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quinta-feira, 23 de novembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)
Eliphas Levi (Alphonse Louis Constant) (1810–1875)
 

Para grande parte dos ocultistas modernos, Eliphas Levi é um dos mestres do renascimento mágico pelo qual o mundo passou a partir do século 19. Os seus livros e ensinamentos ainda são atuais e constituem a chave para muitos dos mistérios envolvendo as artes esotéricas e o contato com as forças de outros planos. Apesar das idas e vindas, dos muitos enganos e contradições no trabalho de Eliphas Levi, é possível encontrar muitas preciosidades que justificam a leitura das suas obras.


Introdução

Publicar o "LIVRO DOS SÁBIOS", expressa grande reverência ao Mestre que, pelo ano de 1850, começou a era da ampla e conhecida divulgação dos mistérios iniciáticos reais, os quais não haviam sido jamais publicados na Europa de forma tão clara, metódica e completa; tanto assim que, Papus
(Gérard Anaclet Vincent Encausse, mais conhecido pelo pseudónimo de Papus, foi um médico, escritor, ocultista, rosacrucianista, cabalista, maçom e fundador do martinismo moderno) proclama com respeito e júbilo, a sua admiração por Eliphas Levi, quem depois de ter verificado toda a tradição oriental, judaico-cabalística e cristã, põe de manifesto em suas obras, a identidade absoluta dos ensinamentos tradicionais, demonstra a realidade da realização mágica e deixa na mais absoluta evidência o funcionamento das leis do mundo e da relação de todos os seres: naturais, humanos e celestes, dando até o detalhe das consequências morais, sociais e teológicas que resultam de tão admirável explanação.

As obras de Eliphas Levi causaram, não somente um movimento de interesse nos estudos da verdade esotérica, se não que, até os Rosa-cruzes de Inglaterra, aos quais Eliphas Levi estava afiliado, "protestaram", por achar que ele havia sido demasiado claro nas suas revelações. O que o público não soube então e que, ainda hoje, poucos sabem, é que Eliphas Levi iniciava assim a acção que, alguns lustros depois, Papus comentaria com as seguintes palavras: "Sempre se pode dizer tudo, porque somente compreenderá quem deve compreender". O "Livro dos Sábios", verdadeira Síntese de toda a realização de Eliphas Levi, é precisamente isso:"Um Verbo Humano claro, preciso como um teorema, honesto como uma lei natural em acção, belo como uma elegia espontânea, vibrante como um hino de amor ao Criador e as suas múltiplas manifestações.

Um Verbo Humano que chega a unir-se de tal forma ao Verbo Manifesto que reflecte a sua Verdade, com Sua modéstia e Sua beleza." Discípulos reverentes de Eliphas Levi e de Papus, hoje, não poderíamos deixar de por em primeiro plano e de publicar em primeiro plano a obra do Mestre que, podendo ter sido um Príncipe da Igreja Romana preferiu ser o modesto, quase miserável dono de uma banca de verduras, com cuja ocupação sintetizava a dupla condição de humildade e sacrifício, e de ocultar com ante-face simbólica, sob o "homem" esquecido por todos, o SER luminoso colocado ao serviço da Verdade; o Hierofante Secreto, cuja acção perdura, multiplicando-se no silêncio, como a Pedra Filosofal. Colocamos à disposição dos Homens de Desejo esta jóia do saber e da devoção.


