrava inflexível, severo, e exigia um comportamento adulto e disciplina quase desumana ao seu filho, traumatizando-o profundamente como sabemos hoje, não era inferior no seu amor paternal ao pai actual que se mostra mais brando e mais compreensivo do estatuto de criança, menos severo e mais companheiro. Tanto um como o outro amam os seus filhos e não podemos afirmar que o primeiro não o ama por ser demasiado severo e o segundo por ser demasiado brando - o que em muitos casos também é prejudicial - pois tanto um como o outro amam os filhos "à sua maneira", ou seja à maneira imposta pelas convenções consideradas certas em determinada época histórica. As novas gerações acusam sempre a anterior como retrógrada, ultrapassada, machista, sem compreenderem que na realidade a culpa é da evolução.

Por volta de 1500, um homicídio ou envenenamento não inspiravam o mesmo horror que hoje excitam. Um fidalgo matava o seu inimigo à traição, pedia graça, obtinha-a e reaparecia em público sem que ninguém pensasse em fazer-lhe má cara. Por vezes, até, se o crime era aplicação de uma vingança considerada legítima, falava-se do seu autor como no século XIX se falava do homem galante que, tendo sido ofendido por um mariola, o matava em duelo.

Parece-nos pois que as acções dos homens devem ser julgadas consoante as épocas em que foram passadas, não sendo correcto julgar factos do século XVI, por exemplo, à luz das ideias dos séculos XX e XXI. O que constitui crime num estado de civilização aperfeiçoado não passa de um golpe de audácia num estado de civilização menos avançado e talvez louvável num tempo de barbárie. Mas o que conta verdadeiramente é a acção em si e não o juízo que os homens possam fazer, conforme o seu estado evolutivo, o que nos leva forçosamente a deduzir também que o julgamento que convém fazer da mesma acção, além das variações históricas do tempo, deve, do mesmo modo, variar segundo o País, pois entre um povo e outro povo há tantas diferenças como entre um século de outro século.

A chacina na noite de S. Bartolomeu, por exemplo, foi um grande crime, mesmo no seu tempo (milhares de protestantes mortos por católicos fanatizados). Mas uma matança do século XVI não representava o mesmo crime que uma matança nos séculos XIX, XX ou XXI. A maior parte da nação francesa participou no massacre, de facto ou de assentimento, armando-se para eliminar os huguenotes que consideravam estrangeiros e inimigos, sendo como que uma insurreição nacional (semelhante à dos portugueses em 1640) onde os burgueses de Paris ao assassinarem os heréticos acreditavam firmemente estarem a obedecer à voz do céu e a defenderem os interesses nacionais.

Certamente que nos dias de hoje ainda há chacinas, mas as "desculpas" e os motivos são mais refinados e variam conforme a evolução histórica, escudando-se mais em normas aparentemente válidas e explicativas das suas acções, menos crua e selvaticamente que os movimentos dos séculos passados. Hoje, o ser humano mata cientificamente e para os padrões actuais, onde as ideologias políticas se sobrepõem à justiça, tudo justificando pela "causa" que defendem, os argumentos são aceites na maioria das vezes, apesar de tentarem ainda demonstrar uma "fachada" escrupulosa e moral. O mal é o mesmo, mudando apenas os processos. A sua essência mantém-se, alterando-se apenas os métodos de exteriorização que mudam conforme as épocas, o que só vem dificultar ainda mais o processo tão difícil de comunicação entre os seres.

Quando da conquista do continente sul-americano, acompanhada da chacina de milhares de índios, as pessoas "civilizadas" não se horrorizavam porque a matança era feita em nome de Deus para espalhar a fé cristã e converter e submeter os heréticos adoradores de outros deuses. A Santa Irmandade, ou Inquisição, governada por bispos e padres católicos, apoiava estas mortandades e tranquilizava as consciências dos assassinos (que só queriam saquear e enriquecer materialmente) por estarem a defender os princípios sagrados da fé. Faziam o mesmo na Europa, indiscriminadamente, contando mais a cobiça, as inimizades pessoais, a inveja, do que propriamente a defesa da fé.

