DRAGÕES NEOLIBERAIS E DELÍRIOS À ROBOCOP
Sexta-feira, 27 de Abril de
2012
Uma história do mundo BRIC a BRIC
Goldman Sachs – na pessoa do economista Jim O’Neill – inventou o conceito de um novo bloco nascente no planeta: os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul). Os mais cínicos imediatamente traduziram a sigla BRIC como “Bloody Ridiculous Investment Concept” - aprox. “Conceito de Investimento MUITO Ridículo”.
Nada tinha de ridículo. O mesmo Goldman estima que, em 2050, os países BRICS serão responsáveis por quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB) global, e lá estarão reunidas quatro das cinco maiores economias mundiais.
De facto, a sigla terá de ser expandida para incluir a Turquia, Indonésia, Coreia do Sul e, sim, sim, também o Irão nuclear. Talvez BRIIICTSS? Apesar de todos os problemas de nação que vive com a economia sitiada, o Irão também vai abrindo caminho no grupo N-11, outro conceito prospectivo já circulante. (N-11, ‘Next-11’ - ‘Próximos’-11- são as 11 economias que se estima que se tornarão emergentes num futuro próximo.)
A pergunta de multitriliões de dólares continua no ar: a emergência dos BRICS é sinal de que realmente entramos num novo mundo multipolar?
Paul Kennedy, historiador de Yale, especialista (famoso pela “super extensão imperial das Grandes Potências”) está convencido de que ou estamos bem próximos de atravessar ou já atravessamos uma “catarata histórica” que nos levou até bem além do mundo unipolar pós-Guerra Fria da “única superpotência”. Há, diz Kennedy, quatro razões para isso: a lenta erosão do dólar norte-americano (antes, 85% das reservas globais, hoje, menos de 60%), a “paralisia do projeto europeu”, a ascensão da Ásia (o fim de 500 anos de hegemonia ocidental), e a decrepitude da ONU.
O Grupo dos Oito (G-8) já é cada dia mais irrelevante. O G-20, no qual se incluem os BRICS, podem ainda vir a revelar-se importantíssimos. Mas há muito a fazer para cruzar a tal “catarata histórica”, além de simplesmente deixar-se sugar inapelavelmente para dentro de grupos: é preciso reformar o Conselho de Segurança da ONU e, sobretudo, é preciso reformar o sistema de Bretton Woods (O sistema financeiro que surgiria de Bretton Woods, no final da Segunda Guerra Mundial, seria amplamente favorável aos Estados Unidos, que dali em diante teria o controle de facto de boa parte da economia mundial bem como de todo o seu sistema de distribuição de capitais. Os Estados Unidos finalmente tomavam as rédeas das finanças mundiais), com especial atenção a duas de suas instituições cruciais: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Por outro lado, é possível que o jeito do mundo seja mesmo o vai-que-vai queira-ou-não-queira. Afinal, como superpotências emergentes, os BRICS têm uma tonelada de problemas. Sim, só nos últimos sete anos, o Brasil acrescentou 40 milhões de pessoas ao mercado de consumo de classe média; até 2016, terão sido investidos outros 900 mil milhões de dólares – mais de 1/3 do PIB – em energia e infra-estruturas, e o Brasil não está tão exposto quantos os outros países BRICS ao imponderável comércio mundial, dado que as exportações não passam de 11% do PIB, menos, até, que nos EUA.
Apesar de tudo isso, há problemas-chave que não mudam: falta de melhor administração, para nem falar no pântano da corrupção. Os jovens neo-endinheirados brasileiros não dão qualquer sinal de serem menos corruptos que as velhas e arrogantes elites de compradores que governavam o país.
Na Índia, a opção parece estar entre o caos administrável e caos não administrável. A corrupção entre a elite política do país faria Shiva corar de orgulho. Abuso do poder estatal, controle nepotista sobre os contratos relacionados à infraestrutura, saque desabrido de recursos minerais, escândalos em grandes negócios imobiliários envolvendo património público – de tudo há muito, mesmo que a Índia não seja um Paquistão hindu. Não, pelo menos, até agora.
