A
Agenda 21 não é um tratado vinculativo. Ela não tem um mecanismo jurídico e
contratual do mesmo modo que os tratados ou convenções multilaterais.
Entretanto, isto não significa que ela seja benigna. Muito longe disso. Em vez
de ser um tratado com mecanismos de imposição, este documento fundamental da
UNCED coloca a ênfase na implementação voluntária. Cada país que assinou a Agenda
21 concordou com ela como um arcabouço, um instrumento estrutural usado
pelos países para moldar as suas próprias políticas internas para um "bem global"
comum. Neste sentido, a Agenda 21 é um modelo visionário que objectiva
guiar os cidadãos do planeta a uma "nova parceria global
cooperativa". [3].
A
Agenda 21, juntamente com os outros acordos do Rio de Janeiro,
atua como o esqueleto de uma estrutura para a governança global. Para aqueles
que não estão familiarizados com a governança global, esta é uma doutrina de cooperação
internacional que se baseia em governos que agem voluntariamente para o
"bem geral"
por meio de uma estrutura aceite via acordos. Este tema da governança pairou sobre todo o Encontro de Cúpula
da Terra e foi reflectido na literatura ambientalista pós-Rio. Considere um documento
de 1994 do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD),
uma organização muito influente de definição de políticas financiadas pelos
governos, baseada em Winnipeg, no Canadá. (Nota Técnica: Maurice
Strong, o Secretário-Geral da UNCED, foi membro da directoria
do IISD durante os anos 1990s.).
"A
UNCED também tem um significado maior. A questão ambiental era criar uma
questão global que necessitasse de uma acção global. Havia demandas para fortalecer
a Lei Internacional, o que poderia fazer as nações conformarem-se com os
padrões desejados. Organizações não governamentais (ONGs) tinham formado redes
globais e estavam a trabalhar em campanhas globais. Esses esforços ao nível
global contribuíram directamente para a construção de um senso de identidade
global, ou cidadania global, que seria o primeiro passo rumo à governança
global." [4].
A
abordagem da governança global é mais ou menos assim:
1) Por meio do trabalho dos grupos de interesses especiais (ONGs ou
"atores da sociedade civil") em grande parte financiados pelas
fundações de "mudança social", os governos e o público tornam-se
"instruídos" a respeito de uma "crise global" iminente. Independentemente de a crise
ser real ou apenas imaginária, ela torna-se uma questão politicamente carregada e um instrumento
para a transformação global. Maurice Strong, o padrinho da Agenda
21, diz-nos: "A mudança fundamental ocorre quase sempre em resposta à crise ou à
preocupação com uma crise." [5].
2) A comunidade internacional (agências da ONU, órgãos regionais,
etc.), sempre em rede com essas mesmas fundações e grupos de interesses
especiais, propõem que o mundo "se comprometa com
uma acção". Um facilitador global, normalmente as Nações Unidas,
traz os "atores participantes" para a mesa de negociações: governos
nacionais, organizações não governamentais reconhecidas, representantes das
agências regionais e globais, e personalidades importantes dos sectores
empresarial e financeiro.
3) Reunidos num Encontro de Cúpula Global, esses
participantes deliberam, fazem pronunciamentos e envolvem-se na construção
facilitada de um consenso. O resultado: Um "contrato social" aparece na forma de um tratado, acordo,
convenção, ou um documento de estrutura. Agora, dependendo de como foi redigido
e as estruturas jurídicas invocadas, esse novo código pode ser um contrato
vinculativo ou um documento de estratégia que é aceite voluntariamente — um
ponto de referência oficial, o que se encaixa com a descrição da Agenda
21.
4) Com o Encontro de Cúpula finalizado e armados com esse
tratado ou plano de acção, os administradores federais (Governos
Centrais) acrescentam
então os seus próprios "toques nacionais" ao mandato da "mudança
global", e começam a pressionar os departamentos cívicos a implementarem
a agenda. Regulamentos são redigidos e implementados, novos escritórios são criados,
rodadas infindáveis de políticas são rascunhadas, financiamentos são liberados
para os "projectos de apoio", associações privadas governo-governo e
governo-indústria são criadas, grupos de
lóbi e acções judiciais afiam o foco, campanhas de informações são
realizadas e líderes políticos começam desavergonhadamente a se
auto-congratular.