Actualmente sucede o mesmo, em menor escala talvez, com o mesmo fundamento: cobiça e desejo de poder. Entretanto, pela moral própria da nossa época, e também para aliviar algumas consciências, e tornar a barbárie mais camuflada, substituem-se os termos como matar ou assassinar por neutralizar ou eliminar, e, o que é mais absurdo, considera-se a caça de seres vivos indefesos como um desporto e a eliminação pura e simples, de adversários, como desaparecimentos. O roubo descarado passa a ser um desvio. O ladrão insignificante é denominado cleptomaníaco. O doido irresponsável é um excêntrico e o vigarista corrupto, mentiroso e sem escrúpulos esconde-se sob a capa de político.

Os salteadores e terroristas chamam-se guerrilheiros para uns, e mercenários para outros, dependendo apenas do lado político que defendem. Em nome da política, o Deus actual, todas as "causas" justificam os meios violentos e brutais para alcançarem um fim. Muitos daqueles que assassinam para saquearem em proveito próprio e se escudam com argumentos de natureza política, não são considerados criminosos comuns e, em sociedades "avançadas", beneficiam juridicamente desse facto, na grande maioria dos casos. Matam, roubam, estropiam, em defesa de uma "causa justa" (numa cópia da Inquisição) dependendo a sua legitimidade, apenas, do lado em que se encontrarem. Ou seja: todos os crimes, enquanto desafio à lei-vontade soberana de um Estado ditatorial, serão políticos. Deste modo, esse mesmo Estado legitima também a "repressão" e age precisamente do mesmo modo (mata, rouba, estropia, tortura). Só que o terrorismo de Estado é muito mais poderoso, repugnante, terrível e destruidor, do que o terrorismo contra o Estado. A população é que sofre, na carne, este estado de coisas e quando os opositores do Poder conseguem vencer e tomar o seu lugar, legitimam todos os "crimes políticos" que praticaram.

No meio disto tudo, os terroristas nada sofrem porque legitimam os seus crimes, os responsáveis vencidos raramente são punidos pelos actos violentos que decretaram, e a população continua a sofrer porque se encontra no meio do fogo cruzado.

Esta chacina inútil de inocentes continua pelo mundo fora, com o apoio moral e material das forças políticas do mesmo grupo ideológico, sem levarem em conta os princípios elementares de justiça, ou os princípios "humanitários" que todos dizem defender e respeitar, mas sim as conveniências políticas que tudo permitem.

Os homens reúnem-se constantemente em "assembleias" amorfas, com as ideias pré-concebidas em que o princípio fundamental é sempre o da força sem permitirem concessões que permitam uma solução justa, criando organizações pomposas como a ONU, NATO, UNESCO, Pacto de Varsóvia, OIT, CEE, OEA, COMECOM, OUA, FAO, UNICEF, etc., etc., que nada resolvem, pois é evidente que os interesses e justiça a prevalecerem são sempre os impostos pelos mais fortes que têm assento permanente nessas organizações, correndo tudo conforme os seus interesses económicos. O direito de veto existe precisamente para isso. É sintomático o facto de as intervenções internacionais se verificarem sempre nas zonas ricas onde têm interesses económicos. Nas zonas pobres do globo, em recursos minerais, as populações guerreiam-se, matam-se, cometem as maiores barbaridades, sob o olhar impávido dos detentores do poder mundial.

As alterações linguísticas, e causas irreversíveis na representação de situações concretas, semeiam a confusão e dividem os espíritos. Não há dúvida nenhuma de que a causa principal desta confusão é o problema da comunicação. A linguagem sempre sujeita a alterações "convenientes" nunca permite comunicar "de facto" tudo aquilo que deve ser transmitido, sendo utilizada mais para camuflar as acções imorais, e autenticamente bárbaras, do que propriamente para informar e traduzir os factos como eles são na realidade.