Desde 1991, “reforma” na Índia só significa uma coisa: comércio desenfreado e afastar o estado, da economia. Não surpreende pois que nada se faça para reformar as instituições públicas que são, elas mesmas, um escândalo. Administração pública eficiente? Nem pensar! Em resumo, a Índia é um motor económico caótico e, em certo sentido, ainda não é sequer potência emergente; muito menos é superpotência.
A Rússia, também, ainda tenta encontrar a poção mágica, inclusive uma política de estado capaz de explorar a abundante riqueza dos recursos naturais, o território/espaço extraordinários e o impressionante talento social que lá se acumulou. A Rússia tem de modernizar-se rapidamente; excepto em Moscovo e São Petersburgo, no resto do país prevalece um relativo atraso social. Os líderes russos ainda não se sentem confortáveis com a China na vizinhança (conscientes de que em qualquer aliança sino-russa, a Rússia será sempre o primo visivelmente mais pobre); e tampouco confiam em Washington. Estão ansiosos com a depopulação dos territórios orientais e preocupados com a alienação religiosa das suas populações muçulmanas.
E eis que entra em cena novamente o Putinactor-presidente, com a sua fórmula mágica para a modernização: uma parceria estratégica Alemanha-Rússia que beneficiará a elite do poder/oligarquia dos negócios, mas não, necessariamente, a maioria dos russos.
Dead in the Woods (Morto no bosque)
O sistema Bretton Woods, criado depois da II Guerra Mundial, já está oficialmente morto, é totalmente ilegítimo, mas... O que os BRICS planeiam fazer em relação a ele?
Na reunião em Nova Díli no final de Março, trabalharam para criar um banco de desenvolvimento dos BRICS que possa investir em infraestrutura e garantir-lhes crédito para enfrentar as crises financeiras que surjam no percurso. Os BRICS sabem perfeitamente bem que Washington e a União Europeia (UE) de modo algum aliviarão o controlo que exercem através do FMI e do Banco Mundial. Apesar de tudo, o comércio entre esses países alcançará os impressionantes 500 mil milhões de dólares em 2015, quase todo nas suas próprias moedas.
Mas a coesão entre os BRICS, ou, no mínimo, a coesão que exista, centra-se principalmente na frustração, que todos partilham, com a especulação financeira à moda dos Mestres do Universo, que por um triz não jogou pelo penhasco a economia global, em 2008. Sim, os BRICS também mostram notável convergência de políticas e opiniões no que tenha a ver com o Irão, com um Médio Oriente desabrochado em primavera árabe e com o norte da África. No momento, o problema-chave que os BRICS enfrentam é o seguinte: não têm qualquer alternativa ideológica ou institucional ao neoliberalismo nem ao reinado da finança global.
Como Vijay Prashad observou, o Norte Global fez tudo para impedir qualquer discussão séria sobre como reformar o casino financeiro global. Não por acaso, o presidente do G-77, grupo de nações em desenvolvimento (de facto, já é G-132), o embaixador tailandês Pisnau Chanvitan, alertou contra “comportamento que parece indicar um desejo de ver nascer um novo neocolonialismo.”
Mas as coisas acontecem, mesmo assim, é à moda-diabo. A China, por exemplo, continua a promover informalmente o yuan como moeda globalizante, se não global. Já comercia em yuan com a Rússia e a Austrália, para nem falar de América Latina e Médio Oriente. Cada vez mais, os BRICS apostam no yuan como alternativa monetária a um dólar norte-americano desvalorizado.
O Japão usa ambas as moedas, iene e yuan, no comércio bilateral com os vizinhos asiáticos gigantes. O facto é que já está em formação uma zona asiática não reconhecida de livre comércio, com a China, Japão e Coreia do Sul já a bordo.
O que virá, ainda que inclua futuro brilhante para os BRICS, será sem dúvida muito confuso. Praticamente, quase tudo é possível: de outra Grande Recessão nos EUA à estagnação na Europa ou, até, o colapso da eurozona; incluindo BRICS mais lentos, tempestades no mercado monetário, colapso das instituições financeiras e quebra global.
E por falar em confusão, não se pode esquecer o que disse Dick Cheney, quando ainda era presidente da Halliburton, no Instituto do Petróleo em Londres, em 1999: “O Médio Oriente, com dois terços do petróleo do mundo e custo mais baixo, ainda é, em todos os casos, onde está o prémio.” Não surpreende que, ao chegar ao poder como vice-presidente em 2001, a sua primeira providência tenha sido ordenar a “libertação” do petróleo iraquiano. Claro. Todos sabem como o negócio acabou.