5) À medida que o governo central adopta a "implementação
departamental", algo similar ocorre com as administrações
regionais/provinciais e municipais. Essas entidades jurisdicionais, algumas vezes
sem compreenderem o contexto de pano de fundo, são colocadas a
bordo por meio do dinheiro do financiamento central de "desenvolvimento
sustentável", assistência técnica e mandados regulatórios. Em pouco tempo,
os governos locais espelham e reflectem a directiva central. A metodologia
"Pense globalmente, aja localmente" é aplicada.
É
assim como amplos credos económicos, sociais e ambientais criados nos eventos
das Nações Unidas em Nova Iorque, em Montreal, ou no Rio de Janeiro — no espírito
da cooperação global — se tornam ímpetos invisíveis para as "práticas de
gestão locais", que por sua vez reflectem a agenda de transformação
global. Mark Edward Vande Pol, um ex-planeador da Agenda 21 no
Condado de Santa Cruz, na Califórnia, compreende essa realidade regulamentar
global-para-local.
"Você
nunca a verá. Você nunca votará nela. Independentemente de qual caminho eles usem, as agências podem
redigir novas regulamentações sob a ameaça de processos judiciais e em pouco tempo
a nova realidade aparece: regras administrativas impostas sem legislação." [6].
6) Entretanto, mais uma camada é necessária para completar o ciclo da
governança global. Cada governo nacional que concordou com o tratado ou com o
documento de estrutura irá, em tempos prescritos, reportar para um órgão
permanente da ONU os sucessos e desafios que teve na implementação. Análises de
alto nível serão realizadas, relatórios serão escritos e mais promessas feitas
pelos líderes nacionais para "carregar a carga" e "pagar a nossa
participação justa". Mas, por trás do mecanismo de relatório do
país estão os grupos de interesses especiais, procurando incessantemente
falhas, advogados e os agentes de relações públicas do governo na imprensa.
Isto
é a "governança global" — a soberania que supostamente
temos como uma nação independente, isto é, a nossa liberdade de determinar o
que funciona melhor para os nossos próprios cidadãos, é voluntariamente
entregue como parte de uma parceria planetária para o "bem geral"
global.
Isto
traz-nos de volta à Agenda 21. Como um modelo para aquilo que o
mundo deveria ser, ela ofereceu directriz gerencial para praticamente cada faceta da
vida:
padrões de consumo e assistência à saúde, propostas para redução da pobreza,
desenvolvimento da energia e dos recursos, uso da terra, qualidade do ar, diversidade biológica,
níveis para a população humana, o papel das mulheres e dos jovens, lixo tóxico, meio ambiente nas
montanhas, meio ambiente nos desertos, meio ambiente nas zonas urbanas, ciência e tecnologia,
sindicatos de trabalhadores, agricultura e transporte, educação e cidadania, capacitação e
mecanismos financeiros, transferências de tecnologia entre o norte e o sul..., e a lista
continua.
Ao
assinarem a Agenda 21, os governos no mundo desenvolvido
comprometeram-se a seguirem um mapa da estrada que alinha as prioridades
domésticas com as aspirações globais. O financiamento também foi uma parte
central desse pacote, e o mundo ocidental teria de sangrar intensamente de modo a alcançar os objectivos
da Agenda.(Nota minha: Tudo isto para manter o Sistema
da supremacia Ocidental branca que está em declínio. R)
Falando
sobre esse aspecto, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Internacional
escreveu na sua análise de 1993 sobre a Agenda 21: "... os
imensos programas de desenvolvimento sustentável da Agenda 21 requererão...
novos e adicionais recursos financeiros substanciais... O Secretariado da UNCED
estima que todos os programas listados da Agenda 21 necessitarão
de US$ 600 mil milhões por ano, de 1993 até 2000,
para que possam ser implementados adequadamente. Isso inclui US$ 125 mil
milhões por ano em assistência técnica e económica em bolsas ou concessões dos
países desenvolvidos..."
"...
No fim, todas as delegações concordaram com o conceito de construir uma
parceria global para o desenvolvimento sustentável, para o qual fundos seriam
fornecidos e que uma abordagem de pacote de combinar fluxos de recursos
existentes com novos e adicionais fundos seria fundamental para o acordo."
[7].
Mas,
ainda houve mais. A Agenda 21 foi certamente o texto de pedra de
toque, porém quatro outros documentos foram abertos e, desses, dois eram
acordos vinculativos:
1) A Convenção Sobre a Diversidade Biológica, que foi usada
para justificar a criação das Reservas da Biosfera de uso humano limitado ou
sem qualquer uso humano.