Assim, é difícil uma comunicação real entre os seres, o que vem deturpando e alterando sensivelmente os seus destinos e compreensão de um objectivo final, embrenhando-se cada vez mais nesse mundo artificial que é apenas descrito pelas palavras, e consequentemente delimitado pelos próprios limites da linguagem escrita e falada. No Homem - talvez por acção das formas fixas e definidas no início - vai-se formando como que um espírito sintético (a Alma), uma gama de ideias e experiências que se mantêm e seguem a sua evolução pelas diversas formas da matéria e planos dimensionais, ajudando e adquirindo mais experiências com os seus hospedeiros adequados para cada campo dimensional que atravessam. É a formação lenta de uma entidade independente, resultante da experiência adquirida nos diversos mundos, na sua caminhada evolutiva, e orientação do espírito de Deus que que lhe foi insuflado para vivificar a carne. Como é  algo desconhecido para nós, poderemos chamar, por comodidade e necessidade de localização das coisas e satisfação das dificuldades de comunicação, de espírito-substância ou Alma, adaptado à realidade conforme o homem a entende e compreende segundo o seu conceito de Vida e Universo, e preceitos do mundo por ele formado.

O homem encontrando-se circunscrito num círculo pequenino onde forma o seu mundo, a sua realidade, não quer, ou não pode, imaginar a verdadeira realidade - que deve existir - o verdadeiro mundo que tudo engloba, para não perder, talvez, o seu privilégio de rei dos seres vivos e ilusão de ser único no Universo, e escolhido para o dominar, pois quando chegar a altura em que descubra haver outros seres espalhados pelo cosmos, muitos dos quais forçosamente superiores, será um rude golpe para o seu orgulhoso complexo de superioridade e o ruir das suas ilusões, das suas filosofias e doutrinas, quase todas elas apoiadas no seu conceito de único e superior a habitar o Universo.

Como em qualquer ser pouco evoluído, o seu instinto de agressividade é grande, sendo, como todos nós sabemos, todos os valores humanos inspirados nas artes guerreiras e em tudo a que elas digam respeito, directa ou indirectamente. Noções de força, de superioridade, coragem e valentia são sinónimo de nobreza, os atributos ideais do verdadeiro homem, sendo difícil, por enquanto, aceitarem a existência de uma raça, ou várias raças, superiores à humana.

 
É impensável uma sociedade sem forças armadas. É impensável a resolução de conflitos apenas com o bom senso e sentido de justiça.

Se ainda subsistem rivalidades e conflitos raciais entre os humanos, com teorias absurdas e ridículas de "povos escolhidos" e "povos civilizados" com todos os direitos, em detrimento dos outros povos "não civilizados", de "brancos" superiores a "não brancos", o que sucederá quando os humanos confrontarem outros seres, do cosmos, inteligentes? Ou se mantêm na sua realidade, aceite até agora, com os seus defeitos e valores inspirados potencialmente no conceito da força e da lei do mais forte,  que poderá levar ao extermínio da espécie, ou terá que se integrar na nova realidade, mais ampla, e talvez mais harmoniosa, com vivências apoiadas em conceitos diferentes.
 
A partir daí, da verdadeira realidade, que tudo engloba, existe uma gama diferente de seres, animados e inanimados, com as suas realidades próprias - onde o homem está abrangido - em que deve ser possível um conhecimento total onde essas realidades individuais, ou por espécies, se unam num todo compreensível para todos. Por enquanto o conhecimento permite concluir que essas realidades de cada espécie se cruzam, cambiam, e por uma simbiose perfeita provocada pela formação psicofisiológica, ou pelas estruturas criadas, se compreendam pela tradução permitida pela sua organização.

Os insectos, por exemplo, apresentam uma constituição completamente diferente da do homem, percepcionando uma realidade também diferente, mas que lhe convém, como sejam as inúmeras imagens facetadas dadas pelos seus órgãos da visão, vivendo de tal modo que a sua realidade, a sua visão - ou percepção - do Universo se harmonize com a do homem. Dizemos que se harmoniza com a do homem só porque estamos a ver o problema sob a perspectiva, ou realidade, humana.

Ao observarmos os diversos seres vivos, com órgãos de sentidos diferentes, e consequentemente com percepções diferentes, verificamos estar o seu comportamento completamente adaptado, como que num acordo  comum, à simbiose das realidades de modo a não haver atropelos ou desequilíbrios. Um homem vê objectos coloridos referenciando-os e catalogando-os pelas suas características mais marcantes, entre elas as cores, sabendo no entanto, nós, existirem seres cegos para as cores. A visão desses seres é diferente, quanto às características coloridas, percepcionando apenas o claro e o escuro. Outros seres "vêem" pelo olfacto, pela audição, pelas ondas térmicas, e outros até por processos ainda desconhecidos para nós, o que nos leva a concluir, logicamente, que a imagem dos objectos é formada no próprio cérebro - ou órgãos substitutos - do ser que percepciona.