Hoje (governo diferente, mas idêntica linha de trabalho), é embargo-de-petróleo-com-guerra-económica contra o Irão. A liderança em Pequim vê o psicodrama “Washington contra o Irão” como golpe, puro e simples, para mudança de regime, sem nenhuma relação com armas atómicas. Aí também, mais uma vez, o vencedor do imbróglio do Irão é a China. Com o sistema bancário iraniano em crise, e o embargo norte-americano a infernizar a vida económica naquele país, Pequim pode, literalmente, ditar os termos, na compra de petróleo iraniano.
Os chineses estão a ampliar a frota iraniana de navios-petroleiros, negócio de mais de mil milhões de dólares, e outro gigante-BRIC, a Índia, já está a comprar, até, mais petróleo do Irão, que a China. Mas Washington não aplicará sanções aos países BRICS porque, nestes tempos, economicamente falando, os EUA precisam mais dos BRICS, do que os BRICS, dos EUA.
O mundo visto por olhos chineses
O que nos traz de volta ao dragão na sala: a China.
Qual é a obsessão radical dos chineses? Estabilidade, estabilidade, estabilidade.
A autoapresentação usual do sistema por lá, em termos de “socialismo com características chinesas” é, evidentemente, mais mítica que as Górgonas. De facto, a coisa está mais para neoliberalismo linha-dura com características chinesas, comandado por homens determinados a salvar o capitalismo global.
Actualmente, a China está presa no meio de um movimento estrutural, tectónico, de transição, de um modelo de exportação/investimentos, para um modelo puxado por serviços/consumidores. Em termos do explosivo crescimento económico, as últimas décadas foram quase inimagináveis para muitos chineses (e o resto do mundo), mas, segundo o Financial Times, puseram o 1% mais rico do país no controle de 40-60% de toda a riqueza doméstica. Como encontrar meio para superar tamanho, tão aterrador, dano colateral? Como conseguir que um sistema que tem embutido tantos e tais problemas funcione para 1,3 mil milhões de pessoas?
É onde entra em cena a “estabilidade-mania”. Em 2007, o primeiro-ministro Wen Jiabao alertava que a economia chinesa poderia tornar-se “não estável, não equilibrada, não coordenada e não sustentável”. Os famosos “Quatro Nãos”.
Hoje, a liderança coletiva, incluído o próximo primeiro-ministro Li Leqiang, está a dar um tenso passo adiante, expurgando a “instabilidade” do léxico do Partido. Para todas as finalidades práticas, a próxima fase no desenvolvimento chinês já está em andamento.
Será espectáculo digno de se observar nos anos próximos.
Como os ‘príncipes coroados’ nominalmente “comunistas” – os filhos e filhas dos principais líderes revolucionários do partido, todos imensamente ricos, graças, em parte, a arranjos amigáveis com corporações ocidentais, além de propinas, alianças com gângsteres, todas aquelas “concessões” a quem der mais e às ligações com a oligarquia capitalista crônica ocidental – levarão a China além das “Quatro Modernizações”? Sobretudo, com toda aquela fabulosa riqueza a saquear.
O governo Obama, manifestando a própria ansiedade, respondeu à visível emergência da China como potência a ser reconhecida, com um “pivô estratégico” – das desastradas guerras no Médio Oriente Expandido, à Ásia. O Pentágono gosta de chamar a isso de “reequilibração” (por mais que as coisas andem super desequilibradas e até pior que isso, para os EUA, no Médio Oriente).
Antes do 11/9, o governo Bush focara-se na China como o seu futuro inimigo global número 1. Então, o 11/9 redirecionou as coisas para o que o Pentágono chamou de “o arco de instabilidade”, o coração petrolífero do planeta, que vai do Médio Oriente à Ásia Central. Dado que Washington estava distraída, Pequim calculou que gozaria da vantagem de uma janela de praticamente duas décadas, quando a pressão estaria aliviada. Nesses anos, poderia concentrar-se numa versão hiperveloz de desenvolvimento interno, enquanto os EUA desperdiçariam montanhas de dinheiro naquela tresloucada “Guerra Global ao Terror”.