2) A Convenção de Estrutura Sobre Mudança Climática, que
formou o pano de fundo para os Protocolos de Kyoto e colocou em movimento mais
de 20 anos de programas de "mudança climática" e a utilização de
imensos recursos financeiros.
Esses
documentos da Cúpula da Terra formaram a espinha dorsal da agenda
da sustentabilidade global. Além disso, mesmo se as nações não ratificarem um
determinado texto — como é o caso dos EUA em relação à Convenção Sobre a
Diversidade Biológica — o espírito da Convenção ainda é aplicado
internamente por meio das parcerias entre as agências federais e as
organizações ambientais internacionais. Se comprasse uma parte do pacote da Cúpula
da Terra, você trabalharia para implementá-la por completo.
Portanto,
não foi surpresa que após a Conferência no Rio de Janeiro, muitas campanhas de "desenvolvimento
sustentável" patrocinadas por diversos governos tenham sido criadas. Todos
os departamentos centrais, regionais e provinciais lavaram-se nas "águas
sagradas" da sustentabilidade. Sustentabilidade tornou-se um mantra,
um credo, uma luz-guia. Os governos tornaram-se verdes, e inúmeros relatórios
foram criados para provar esse facto. No Canadá, até as forças militares
entraram no barco, produzindo uma série de documentos de avaliação do "desenvolvimento
sustentável" intitulada Actividades de Defesa Ambientalmente
Sustentáveis: Uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável para a
Defesa Nacional. Tenho a certeza de que uma medalha foi dada para o oficial
que mais usou a palavra "sustentável".
Tive
uma pequena prova prática disso em meados dos anos 1990s, quando fui convidado
a co-presidir uma Mesa Redonda Económica-Piloto na minha cidade. A mesa era uma
extensão da Agência de Desenvolvimento Rural de Manitoba e estava vinculada
com um programa do governo provincial conhecido como Mesa Redonda de
Manitoba Sobre Meio Ambiente e Economia, ela mesma fortemente conectada com
a implementação dos objectivos da Agenda 21. A ideia era simples:
estabelecer comités locais de pessoas escolhidas a dedo que pudessem discutir e
sugerir novas ideias para projectos que contemplassem o desenvolvimento
sustentável, e depois procurar implementar essas ideias apresentando uma frente
unida para os governos municipais. Entretanto, numa cidade de apenas 800
habitantes, todos se conheciam e a maioria é respeitadora dos limites jurisdicionais
— o nosso comité não tinha sido eleito e preferiu ter curta duração,
limitando-se a alguns projectos de embelezamento da cidade. Depois de apenas dois
anos, preferimos encerrar as actividades.
Mas,
o esforço para adoptar o modelo da Agenda 21 foi palpável em
outras localidades. Por exemplo, o Condado de Santa Cruz, na Califórnia, foi o
primeiro nos EUA a adoptar o programa Agenda 21 Local, das Nações
Unidas. Assim, ele se tornou uma espécie de terreno de provas para a criação de
uma eco burocracia administrada localmente e com poder de imposição. Aqui, a
nova realidade verde foi expressa em uma infinidade de medidas regulamentares,
requisitos de zoneamento proibitivos, espaços verdes e reservas, taxas adicionais
e estipulações de licenças, audiências públicas pré-determinadas, políticas e
mais políticas, inspecções, multas e processos judiciais.
Como
alguém que testemunhou esse processo, viu os perigos e começou a falar contra a
estupidez burocrática — que, a propósito, leva garantidamente ao
fracasso económico e ambiental — Mark Edward Vande Pol dá-nos uma amostra de
como a "sustentabilidade" está a ser usada contra aqueles que possuem propriedades.
"As
acções regulamentares locais são normalmente financiadas e estão sob a direcção
de uma autoridade reguladora suplantadora. As políticas são invocadas um
precedente de cada vez; as tomadas são realizadas um proprietário de terras de
cada vez para serem replicadas em outros lugares. As premissas técnicas deles
são quase sempre baseadas em como as condições locais servem a uma agenda que é
definida em um nível mais alto. Assim, todas as políticas ambientais SÃO
locais." [8].
Outras
cidades e condados seguiram a liderança de Santa Cruz. Hoje, centenas de
jurisdições adoptam planos de acção de desenvolvimento sustentável, muitos
vinculados com a associação governamental conhecida como ICLEI. À medida que os
administradores locais ajustam a agenda de acordo com as suas próprias comunidades,
os residentes e empresas encontram-se frequentemente diante da sensação
desconfortável de se sentirem gerenciados.
