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sexta-feira, 24 de novembro de 2017


O Livro dos Sábios (1870)

2 de 10 - DISCUSSÕES EM FORMA DE DIÁLOGO

SEGUNDO DIÁLOGO - UM FILÓSOFO e ELIPHAS LEVI
O FILÓSOFO – (Entrando) — Que fazias com aquele energúmeno?
ELIPHAS LEVI — Nada muito bom, creio; teria apreciado poder acalmá-lo, no entanto, só consegui enraivecê-lo ainda mais.
O FILÓSOFO — Também, que tens a fazer com semelhante gente? E porque obstinas em declarar-te ainda católico? Alijas-te de ti os livres-pensadores e os católicos te desprezam.
ELIPHAS LEVI — É um mal entendido.
O FILÓSOFO — Do qual és a causa. Porque te obstinas em dizer "cachorro" quando se trata de "gato"?
ELIPHAS LEVI — Não creio ter-me permitido semelhantes excentricidades de linguagem; chamo as coisas pelo seu nome, porém tem-me acontecido ver cachorros e gatos que se entendem maravilhosamente.
O FILÓSOFO — Isto nada prova em favor de teu sonho que é um acordo impossível entre a religião e a ciência, entre a autoridade dogmática e a liberdade de exame.
ELIPHAS LEVI — Porque impossível?
O FILÓSOFO — Porque a religião é o sonho que quer fazer a lei para a razão; é o absurdo que se impõe com a obstinação da loucura; é o orgulho da ignorância que, para se crer sobrenatural, inventa virtudes contra a natureza; é Alexandre VI posto no lugar de Deus; é a chave do céu colocado nas mãos sangrentas dos inquisidores.
ELIPHAS LEVI — Não, a religião não é nada disso; a religião é a fé, a esperança e a caridade.
O FILÓSOFO — À que chamas fé?
ELIPHAS LEVI — A fé é a afirmação do que deve ser; e, a aspiração confiada no que é bom esperar...
O FILÓSOFO — Vamos sair das nuvens, se permites. Dizes católico; pois bem, sabes o que é um católico?
ELIPHAS LEVI — Católico quer dizer universal; um católico é aquele que se religa às crenças universais, ou seja, à religião única, cujo fundo encontra-se nos dogmas de todos os povos e de todos os tempos.
O FILÓSOFO — Não senhor, um católico, de acordo com Veuillot, a quem Roma não condena, é aquele que crê que Jesus Cristo é o único Deus e que fala pela boca do Papa.
ELIPHAS LEVI — Deixemos Veuillot e raciocinemos.
O FILÓSOFO — Não, já que falamos de religião, bem sabes que, segundo um padre da Igreja, muito autorizado, o objecto da crença é o absurdo.
ELIPHAS LEVI — O infinito não é absurdo? Entretanto, a ciência está obrigada a acreditar nele. O eterno acercamento de duas linhas que jamais se tocarão, não é por acaso um absurdo?; sem dúvida, a geometria vê-se obrigada a admiti-lo. Existem absurdos de duas espécies: uns são senão aparentes e são aqueles que vêm de uma falha da nossa inteligência; outros são evidentes: as afirmações contrárias às verdades demonstradas; agora, a religião não nos obriga a aceitar estas últimas.
FILÓSOFO — Não entremos no labirinto de teus mistérios. O dogma emaranhado a gosto dos teus teólogos, dar-me-ia fáceis possibilidades de controvérsia; porém, estas antigalhas estão abandonadas hoje em dia, que não nos preocupamos mais com elas, nem mesmo para rir. Resumindo, o Cristianismo está superado pelo progresso há tempos; e se queres pôr vinho novo no teu odre velho, perderas o odre e o vinho! Deixa o velho catolicismo morrer em paz; ele não te aceita; és para ele um renegado e um sacrílego; tens o valor do teu livre pensamento e deixa aos mortos sepultar os mortos. Fazer esforços ridículos para conciliar a civilização moderna é o "syllabus"; e na verdade, que isto deve matar àquilo. Queres conciliar Polichinelo e a Força; porém Polichinelo não quer ouvir falar desta e pensas em enforcar ele mesmo, ao verdugo, não importando os arranhões do gato. Perdoa-me se sou pouco sério; é porque na verdade, a tua fé de expedientes e de preconceitos não é séria; ela exagera o absurdo para aumentar os seus malabarismos. Pode ser muito bonita, porém isso não é útil a ninguém e se torna muito molesta para ti.