12 anos depois, a tal janela é fechada com uma batida, quando, da Índia, Austrália, Filipinas à Coreia do Sul e Japão, os EUA declaram-se de volta ao business da hegemonia na Ásia. Qualquer dúvida de que essa seria a nova trilha dos EUA foi dissipada pela secretária de Estado Hillary Clinton, em manifesto publicado em novembro de 2011 na revista Foreign Policy, sob o título nada subtil de “America’s Pacific Century”. (E falava deste século, não do século passado!)
O mantra dos EUA não muda: “segurança dos EUA” e, por definição, aconteça o que acontecer no planeta. Seja no Golfo Pérsico rico em petróleo, onde Washington “ajuda” os aliados Israel e Arábia Saudita, porque se sentem ameaçados pelo Irão, seja na Ásia onde ajuda semelhante é oferecida a corpo sempre crescente de países que dizem sentir-se ameaçados pela China, tudo é feito, sempre, em nome da segurança dos EUA. Num caso e noutro, em absolutamente todos os casos, essa ideia sobrepuja qualquer outra.
Como resultado, se há uma Muralha de Suspeitas de 33 anos a separar EUA e Irão, há hoje, a crescer, uma Grande Muralha de Suspeitas entre EUA e China. Recentemente, Wang Jisi, deão da Escola de Estudos Internacionais da Universidade de Pequim e um dos principais analistas chineses de estratégia, expôs a visão da liderança em Pequim sobre o tal “Pacific Century”, em artigo importante, em que figura como coautor.
A China, dizem os dois autores, espera agora ser tratada como potência de primeira classe. Afinal de contas, “navegou em segurança (...) pela crise financeira global de 1997-98”, provocada, aos olhos de Pequim, por “deficiências profundas na economia e na política dos EUA. A China ultrapassou o Japão como segunda economia mundial e parece ser também a n. 2 na política mundial. (...) Os líderes chineses não creditam esses sucessos aos EUA ou à ordem mundial liderada pelos EUA.”
Os EUA, Wang acrescenta, “são vistos na China em geral como potência declinante no longo prazo (...). É hoje questão de quantos anos, já não de quantas décadas, até que a China ultrapasse os EUA como a maior economia do mundo (...) e parte de uma nova estrutura emergente” (leia-se: os BRICS.)
Em resumo, como Wang e o seu co-autor pintam o quadro, os chineses influentes veem o modelo de desenvolvimento de seu país como “uma alternativa à democracia e como experiência da qual outros países em desenvolvimento podem aprender, ao passo que tantos países em desenvolvimento que introduziram valores e sistemas políticos ocidentais conhecem hoje a desordem e o caos”.
Quer dizer: os chineses veem um mundo no qual os EUA no ocaso ainda anseiam pela hegemonia global e ainda têm energia para bloquear potências emergentes – a China e os outros BRICS – e impedir que alcancem o seu destino de século 21.
O sonho eurasiano molhado do Dr. Zbig
Ora, e como a elite política norte-americana vê esse mesmo mundo? Pode-se dizer que ninguém está mais bem qualificado para discutir esse tema que o ex-conselheiro de segurança nacional, facilitador do oleoduto BTC e, por algum tempo, conselheiro fantasma de Obama, Dr. Zbigniew (“Zbig”) Brzezinski. E ele não hesita em atacar a questão no seu livro mais recente, Strategic Vision: America and the Crisis of Global Power.
Se os chineses mantêm o olhar estratégico sobre as outras nações BRICS, o Dr. Zbig permanece fixado no Velho Mundo, configurado para parecer novo. Agora, argumenta que, para que os EUA preservem alguma forma de hegemonia global, devem apostar num “Oriente expandido”. Significaria reforçar os europeus (sobretudo em termos de energia) ao mesmo tempo em que abraça a Turquia, que ele imagina como molde para novas democracias árabes; e engaja a Rússia, politicamente e economicamente, de modo “estrategicamente prudente e sóbrio.”
A Turquia, por falar dela, nada tem de modelar, porque, apesar da Primavera Árabe, não se vê, no futuro perscrutável, nenhuma nova democracia árabe. Mesmo assim, Zbig crê que a Turquia possa ajudar a Europa e, portanto, os EUA, por vias muito mais práticas, a resolver determinados problemas de energia global, facilitando “acesso desimpediu através do Mar Cáspio até o gás e o petróleo da Ásia Central.”