No
fim, as autoridades locais estão encarregadas da tarefa de implementarem
mandados de desenvolvimento sustentável, mas precisamos de nos lembrar que a
iniciativa surgiu primeiro por meio do comprometimento federal. Nos EUA, a Agenda
21 foi expandida por meio do Conselho do Presidente Sobre
Desenvolvimento Sustentável (PCSD), estabelecida durante a administração Bill Clinton
"para começar a traduzir a visão da Agenda 21 para acção nos
EUA". [9].
O
PCSD, que operou até 1999, trabalhou para estruturar as prioridades nacionais
sob essa luz, incluindo a estabilização da população "nos EUA e
no mundo" [10], transporte e planeamento da energia, "agricultura
sustentável" e "educação para a sustentabilidade".
A Agenda 21 foi avançada ainda mais pela Agência de Protecção
Ambiental, pelo Departamento de Estado, Departamento de Energia,
Departamento da Agricultura, Departamento da Moradia e pelo Departamento do
Interior.
No
meu país, o Canadá, a Agenda 21 e os outros compromissos
assumidos no Rio de Janeiro foram rapidamente vinculados ao departamentos e sectores
do governo central, como Meio Ambiente Canadá, Relações Exteriores, Serviço de
Parques Canadianos, Departamento do Património Histórico e o Departamento dos
Recursos Naturais. O governo usou a UNCED como um referencial para alvos de sustentabilidade.
Lembra-se
que eu disse que existia um mecanismo de prestação de contas para trazer a governança
global em círculo completo? O relatório do Canadá para a ONU em 1996 sobre o
seu trabalho em implementar o desenvolvimento sustentável foi revelador. O
Canadá admitiu patrocinar "níveis de população consistentes com o desenvolvimento
sustentável", incluindo "suporte directo para a
programação da população por meio... da Federação Internacional da Paternidade
Planeada" [11] O Canadá também expressou interesse no "estabelecimento
de um sistema económico e financeiro internacional que contribua para o
desenvolvimento sustentável", e que esse regime financeiro global
seria uma "pedra fundamental" no esforço de "implementar
a Agenda 21". [12]. A reforma doméstica também
era necessária.
"Cidadania ambiental significa mudar as decisões pessoais e
ampliar a compreensão das questões do desenvolvimento sustentável... Isto significa
claramente uma redução do consumo por parte dos canadianos, o que requererá
mudança de atitudes e de comportamento..." [13]. Como acontecerá isso? A educação estava no topo da lista. Mas,
mais do que isto, o relatório
admitia experiências financeiras no esforço de reorientar o "comportamento pessoal."
"A redução do consumo pessoal e das famílias era um desafio
maior, particularmente na área do transporte pessoal. Existe agora uma variedade
de programas para ajudar os consumidores a compreenderem os impactos ambientais
de suas decisões de consumo e para fazer escolhas que sejam as melhores para o
ambiente. As experiências com o preço dos bens e serviços são parte
desse processo." [Itálico adicionado]. [14].
Os
programas ambientais regionais e multinacionais também foram explorados,
levando a estrutura da Agenda 21 para além das fronteiras da
América do Norte. Aqui estão dois breves exemplos históricos:
O Programa Fronteira EUA-México XXI foi
um projecto binacional que procurou tratar as preocupações ambientais e sociais
ao longo da fronteira EUA-México. O programa foi abertamente vinculado com a Agenda
21, usando-a como ambiente para entrincheirar o seu mandado. [15].
A Parceira das Grandes Planícies (GPP)
foi um programa experimental que vinculou treze estados das Grandes Planícies,
três províncias das planícies canadianas e uma pequena parte do norte do México
num sistema cooperativo de planeamento económico e ambiental para um "futuro
sustentável". A Parceria foi lançada com o suporte de muitas agências federais,
estaduais/provinciais e locais — e teve o apoio da Associação dos
Governadores do Oeste. Os documentos do simpósio da GPP e os documentos
de pesquisa conectaram o projecto com a Agenda 21.
Como
um documento de segundo plano observou: "Tornou-se claro que a implementação da Agenda
21, o manual do desenvolvimento sustentável no Encontro de Cúpula
do Rio, precisa de ser activamente seguido ao nível local." [16].
De
local para nacional para regional: cada nível de jurisdição deveria exercer o
seu papel naquilo que Maurice Strong chamou de "Nova Ordem Mundial
proposta no Rio de Janeiro".