Seja por meio da visão - igual à nossa - seja pelas vibrações sonoras, calorificas ou olfactivas, o facto é que essas vibrações devidamente aproveitadas revelam os objectos como eles são, como poderemos verificar, aliás, com o sonar, radar, rádio e outros processos técnico-científicos que o homem utiliza, inspirados precisamente nos órgãos tão perfeitos dos seres "inferiores".

Podemos agora perguntar: quem é que percepciona o objecto como ele é? Qual será o verdadeiro, o objecto colorido ou escuro-claro? Se a imagem se forma no cérebro e, pelas características do aparelho receptor, pode variar, qual será a verdadeira realidade? O mundo que nos rodeia terá cores, ou os nossos órgãos é que lhe acrescentam essas qualidades? A mosca, por exemplo, tem cada olho constituído por quatro mil lentes sextavadas, cada uma actuando independentemente, e tudo quanto ela vê é quebrado por milhares de pequeninos fragmentos fora de foco, sendo a sua imagem do mundo apenas movimentos de luz e sombras. Como verá ela um objecto com determinadas características, por cima de outro objecto também com determinadas características, a que denominamos - por acordo entre os homens, condicionado pela sua percepção - uma jarra vermelha sobre uma secretária de mogno negro?

Se fosse possível, por processos técnicos, filmar o que a mosca vê, ficaríamos completamente desorientados com a cena irreconhecível pelo que nos é habitual. E quem nos garante que a percepção do homem, neste caso, é a que traduz fielmente o quadro verdadeiro e "real"?

A percepção é obviamente diferente, mas não sabemos qual a verdadeira tradução ou verdadeiro reflexo da realidade. E quando falamos em moscas, também podemos falar de outros seres, da Terra, que existem, podendo ir mais longe até, admitindo a existência de outros seres inteligentes doutros planetas, com percepções também diferentes.

Admitindo a hipótese de outros seres inteligentes desembarcarem na Terra e de percepcionarem como as moscas, seria interessante imaginar como se processaria o seu contacto com os humanos, com realidades diferentes. Enquanto que, como atrás dissemos, os seres terrenos, com realidades diferentes, conseguiram uma simbiose perfeita entre elas para não haver atropelos, esses seres exteriores "habituados" às suas realidades percepcionadas viriam certamente provocar uma situação de choque com os humanos, também "habituados" à suas percepções que consideram como tradução verdadeira da realidade.

São hipóteses possíveis, como possível é - até prova em contrário - a existência das mesmas diferenças entre os próprios homens, que não entram em choque por causa da sua aprendizagem e acordos comuns de interpretação do mundo que os rodeia. Ninguém pode afirmar que a cor "verde" é a mesma para todos os seres humanos. O que poderá suceder é eles terem aprendido a chamarem "verde" a uma determinada cor - ou vibração de luz - que se forma no seu cérebro, apesar de ser possível cada um ver, ou ter uma sensação diferente.

Hoje, é possível provocar num ser humano a sensação de ver uma cor estimulando apenas, com uma corrente eléctrica muito fraca, a zona certa do cérebro. Com estes estímulos provocados laboratorialmente também é possível fazer com que o paciente oiça melodias, veja inclusivamente passagens da sua vida, cheire o aroma do seu prato favorito, etc. Imaginemos, por exemplo, um indivíduo que, após um acidente, fica com uma deficiência visual passando a ver o verde como cinza pálido. Com certeza que a princípio surgem problemas com a nova percepção colorida do mundo, mas muito rapidamente ele habitua-se a reconhecer o cinza como verde, porque conscientemente sabe da sua anomalia visual e converte o significado da cor. Muito mais tarde, sem se aperceber, acaba por se adaptar de tal modo a estas novas condições que considera sempre o cinza pálido como verde sem a intervenção da vontade consciente, mas apenas pela nova aprendizagem e "hábito", convencendo-se que é de facto "verde" e que o verde é "assim mesmo".