Sob as atuais circunstâncias, porém, isso, também, continua a ser pura fantasia. De facto, a Turquia só poderá ser país de trânsito no grande jogo da energia no tabuleiro eurasiano que há muito tempo chamo de Oleo-gasodutostão (orig. Pipelineistan), se os europeus conseguirem agir em conjunto. Terão de convencer a energeticamente rica e autocrática “república” do Turcomenistão a ignorar a sua poderosa vizinha, a Rússia, para vender à Europa o gás natural de que a Europa carece. E há também outra questão de energia cuja solução parece bem pouco provável atualmente: Washington e Bruxelas terão de superar as sanções e embargos contraproducentes contra o Irão (e os jogos de guerra que vêm no mesmo pacote) e começar a negociar com seriedade com os iranianos.
Pois mesmo assim o Dr. Zbig propõe a ideia de uma Europa em segunda-marcha, como chave para o futuro poder dos EUA sobre o planeta. Visualizem o quadro como versão animada de um cenário no qual a atual eurozona está em semicolapso. Zbig preserva o papel de liderança da burocracia inepta dos gatos gordos de Bruxelas que hoje governam a União Europeia, e apoia uma outra “Europa” (principalmente os países do “Club Med” do sul) fora do euro, com movimentação nominalmente livre de bens e pessoas entre as duas. Ele aposta – e nisso reflete um traço chave do pensamento de Washington – em que uma Europa em segunda-marcha, um Big Mac eurasiano, ainda colado pelo quadril aos EUA, mesmo assim possa ser actor globalmente decisivo para o resto do século 21.
E então, é claro, o Dr. Zbig exibe todas as suas cores de guerreiro da Guerra Fria, louvando uma “estabilidade” norte-americana futura “no Extremo Oriente” inspirada no “papel que a Grã-Bretanha desempenhou no século 19 como equilibradora e estabilizadora da Europa”. Falamos, em outras palavras, sobre o diplomata armado número um deste século. Ele concede, graciosamente, que “uma parceria global ampla EUA-China” seja ainda possível, mas só no caso de Washington conservar significativa presença geopolítica no que chama de “Extremo Oriente” –, “a China aprove ou não”.
A China não aprovará
Em certo sentido, tudo isso é conversa já conhecida, como também grande parte da actual política de Washington. Nesse caso, é, mesmo, versão remix do seu magnum opus de 1997, The Grand Chessboard [O grande tabuleiro de xadrez], no qual mais uma vez certifica que “o vasto continente Transeurasiano é a arena central dos negócios mundiais.” Só que agora a realidade ensinou-lhe que a Eurásia não pode ser conquistada e que a melhor chance dos EUA é tentar trazer a Turquia e a Rússia para o seu lado.
O Robocop é quem manda
De facto, Brzezinski soa benigno, se se compara o que ele diz e o que Hillary Clinton tem dito em pronunciamentos recentes, inclusive o que disse à Conferência cujo nome já dá nó na língua World Affairs Council 2012 NATO Conference (Conferência do Conselho de Negócios Mundiais da OTAN 2012). Ali, como faz regularmente o governo Obama, ela destacou “o duradouro relacionamento da OTAN com o Afeganistão” e elogiou as negociações entre EUA e Kabul, com vistas a “uma parceria estratégica de longo prazo entre as nossas duas nações.”
Tradução: apesar de não conseguirem dar conta nem de uma guerrilha de pashtuns minoritários, e apesar de tentarem há anos, nem o Pentágono nem a OTAN têm qualquer intenção de reequilibrar qualquer de suas possessões no Médio Oriente Expandido. Já a negociar com o governo do presidente Hamid Karzai em Kabul por direitos de permanência até 2024, os EUA estão decididos a manter três grandes bases estratégicas afegãs: Bagram, Shindand (próxima da fronteira com o Irão) e Kandahar (próxima da fronteira com o Paquistão). Só espíritos terminalmente ingénuos considerariam o Pentágono capaz de abandonar voluntariamente esses postos preciosos para monitorizar a Ásia Central e os concorrentes estratégicos Rússia e China.