O Que Poderia Ter Sido
Como
todas as conferências das Nações Unidas, o Encontro de Cúpula Rio 1992 foi
apoiado por uma variedade de encontros preparatórios e foros de "participantes
envolvidos". Nos anos imediatamente precedentes ao Encontro, dezenas
desses eventos preencheram o calendário global.
Um
evento, porém, merece nota especial: a Conferência Mundial da Economia,
Energia e Meio Ambiente (WEEEC). Essa reunião está agora quase que
totalmente esquecida, porém precisamos de examinar o que ocorreu, pois a
WEEEC demonstrou "o que poderia ter sido" e o que era esperado
por tantos: mover gradualmente a governança global até ao nível do governo
mundial.
A
WEEEC, também conhecida como World' 90, foi patrocinada pelo governo da
província de Manitoba, UNESCO, [17] e o Conselho Internacional de Associações
para a Educação Científica. Maurice Strong foi o patrono da WEEEC. Colin N.
Power, director-assistente da UNESCO, compareceu ao evento e escreveu o
prefácio para o seu relatório final. Gary Filmon, então premier de
Manitoba (equivalente a um governador de estado) fez o endosso público,
como também Glenn Cummings, então Secretário do Meio Ambiente de Manitoba.
Inúmeros professores e especialistas do Canadá, EUA e Europa participaram. Na
verdade, mais de 3.000 delegados de todo o mundo compareceram, incluindo
representantes do governo e de grupos especiais de interesse. Em outras palavras,
esse evento não foi de pouca importância.
Anos
mais tarde, conversei com Glenn Cummings, que foi meu representante (deputado)
provincial na Legislatura de Manitoba, e perguntei-lhe sobre a Conferência
World' 90. Ele explicou que embora o evento tenha sido bem-sucedido, ele
não se traduziu em acções funcionais. Sou tão agradecido por isto, pensei
comigo mesmo.
O
propósito da WEEEC era claro: influenciar o futuro Encontro de Cúpula da Terra.
E o tema da World' 90 era revelador: "Estratégias de
Desenvolvimento Sustentável e a Nova Ordem Mundial". [18]. O título de seu relatório final espelhava esse tema: Desenvolvimento
Sustentável para a Agenda de um Novo Mundo. O capítulo 2 causou-me
calafrios: "Rumo a uma Constituição Verde".
"A
questão não é se uma política global é necessária. A questão é como alcançamos
os acordos vinculativos na Lei, completos com programas eficazes para aplicar
sanções contra a desobediência, que obriguem cada nação, independente do seu
tamanho, a seguir um conjunto de princípios que são necessários para garantir a
sobrevivência da vida neste planeta.
Talvez
descubramos que não há outra alternativa para um sistema de controlos rígidos
que alguns equiparam a um estado policial. Infelizmente, de modo a salvar o
planeta do biocídio, precisarão de existir restrições muitos rígidas contra a
prática de coisas 'erradas'. As restrições precisam de transcender as
fronteiras nacionais, abranger o mundo inteiro e ter força de lei.
Haverá a necessidade de uma agência para impedir que os eco vândalos ajam de
forma unilateral." [19].
Esse
regime, delineou o relatório, seria equipado com um braço de imposição da lei
ambiental global. O capítulo explicava: "As agências de imposição da lei
precisarão de possuir o poder de agir sem serem convidadas pela nação infractora." A desobediência ensejará
sanções, mas "se as sanções não funcionarem, então a ocupação física
e a instalação de uma Curadoria Internacional seria imposta sobre
as nações infractoras."
A
parte central do Cap. 2 era a ideia de uma "Constituição Verde
Global", um contrato ético e jurídico para a cidadania global. "A
Constituição precisaria de ser uma expressão política global de um novo e
radical sistema de valores, valores que garantam uma sociedade
sustentável... chegariam ao poder os governos que mais eficazmente
pudessem formular as implicações de política nacional de uma Constituição Verde
Global."
"As Nações Unidas seriam um signatário e assumiriam
responsabilidade pelos bens comuns globais..." "... os Estados
nacionais seriam cada um signatários e assumiriam responsabilidades pelos impactos
das actividades industriais e comerciais realizadas dentro das fronteiras
territoriais. Um Congresso Ambiental Global, tendo autoridade e
responsabilidade constitucionais inspeccionaria e determinaria o grau de adesão
de cada nação signatária." [20].