Esta adaptação é uma necessidade inata do ser humano para se fazer compreender e compreender o mundo circundante. Naturalmente, sem esforço aparente, o homem, neste caso e em muitos outros, adapta-se perfeitamente a novas situações. Há imensos exemplos, como no campo olfactivo em que bons ou maus cheiros deixam de serem "sentidos" ao fim de algum tempo mais ou menos prolongado, e no campo visual em que a utilização de óculos com lentes coloridas não influencia a recepção das cores dos objectos e da paisagem. Ao fim de um certo tempo de uso dessas lentes de cor é como se o seu colorido não existisse.

Nos outros órgãos dos sentidos dá-se o mesmo fenómeno, variando o tempo de adaptação conforme a constituição psicofisiológica de cada um, sempre balizados pelos parâmetros existentes e considerados como suficientes para a compreensão do mundo. Cada ser humano é um mundo, e o problema está apenas em conseguir que esse mundo se harmonize e complete com os mundos dos outros seres, humanos ou não, de modo a que possam subsistir, de comum acordo, com as suas exigências evolutivas. Para isso, todos os seres são dotados de órgãos sensores incompletos, ou completos mas mal utilizados ou interpretados, variando deste modo o comportamento e reacção de cada ser em relação a um dado estímulo.

No caso do cinema, sabe-se ser tecnicamente baseado na decomposição da nossa realidade em várias imagens sucessivas, distintas e registadas individualmente numa película que será projectada a uma velocidade adaptada às condições médias da percepção humana, provocando uma sucessão de imagens variadas, conforme a constituição psicofisiológica de cada espectador, que lhe darão o movimento correspondente. O que quer dizer que cada um vê de modo diferente e a velocidades diferentes. Já sucedeu, por exemplo, a pessoas observadoras verificarem que, quando crianças, tinham uma dada velocidade de percepção, e noção de profundidade, diferentes de quando adultos, pois ao assistirem a projecções de películas que já tinham visto na infância, notaram nitidamente essa diferença. Deste modo, além das diferenças existentes entre os seres humanos, na percepção do mundo, existem também diferenças no mesmo ser no decorrer do tempo.

Pessoas observaram estas diferenças na percepção do interior duma casa. Lembravam-se da casa onde passaram a sua infância, e que não viam a bastantes anos, com os seus quartos espaçosos, corredores imensos e escadarias monumentais, e quando lá se deslocaram como adultos, verificaram com enorme surpresa a exiguidade dos quartos, os corredores pequenos e as escadarias com meia dúzia de pequenos degraus, numa diferença absoluta entre a percepção, e consequente sensação, de criança e de adulto.

Quanto à televisão, a sua imagem electrónica é diferente do cinema e só existe no nosso cérebro. Fisicamente traduz-se por "um acontecimento no espaço e no tempo", tratando-se da deslocação de um ponto luminoso sobre um conjunto de linhas espaçadas, num enquadramento espaçado. Ao vermos esses pontos luminosos, com intensidade variável no "écran" fluorescente, forma-se no cérebro uma imagem.

Não será susceptível de variar a formação dessa "imagem" com a constituição psicofisiológica do indivíduo? Como assim em todas as percepções visuais, auditivas, tácteis e olfactivas?  Podemos afirmar que a imagem vista - ou qualquer sensação - por um indivíduo é a mesma vista por outro indivíduo, se elas se formam no cérebro de cada um?

Sabemos que a sensação de um artista é diferente da sensação de uma pessoa normal, quanto a um dado objecto, pois o artista é muito mais sensível e apercebe-se de aspectos ocultos da natureza e do mundo, que vai tentar comunicar por meio dos seus meios de expressão, como pinturas, esculturas, música, textos, etc.

Perguntemos agora: o artista percepcionará do mesmo modo que os outros indivíduos, só que por maquinismos internos vai transformar essas percepções em sensações mais ricas? ou ele, por qualquer aperfeiçoamento dos seus órgãos, percepciona duma maneira diferente, mais real e mais de acordo com a verdadeira realidade? Ou seja: a sua sensibilidade permite-lhe descobrir pormenores ocultos quando percepciona, ou realmente existe "algo" de diferente e  mais  evoluído  nos  seus meios de contacto com o exterior?