A OTAN, Clinton acrescentou em tom sinistro, “expandirá as suas capacidades de defesa para o século 21”, incluindo o sistema de mísseis de defesa que a aliança aprovou na reunião de Lisboa em 2010.
Será fascinante ver o que pode significar a possível eleição do socialista François Hollande à presidência da França. Interessado em uma parceria estratégica mais profunda com os BRICS, Hollande comprometeu-se com o fim do dólar norte-americano como moeda mundial de reserva. A questão é: a vitória de Hollande será como meter um macaco na loja de porcelana dos trabalhos da OTAN, depois dos anos de governo do Grande Libertador da Líbia, esse neonapoleónico criador de cenas Nicolas Sarkozy (para quem a França nada é além de mostarda no steak tartar de Washington).
Não importa o que pensem o Dr. Zbig ou Hillary, muitos países europeus, fartos das aventuras de buraco negro dos dois no Afeganistão e na Líbia, e com o modo como a OTAN agora só serve aos interesses globais dos EUA, apoiam Hollande nesse ponto. Mesmo assim, será batalha montanha acima, dificílima. A derrubada de Muammar Gaddafi e a destruição do regime líbio foi o ponto alto da agenda recente da OTAN no MENA (Middle East-Northern Africa - Médio Oriente -Norte da África). E a OTAN continua a ser o plano B de Washington para o futuro, se a rede de sempre de think tanks, fundos, fundações, dotações, ONGs e mesmo a ONU não conseguir provocar o que bem se pode descrever como “mudança YouTube de regime”.
Em resumo: depois de ir à guerra em três continentes (na Iugoslávia, no Afeganistão e na Líbia), convertendo o Mediterrâneo em virtual lago da OTAN, e patrulhar sem descanso o Mar da Arábia, a OTAN estará, segundo Hillary, “a apostar na liderança e na força dos EUA, exatamente como fizemos no século 20, também para o século 21 e adiante.” Assim sendo, 21 anos depois do fim da União Soviética – razão de ser original da OTAN –, parece que o mundo acaba assim: não num bang, mas com a OTAN, operando em modo de gemido, fazendo as vezes de Robocop global perpétuo.
Voltamos outra vez ao Dr. Zbig e à ideia dos EUA como “promotor e garantidor de unidade” no ocidente, tanto quanto como “equilibrador e conciliador” no Oriente (razão pela qual precisa de bases militares, do Golfo Persico ao Japão, incluindo as bases no Afeganistão). E ninguém esqueça que o Pentágono jamais desistiu da ideia de alcançar a Dominação de Pleno Espectro.
Ante toda essa potência militar, porém, vale a pena ter em mente que este é caracterizadamente um Novo Mundo (também na América do Norte). Contra armas e barcos armados, contra mísseis e drones, há o poder económico. As guerras de moedas estão ativadas. Rússia e China, países BRICS, têm cordilheiras de dinheiro. A América do Sul está rapidamente a organizar-se em bloco. O Putinator-presidente já ofereceu ou oleoduto à Coreia do Sul. O Irão planeia vender o seu petróleo e gás em troca de uma cesta de moedas, nenhuma das quais será o dólar. A China paga para expandir a sua Marinha mercante e os mísseis terra-mar. Um dia, Tóquio talvez afinal entenda que, enquanto permanecer ocupada por Wall Street e pelo Pentágono, viverá sob recessão perpétua. E até a Austrália pode, eventualmente, não se deixar empurrar para uma guerra comercial contraproducente, contra a China.
Assim, este nosso mundo do século 21 está a tomar o formato, em vasta medida, de um confronto entre EUA/OTAN e os BRICS, com casca e tudo, dos dois lados. Perigo: que em algum ponto da linha a coisa vire Confronto de Pleno Espectro. Porque – e que ninguém se engane –, diferentes de Saddam Hussein ou Muammar Gaddafi, os BRICS sim, podem reagir ao fogo
(Tradução minha para português de
Portugal, sem adopção às regras do acordo
ortográfico de 1990, e sem alterar o sentido
do texto original, que poderá ser consultado no site que vem citado abaixo.
Apresento aqui uma versão leve com algumas imagens da Net para o texto não
ficar tão condensado e ficar ao alcance de todos. Quem estiver interessado em
ler o original, basta clicar no link. R)