Dentro
do subtítulo "Justiça Social", foi explicado que a nova ética
sacramentaria o "princípio da igualdade económica global" por meio de
um sistema de "Contabilização da Energia" com quantidades planeadas e
pré-determinadas de energia alocadas para cada ser humano. Recursos como
petróleo já atingiram o seu pico, foi o que disseram, e um sistema contábil
verde inovador era necessário para o planeta — mais ou menos similar ao que o Movimento
da Tecnocracia propôs durante os anos 1930s." [21].
Além
do mais, se quisermos tornar essa arquitectura de "Justiça Social"
eficiente e viável, então uma "política global de uma criança por
família" teria de ser implementada. [22]. Proteger o planeta era
da mais alta importância, zonas silvestres e sem a presença humana teriam de
ser criadas, afinal, "é a população humana que precisa de ser
gerenciada, não a vida selvagem". [23]. E a tolerância seria imposta
como um "Direito Humano". "Populares ou não, os
governos verdes opor-se-ão a qualquer cultura se ela provar ser preconceituosa
por razões de género, idade, cor, raça, religião, crença, orientação sexual
condição física ou mental, estado civil, composição familiar,
rendimentos, crença política, nacionalidade, preferência de
idioma, ou local de origem." [24].
O
capítulo 2 também colocou uma forte ênfase na educação das crianças: "Um
gigantesco e persuasivo esforço educacional é necessário para desenvolver uma perspectiva
global entre a população de cada Estado-nação. O grau de dedicação de cada
nação em educar a população seria a primeira indicação do governo verde." [25].
Outras
partes do relatório ecoaram a importância da educação: "O currículo
precisa de enfatizar a educação de valores, incorporando — com base na necessidade
de saber — conhecimento, aprendizagem conceitual e habilidades." A
tarefa dos educadores teria assim de ser reconfigurada: "O papel do
professor inevitavelmente terá de mudar. Ele tornar-se-á mais envolvido em
facilitar as mudanças de atitudes e em orientar os alunos a desenvolver
valores..." [26].
Aqui
estava uma introdução ao conceito de Um Mundo, modelado como um governo global
de estilo compulsivo, operando sob o pretexto de originar uma ruptura
ambiental planetária, completa com uma ordem económica de energia verde e
orientada pela Tecnocracia, redistribuição da riqueza atrelada com a Justiça
Social. [27], o politicamente correto imposto sob o disfarce de "direitos
humanos" e a modificação dos valores e crenças para se adequarem a
essa nova era.
Mas,
como observado anteriormente, o sonho de longo alcance da WEEEC não tomou forma
no Encontro de Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro. Claro, podemos discernir
elementos desse regime "verde global" que se esconde no subtexto da
UNCED. Mas, dizer que o sonho veio a frutificar conforme delineado na World'
90 é terrivelmente incorreto. Além disso, duvido que os participantes da World'
90 esperassem que algo assim tão perigoso fosse sequer considerado no
evento no Rio de Janeiro.
Portanto,
qual é o sentido de introduzir um plano de tão amplo alcance assim? Simples:
introduzir a causa progressista da governança global, fornecendo um meio de
lançar e receber ideias. Um "governo mundial" verde dessa proporção
não iria emergir no Rio, mas agora a governança global parecia razoável e
responsável em comparação.
Em
outras palavras, foi criado um cenário de fundo para pendurar conceitos mais
realistas. Isto foi também um ímpeto psicológico destinado a avançar a visão
maior do "governo mundial". Abrindo a ideia da gestão
supranacional, isto permitiu que os participantes "considerassem os
futuros", refletindo a aspiração daquilo que eles poderiam ser como formatadores
da sociedade. Foi um exercício de "visionamento" que permitiu aos
participantes "sentirem" os seus futuros e se tornarem confortáveis
com ele. [28].
Para
os participantes da WEEEC que eram da orientação Federalista Mundial, e o
próprio Maurice Strong já flertou com esse arraial, [29] a possibilidade do
"governo mundial" teria sido emocionante de ouvir num evento tão
prestigioso. Todavia, até para homens como Strong, o secretário-geral da UNCED,
que é tanto um visionário quanto um pragmático, a realização de uma
"constituição verde global" com poder de imposição era impraticável para a Conferência no Rio. O próprio facto de que
a World' 90, como uma importante precursora para o Encontro de Cúpula
da Terra, esteve disposta a contemplar essa ideia é preocupante. Além
disso, a World' 90 não foi o único evento que testemunhou a elevada
linguagem da "nova ordem mundial". Conversações similares, embora menos
descaradas nos seus pronunciamentos, permearam os encontros preparatórios para
a Conferência no Rio. Grupos de interesses especiais de todos os cantos
esperneavam e pediam uma "Lei Internacional", "Tribunais do
Meio-Ambiente Globais" e um redesenho do sistema
financeiro internacional.