1 de 10 - DISCUSSÕES EM FORMA DE DIÁLOGO


PRIMEIRO DIÁLOGO - UM CLÉRIGO e ELIPHAS LEVI

O CLÉRIGO — As tuas pretensas ciências vêm do inferno e as tuas razões são blasfémias.
ELIPHAS LEVI — Não sei se a tua ignorância vem do céu, porém, as tuas razões assemelham-se muito às injúrias.
O CLÉRIGO — Eu chamo as coisas pelo seu nome; pior para ti se estes nomes te resultam injuriosos. Como tu, que tendo saído da Igreja, que procurando ajudar a impiedade a minar na sua base o seu edifício eterno, tens o louco orgulho de crer que ela vacila sob os golpes dos teus semelhantes; e para o cúmulo do ultraje, estendes, para sustentá-la, a tua mão sacrílega? Não temes a sorte de Oza, a quem Deus castigou mortalmente, porque, com intenção melhor do que a tua e com mãos talvez mais puras, quis sustentar a arca Santa?
ELIPHAS LEVI — Detenho-te aqui, Senhor; citas a Bíblia sem compreende-la e preferiria em teu lugar, compreendê-la sem citá-la. A morte de Oza, da qual me falas, assemelha-se um pouco ao fim trágico dos quarenta e dois meninos devorados pelos ursos por terem-se rido do profeta Eliseu, que era calvo. Felizmente, diz Voltaire a este respeito, não existem ursos na Palestina.
O CLÉRIGO — Então a Bíblia é um tecido de mentiras e ris dela como Voltaire?
ELIPHAS LEVI — A Bíblia é um livro hierático, ou seja, sagrado; está escrita em estilo sacerdotal, misturado com histórias e alegorias.
O CLÉRIGO — Somente a Igreja tem o direito de interpretar a Bíblia. Crês na sua infalibilidade?
ELIPHAS LEVI — Sou da Igreja e não tenho dito e nem escrito nada que seja contrário aos meus ensinamentos.
O CLÉRIGO — Admiro a tua desenvoltura. Não és um livre-pensador? Não crês no progresso? Não admites as temeridades da ciência moderna que dá todos os dias desmentidos à Santa Escritura? Não acreditas na antiguidade indefinida do mundo e na diversidade, seja simultânea, seja sucessiva das raças humanas? Não consideras como mito ou fábula, o que é a mesma coisa, a história da maçã-de-adão, sobre a qual se fundamenta o dogma do pecado original? Porém, tu sabes bem que então tudo se derruba, não mais revelação nem encarnação, pois todo o cristianismo não tem sido mais do que um longo erro; a Igreja não pode manter-se senão prescrevendo o bom senso e propagando a ignorância? Admites isto e ousas chamar-te católico?
ELIPHAS LEVI — Que quer dizer a palavra católico? Não quer dizer universal? Creio no dogma universal e cuido-me das aberrações de todas as seitas particulares. Suporto-as porém, na esperança. de que o progresso se cumprirá e de que todos os homens se reunirão na fé das verdades fundamentais; o que tem-se cumprido já naquela sociedade conhecida em todo o mundo, chamada franco-maçonaria.
O CLÉRIGO — Ânimo Senhor, tiras a máscara por fim, completamente; és sem dúvida Franco Maçom e sabes perfeitamente, que os Franco-Maçons acabam de ser excomungados recentemente, pelo Papa.
ELIPHAS LEVI — Sim, sei-o; e, desde então, tenho deixado de ser Franco-Maçom, porque os Franco-Maçons excomungados pelo Papa, não acreditavam que deviam tolerar o catolicismo. Tenho-me separado deles, para resguardar a minha liberdade de consciência e para não me associar as suas represálias, talvez desculpáveis, se não legítimas; porém, seguramente inconsequentes, já que a essência da Maçonaria é a tolerância a todos os cultos.
O CLÉRIGO — Queres dizer, a indiferença em matéria de religião?
ELIPHAS LEVI — Dizes em matéria de superstições.
O CLÉRIGO — Oh! Sei que para ti, a Religião e a superstição são uma só e mesma coisa.
ELIPHAS LEVI — Creio, pelo contrário, que são duas coisas opostas e inconciliáveis, tanto que, aos meus olhos, os supersticiosos são ímpios. Quanto à religião, não há mais que uma. E não tem havido nunca, senão uma verdadeira. É a esta que chamo verdadeiramente de Católica ou universal. Um muçulmano pode praticá-la como o tem demonstrado muito bem o emir Abd-el-Kader, quando salvou os Cristãos de Damasco. Esta religião é a Caridade; o símbolo da caridade é a Comunhão; e o oposto da comunhão é excomunhão; comungar é evocar a Deus, excomungar é evocar ao diabo.
O CLÉRIGO — É por isto que tens o diabo no corpo, pois com certeza, semelhantes doutrinas fazem de ti um excomungado.
ELIPHAS LEVI — Se eu tivesse o diabo, serias tu quem me o teria dado, e eu não seria, por certo, bastante mau para devolvê-lo a ti; tratá-lo-ia como os comerciantes tratam as falsas moedas, que pregam-nas no seu balcão para retirá-las de circulação.
O CLÉRIGO — Não quero escutar-te mais. És um extravagante e um ímpio.
ELIPHAS LEVI — (Rindo). Sabes tudo a meu respeito! E falas coisas das quais estou longe de suspeitá-las em mim; não sou tão sábio e não direi o que és. Faço-te observar, somente que o que me dizes, não é nem caritativo nem cortês.
O CLÉRIGO — És um dos mais perigosos inimigos da Igreja.
ELIPHAS LEVI — É o senhor de Mirville que tem dito isto. Porém, eu responder-lhe-ei, como a ti, com estes versos do nosso bom e grande La Fontaine: NADA É MAIS PERIGOSO DO QUE UM AMIGO IMPRUDENTE; MAIS VALERIA UM INIMIGO SÁBIO

(Continua)

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