É muito complexo o problema de se saber como chegamos a ser capazes de perceber objectos, e poder responder a estas dúvidas. As provas experimentais confirmam, dum certo modo, que a percepção simples dum objecto é explicável por condições inatas, ou então é obtida através da aprendizagem específica. Isto é: não sabemos o que vemos na realidade. Tentamos dar-lhe um arranjo racional e comum a todos para que haja compreensão, e entendimento, mais uma vez podemos insistir que esse processo não pode de modo nenhum ser considerado como absolutamente certo e tradutor fiel da realidade que nos rodeia.

A percepção de objectos caracteriza-se por uma grande constância, ou seja, o objecto é percebido com o mesmo tamanho constante, a mesma forma, a mesma cor, embora seja visto de distâncias diferentes, habituando-nos a "vermos" os objectos sob determinadas condições, inconscientes mas condicionadas. Na mesma constância do brilho, por exemplo, supõe-se que o observador leva em conta, racionalmente, as condições de iluminação e percebe de acordo com isso. Mas tal não acontece e podemos citar um exemplo típico onde o psicólogo demonstra de maneira bem nítida como é boa a constância do brilho sob a maioria das condições normais de vida - portanto a que estamos habituados - e como é má quando interfere nessas condições. Ele coloca um quadrado de veludo preto, um pouco à frente duma parede com iluminação moderada. Parece preto. Depois lança uma iluminação sobre o veludo, de forma que essa iluminação não atinja a parede que serve de fundo. Então o veludo parecerá, imediatamente, branco. Nas condições de iluminação normais a que estamos habituados o veludo é preto, sem sombra de dúvidas, mas noutras condições não habituais é branco.

Neste exemplo, a cor do vestido é a mesma que, no entanto, se altera conforme a luz que reflecte. O nosso cérebro sabe que está a ser enganado mas tem capacidade para repor a pretensa realidade. Ele percepciona o vestido azul e preto à luz do sol e continuará a percepciona-lo de noite e quando submetido à luz artificial. Ou seja: a memória e a experiência retêm as características dos objectos que são actualizadas quando a percepção é feita em circunstâncias físicas distintas.

Desde Descartes que se sabe que o simples facto de ver, põe em actividade uma enorme máquina nervosa que abarca o aparelho visual, o nervo óptico e milhões de células nervosas, nos meandros ainda quase insondáveis do cérebro. As ilusões ópticas conduzem-nos aos mistérios da vida.

 
            Todos os traços são paralelos.

Um princípio fundamental da teoria Gestaltista, que governa todas as leis preceptivas, diz que um conjunto é mais do que a soma das partes que o compõem. As ilusões óptico-geométricas serviram de ponto de partida para esta concepção. Sabemos que ilusão é uma falsa percepção tomada por percepção exacta, e alucinação é uma percepção sem objecto. Sabemos também que as ilusões óptico-geométricas são conhecidas há muito tempo e não podem ser explicadas de modo satisfatório, se não admitirmos que o conjunto da estrutura preceptiva tem propriedades originais ou que a sua percepção é primitiva, podendo deste modo, e obedecendo às chamadas "leis" da perspectiva, reproduzir qualquer objecto numa folha de papel.

Nós diríamos que é "improvável" a existência deste tridente no nosso mundo tridimensional, a que estamos habituados, mas nunca poderíamos afirmar ser "impossível" a sua existência noutras condições, ou noutros mundos diferentes dos das três dimensões.

A reprodução feita no papel existe e é exactamente aquilo que percepcionamos. Apenas desobedece às leis da perspectiva, o que não quer dizer que esteja errado. Desde que seja possível traçar no papel, esse objecto, é porque ele existe. As condições em que é percepcionado é que poderão semear a confusão por ser considerado "irreal", e consequentemente impossível de existir ou reproduzir. Tudo se processa no cérebro.

 
Os chamados "primitivos" não reconheceriam as nossas imagens familiares, também por diferenças do "habitual" e da evolução intelectual que permite uma abstracção maior. Se reproduzíssemos um animal visto de cima, como sejam uma vaca ou outro qualquer, não o desenharíamos com patas, e qualquer indivíduo evoluído o reconheceria. No entanto, um não evoluído, pertencente a um grupo considerado primitivo, não reconheceria esse animal, porque ele não está de perfil onde se veriam as patas, e não podem conceber a sua representação sem elas.