Sem
qualquer surpresa, após o Encontro de Cúpula terminar, muitos grupos de
interesses especiais ficaram decepcionados pelo facto de grandes mudanças institucionais
não terem ocorrido — pelo menos não na medida que eles esperavam. Em vez de as
Nações Unidas emergirem como a autoridade de imposição global do
desenvolvimento sustentável, os países retiveram a sua capacidade de
implementarem a Agenda 21 do modo como achassem apropriado.
Logicamente, isso não anula a Agenda 21 — apenas a coloca no
contexto de poderes e administrações já existentes, cada um equipado com uma
bateria de regimes regulamentares e de agências de fiscalização e imposição.
Conclusão
O
Encontro de Cúpula da Terra no Rio de Janeiro e a Agenda 21 forneceram
o arcabouço para a governança global e redefiniram as prioridades
internacionais e domésticas para a era pós-Guerra Fria. Este é o legado da Agenda
21: ela forneceu a justificação para os governos gerirem os recursos e
as populações em nome do desenvolvimento sustentável.
E
aqui temos de ser cuidadosos, pois é fácil levantar para todo o lado acusações
da influência da Agenda 21 ao nível local. Essa influência
existe? Isto é mais do que provável. Mas, reacções precipitadas e irreflectidas
não são úteis.
Se
você estiver preocupado com esta questão na sua jurisdição, particularmente em
relação ao planeamento agrário, separe tempo para se informar sobre o processo
— especialmente em como ele foi promovido pelas autoridades municipais,
regionais e centrais. Em seguida, armado com esses dados de pano de fundo,
comece a procurar entender como isto se encaixa ou não dentro de sua situação
em particular. Isto pode requerer múltiplas idas a uma biblioteca ou aos
arquivos dos governos estadual ou municipal. Mas, faça a sua lição de casa! Se
houver uma linhagem directa e documentável, então você sabe de onde emanaram as
medidas de planeamento locais. Neste ponto, você pode começar a formular uma
resposta inteligente e respeitosa.
Mais
um ponto precisa de ser observado. O Encontro de Cúpula da Terra no Rio de Janeiro
fez algo mais: ele entrincheirou um novo modelo cultural por meio do qual as
lealdades ao planeta assumem precedência. Hoje, vemos o resultado disso nas
nossas escolas, igrejas e na indústria do entretenimento. A Conferência no
Rio colocou em movimento a maior indústria de propaganda do meio
ambiente que o mundo já viu. O Dia da Terra foi restaurado, a agenda ambientalista
foi colocada na mente de milhões de jovens e o sentido de "cidadania
global" foi revigorado.
Esta
realidade pós-Rio foi compreendida por Maurice Strong. Ele, Mikhail Gorbachev e
Steven Rockefeller desenvolveram a Carta da Terra, uma
constituição ética e ambientalista para o planeta. (Isto será discutido numa
edição futura de Forcing Change.) Outros apanharam a nova ética do ambiente
pós-Rio. Como o Instituto Internacional para o Desenvolvimento
Sustentável nos faz lembrar: "Temos de rever completamente a
nossa compreensão ocidental do que é ser um habitante do planeta Terra, a nossa história humana e a história do
Ocidente..." "... Precisamos de passar de um senso da realidade e de
valores centrado no homem para um que esteja centrado na Terra.
Precisamos agora de reconhecer a comunidade maior da Terra, e não a comunidade
humana, como normativa com relação à realidade e aos valores." [30].
Notas Finais
1. Maurice Strong, Prefácio, Agenda para a Mudança, no Encontro de
Cúpula da Terra — conforme reimpresso pelo Instituto Internacional para o
Desenvolvimento Sustentável, em
2. Lester R. Brown, The New World Order — também
intitulado, A New Agenda for International Relations? Earth Summit: Setting
the Global Agenda for the 21st Century, EDIT File 18, document 32.
Originalmente impresso como The New World Order, pelo WorldWatch
Institute.
3. Guide to Agenda 21 (Ottawa, ON: International Development Research
Centre, 1993), pág. 7.