ELIPHAS LEVI — Deixemos de lado os meus interesses pessoais, não os tenho e não quero ter outros a não ser os da verdade.
O FILÓSOFO — Pois bem. A verdade, a verdade evidente para qualquer pessoa de boa fé, é que não existe relação universal, e as religiões devoram-se entre si. Todos os sectários afirmam que Deus lhes tem falado, porém, bem sabes que Deus não fala nunca senão que pela boca dos seus sacerdotes, que se amaldiçoam uns aos outros e não estarão jamais de acordo. Queres conservar o dogma e suprimir o sacerdote, porém eles se equilibraram entre si e até se suportam mutuamente. Deus é o sacerdote do céu, assim como o sacerdote afirma ser Deus na terra. Dispensas o sacerdote; ele levará o seu Deus e te provará que és ateu.
ELIPHAS LEVI — Eu não quero dispensar ninguém, senão que desejaria iluminar a todos.
O FILÓSOFO — Talvez, até aos sacerdotes?
ELIPHAS LEVI — Sobretudo aos sacerdotes, porque lhes devo a minha primeira educação.
O FILÓSOFO — Não o digas; pois, nota-se bastante. Entre eles é que aprendestes as conciliações jesuíticas e as asserções com segundas intenções.
ELIPHAS LEVI — Eu escrevo sobre ciências ocultas.
O FILÓSOFO — Entendo, e acreditas que tens que ocultar o teu pensamento; porém, haveria um meio bem simples para ocultá-lo; seria o de não escrevê-lo.
ELIPHAS LEVI — E de não falar; porém, então eu não teria a vantagem de discutir hoje contigo.
O FILÓSOFO — Eu não discuto as tuas crenças, condeno-as em nome da ciência e do progresso.
ELIPHAS LEVI — Mas como! Até a minha crença em Deus, na imortalidade da alma, na solidariedade entre todos os homens e no espírito da caridade?
O FILÓSOFO — Estas são, talvez, ideias respeitáveis; porém, que não existem e não poderiam existir para a ciência, pois não são nem demonstráveis nem demonstradas.
ELIPHAS LEVI — De forma que, não acreditas em nada?
O FILÓSOFO — Perdoa-me; creio na natureza, na ciência e no progresso.
ELIPHAS LEVI — As tuas crenças, são as minhas; não se trata senão de nos entendermos; e, antes de outra coisa, o que é a natureza para ti?
O FILÓSOFO — Força e matéria.
ELIPHAS LEVI — Como? Sem espírito?
O FILÓSOFO — O espírito é a força directriz.
ELIPHAS LEVI — Muito bem, não te peço mais; acrescentarei só "evocadora" e teremos encontrado a Deus...
O FILÓSOFO — Deus, sempre Deus! Não posso sentir esta palavra, ela não pertence à ciência.
ELIPHAS LEVI — É verdade, pertence à fé; porém, a ciência não pode prescindir-se dela.
O FILÓSOFO — É o que eu nego.
ELIPHAS LEVI — Sim, sem poder provar a força da tua negação.
O FILÓSOFO — A ti cabe provar, já que afirmas.
ELIPHAS LEVI — Afirmo que a fé existe e que ela está na natureza do homem. Afirmo que a fé é razoável, dado que a ciência está limitada. Afirmo, por fim, que a fé é necessária, porque, como tu, acredito no progresso. Sem a fé, a ciência não leva senão à dúvida absoluta e ao desgosto por todas as coisas. Sem a fé, a vida não é senão um sonho, que terminará, sem o despertar, no nada. Sem a fé, os afectos são vazios, a honra não é mais do que engano, a virtude, mentira; e, a moral, decepção. Sem a fé, a ciência não é mais do que o despotismo das riquezas; a igualdade é impossível e a fraternidade não existe. "Filósofos do ateísmo, partidários da força cega e da matéria motriz, vós não sois homens de progresso. A um dos nossos mestres, no século passado, já fizestes rir; chamava-se Lamatthie e era um dos médicos do rei da Prússia. É triste ver-vos desbaratar tanto espírito para provar que sois bests." Digo-te senhor, não poderias ser dirigido, pois credes na força inteligente e no progresso. A força inteligente é o espírito e o progresso é a imortalidade.
O FILÓSOFO — Tudo isto não está demonstrado, Porém o que é evidente para ti não o é para mim?
ELIPHAS LEVI — Estendo-te a mão e separemo-nos como bons amigos.
O FILÓSOFO — Adeus, pois!
ELIPHAS LEVI — Sim, a Deus! Pois pretendes não crer em Ele apesar de que o invocas sem pensar.

(Continua)

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