O ser primitivo - e pensamos que também as crianças - caracterizam-se pelo seu modo de pensar muito pobre em abstracções, pois nunca entende, por exemplo, uma referência à cor em abstracto, mas sim coisas coloridas, ou exprimir conceitos como ir, sem indicar ao mesmo tempo onde se vai e como se vai. Crê-se que o seu tipo de pensamento está muito ligado às imagens, motivo porque essas imagens têm de ter uma expressão concreta e completa nas suas características, em prejuízo da perspectiva e da forma.

Além destas características, próprias do indivíduo pouco evoluído, existem muitas mais que também poderão ser elucidativas quanto à tradução dos reflexos da realidade que se mostrarão mais ricos, mais perfeitos e mais objectivos quanto maior for a evolução intelectual do homem, que como sabemos é muito díspar, o que consequentemente cria situações de conflito e muitos problemas do mundo actual.

É difícil uma comunicação real e profícua, dentro dos parâmetros habituais da civilização, em que cada um - cada nação ou camadas duma nação - julga ter razão, e ser defensor dos princípios "humanistas" da história. Níveis diferentes, conceitos diferentes, compreensão diferentes e realidades diferentes, proliferam na Terra, sendo muito difícil um entendimento comum enquanto não houver uma aproximação maior, não pela "força de vontade" ou "boas vontades", mas sim "natural" e "evolutiva".

Nas características dos seres humanos considerados primitivos - talvez por serem diferentes dos "civilizados" - subsiste também um pensamento diferenciado, constituído por tonalidades difusas em que se misturam o imaginativo e afectivo com núcleos significativos verdadeiramente abstractos. O pensamento crente em que se misturam a realidade com os desejos ou receios - superstição - é absolutamente normal nestes seres, que pouco críticos e pouco individualizados aceitam sem revisão pessoal as crenças vigentes nas comunidades, com grandes tendências a humanizar a natureza inserindo os fenómenos físicos, vegetais e animais, num fundo de intenções e de forças ocultas. Não utilizam as categorias de substância e causalidade nem as noções de espaço e tempo. Uma coisa pode ser várias ao mesmo tempo e pode actuar materialmente onde não está presente - feiticismo.

Por consequência, os raciocínios dos considerados, não abertamente, primitivos - que constituem grande parte das nações independentes e soberanas - não se regem pelos hábitos lógicos habituais entre nós, talvez porque os empregam a partir de conceitos culturais diferentes, o que os transporta para uma realidade diferente, e própria.

Deste modo, a interpretação da realidade deve obedecer a hábitos ancestrais, a que chamamos "cultura", e na verdade tudo se passa como se não víssemos o que olhamos, mas o que aprendemos a ver. Como na gravura do mesmo indivíduo em três localizações diferentes, sobre um fundo com a perspectiva habitual, que nos parece de tamanhos diferentes apesar de o não ser, e nos faz duvidar da realidade.

 
A nossa vista, a educação, a memória, o cérebro, recebem correctamente as mensagens provenientes dos órgãos receptores, mas só as compreendemos se forem semelhantes a algo que já conhecemos, e de um certo modo obedeçam a leis estipuladas pelas próprias limitações e sistemas de compreensão humanos.

Podemos então deduzir ser a nossa percepção do mundo, dos objectos, resultante de um acondicionamento a que nos habituamos e que por comodidade, ou talvez por negligência, consideramos único e real, sem admitirmos a percepção de objectos por outras formas diferentes, possíveis de subsistirem tanto no nosso mundo conhecido como noutros mundos que podemos acreditar existirem. E mesmo dentro dos termos habituais da nossa realidade foi necessário localizar situações possíveis, como sejam os conceitos de "erro de julgamento" e "alteração da consciência da realidade", o que nos permite pôr em paralelo com possíveis localizações mais amplas e fora do habitual.