4. Youth Sourcebook on Sustainable Development (Winnipeg, MB: International Institute on Sustainable Development,
1994), pág. 63. Conselho da Terra, uma organização iniciada por Maurice Strong,
após a Conferência no Rio de Janeiro, foi uma parceira nesta publicação.
5. Maurice Strong, Where on Earth are We Going? (Toronto,
ON: Alfred A. Knopf, 2000), pág. 28
6. Mark Edward Vande Pol, Natural Process: That
Environmental Laws May Serve the Laws of Nature (Redwood Estates, CA:
Wildergarten Press, 2001), pág. 317.
7. Guide to Agenda 21 (Ottawa, ON: International Development Research
Centre, 1993), pág. 96-97.
8. Mark Edward Vande Pol, Natural Process: That
Environmental Laws May Serve the Laws of Nature, Redwood Estates, CA:
Wildergarten Press, 2001, pág. 44. Maiúsculas no original.
9. President’s Council on Sustainable Development,
Population and Consumption: Task Force Report (Washington, DC. 1996), pág. 1.
10. President’s Council on Sustainable Development,
Sustainable America: A New Consensus (February 1996), pág. 21. Veja também o
relatório do PCSD, Population and Consumption: Task Force Report.
11. Report of Canada to the United Nations Commission on
Sustainable Development (Ottawa, ON: Government of Canada, 1996), pág. 38.
12. Idem, pág. 25.
13. Idem, pág. 16.
14. Idem, pág. 3.
15. US-Mexico Border XXI Program: Framework Document
(Washington DC: United States Environmental Protection Agency, 1996), págs.
1-2.
16. Tammy Hays and Sandy Wolfe, Community-based
Decision Making and Collaborative Policy Development Strategies, Planning
for a Sustainable Future: The Case of the North American Great Plains — Proceedings
of a Symposium (Lincoln, NE: University of Nebraska, Department of Agricultural
Meteorology, 1995), Part IV, Showcase Abstracts.
17. UNESCO: United Nations Educational, Scientific and
Cultural Organization.
18. A conferência foi realizada de 17-20 de Outubro. O relatório final
teve o título Desenvolvimento Sustentável para a Agenda de um Novo Mundo, uma
declaração com uma entonação ligeiramente reduzida do tema oficial.
19. Jim Bohlen, Towards A Global Green Constitution,
Sustainable Development for a New World Agenda (ICASE/STAM/CASE/Government
of Manitoba, 1990), pág. 15
20. Para a "curadoria mundial", veja a pág. 15; para
"novo sistema de valores radicais", veja a pág. 16.
21. A Tecnocracia quis substituir o sistema de preços/dinheiro por uma
forma de contabilização da energia.
22. Jim Bohlen, Towards A Global Green Constitution, Sustainable
Development for a New World Agenda, veja as páginas 11 até o início da 13.
23. Idem, pág. 14 – dentro da seção "Environmental
Protection".
24. Idem, pág. 11 – dentro da seção "Social Justice" e
subtítulo "Human Rights".
25. Idem, pág. 16.
26. Dennis Chisman and Jack Holbrook, The Future
Direction of Sustainable Development in the Curriculum, Sustainable Development
for a New World Agenda, veja as páginas 235 e 237.
27. Veja no artigo "A Falácia da Justiça Social", uma
análise histórica da Justiça Social.
28. "Visionarizar" permite que o participante tome posse da
ideia e sinta como se estivesse realmente guiando o processo do desenvolvimento
humano. Um livro ficcional interessante sobre o papel e importância da
imaginação na busca por uma Nova Era, é The Visioneers: A Courage Story
About Belief in the Future, de Desmond E. Berghofer (Vancouver, Creative
Learning International Press, 1992). Berghofer foi o assistente do Ministro de
Educação Avançada no Governo de Alberta e é um participante antigo nos eventos
da
UNESCO.
29. Maurice Strong recebeu em 1973 o Prémio da Paz Mundial, do Movimento
Federalista Mundial do Canadá. Também encontrei o Sr. Strong em 1999 no
encontro da Associação Federalista Mundial em Dallas, no Texas. Ali, ele fez
uma apresentação sobre governança global e reforma da ONU.
30. Budd Hall and Edmund Sullivan, Transformative
Education and Environmental Action in the Ecozoic Era, Empowerment for
Sustainable Development (Winnipeg, MB: International Institute for
Sustainable Development, 1995), págs. 102-103.
Fonte: Forcing Change, Edição 1, Volume 7.
Data da publicação: 17/2/2013
Transferido para a área pública em 24/1/2015
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