Para compreender o conceito de "erro de julgamento" ou "alteração da consciência da realidade" - nos limites da realidade conhecida - é necessário lembrar que a consciência da realidade tem um duplo aspecto: o sentido da realidade e o julgamento da realidade. O "sentido da realidade" é a experiência sensorial imediata, ulteriormente não explicável, dum objecto externo ou de um acontecimento que para nós é real porque é percebido. O "julgamento da realidade" é uma ulterior elaboração da experiência imediata da realidade, através da qual os elementos de tal experiência são comparados com outros dados, para os modificar ou integrar. Nesta operação entra em jogo o julgamento e, através de comparações críticas, adquire-se uma nova certeza da realidade que já não depende exclusivamente da experiência imediata vivida por nós, mas de uma operação de valor considerado universal que nos é concedida - dentro dos conceitos humanos - pela experiência da verdade e do erro.

Um típico exemplo é o do lápis mergulhado parcialmente na água. Parece-nos quebrado, ou curvo, mas ao tirá-lo da água verificamos que está intacto e rectilíneo. Se associarmos a experiência sensorial imediata deste lápis curvo com as noções que provêm do conhecimento das leis sobre a ilusão óptica na refracção, apercebemo-nos de que esta experiência sensorial imediata não corresponde à realidade, ou seja, emitimos um juízo, um juízo da realidade que nos faz reconhecer o lápis aparentemente curvo, mas na realidade direito.

Outros factores também influem na percepção - ou mecânica da percepção - que podemos citar resumidamente: Sabemos que o ser humano possui vários órgãos sensitivos encarregados de percepcionarem o mundo onde está integrado, mas sabemos também que o funcionamento desses órgãos se encontram condicionados por certos factores limitativos na sua acção de captar e compreender o mundo. Assim, para que o homem possa ouvir, ou ver, existe um limite máximo em que não há sensação se for ultrapassado, e um limiar duplo para se distinguirem duas sensações contíguas no espaço e no tempo, ou seja, é necessário um certo intervalo mínimo entre dois estímulos.

Entretanto esses limites, máximo e limiar duplo, variam com os seres, pelo que têm forçosamente de percepcionarem de modos diferentes, criando assim realidades diferentes comuns a cada espécie. Os cães, por exemplo, percebem ultra-sons que o homem não consegue percepcionar. Outros animais alcançam gamas de luz com comprimentos de onda diferentes e muito para além - ou aquém - do que o homem percepciona também. Os Notonectes, insectos aquáticos, podem localizar com precisão extraordinária qualquer fonte de vibrações separadas entre si apenas por sete graus, mediante uma série de pêlos do seu terceiro par de patas. O sistema pela qual captam estas vibrações, produzidos por uma futura presa, continua a ser um mistério para os naturalistas. O peixe chamado Anoptichtys jordani, desprovido de olhos, passeia com a maior tranquilidade em qualquer aquário e contorna facilmente todos os obstáculos graças aos receptores da sua linha lateral que detectam os reflexos das ondas das águas originadas pelos seus próprios movimentos, à maneira de um sonar aquático.

As abelhas possuem uma frequência de visão muito superior à do homem e se fossem capazes de presenciar uma projecção cinematográfica normal, ao ritmo de vinte e quatro imagens fixas por segundo, teriam a impressão de tratar-se de uma sucessão de imagens, ou vistas, fixas, como os diapositivos para os homens. A sua capacidade chega a trezentas imagens por segundo. São cegas para a cor vermelha e, todavia, captam perfeitamente o ultravioleta e a luz polarizada.

As mariposas fêmeas conseguem detectar os machos a distâncias enormes através do odor de certas secreções sexuais, segundo se conhece. Contudo, segundo provas efectuadas por Beck e Milles, dois entomólogos americanos, demonstram que a detecção se realiza por meio de um feixe de raios infravermelhos emitidos pelo macho, o qual, em contacto com as substâncias da fémea, lhe fornece uma espécie de espectro de reflexão que lhe indica a posição e distância a que se encontra a sua companheira.

Como podemos concluir, há uma enorme variedade de modos de "sentir" o mundo, com grande parte de imagens diferentes das do homem, talvez mais completas e que devem dar uma tradução mais fiel, e rica em pormenores, da realidade. Podemos arriscar, até, que é possível a existência de imagens consideradas irreais ou impossíveis no nosso mundo tridimensional em outras dimensões do espaço, que por não serem "habituais" entre nós não aceitamos como reais.

Deveríamos considerar improváveis mas não impossíveis.

 

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