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segunda-feira, 2 de outubro de 2017


A QUEM SERVE UM EXÉRCITO EUROPEU?

MIGUEL MATTOS CHAVES - *Doutorado em Estudos Europeus (dominante: Economia) e Auditor de Defesa Nacional

(Por achar actual este artigo, principalmente agora que o Reino Unido se vai retirar da U.E. e o presidente Trump dos EUA não se mostrar interessado em continuar a ser o “chapéu de defesa” da Europa, o tema é de grande interesse para os Europeus que se encontram sob um autêntico “ataque” do seu território, sem falarmos da armadilha em que se meteram quando obedeceram aos EUA para interferirem na Ucrânia. R)

As recentes declarações do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, nas quais defende a criação de um exército europeu, merecem uma análise pormenorizada. Esta questão da formação de um exército europeu é uma matéria que tem sido alvo de várias tentativas desde que pelos Acordos de Paris de 1954, assentes no propósito de reformular o Tratado de Bruxelas de 1948, passou a existir uma organização – a UEO – União da Europa Ocidental.

À face destes acordos a República Federal da Alemanha aceitou assumir uma auto-limitação na

sua capacidade militar.

Em face desta posição, e do subsequente acordo, a França retirou o seu veto à participação da Alemanha na NATO e esta foi admitida como aliado, e membro de pleno direito, na organização.

Antecedentes da actual proposta

 


A inclusão da Europa Ocidental no sistema do Atlântico provocou, na altura, a discussão sobre o que é que a Europa deveria fazer para se ver livre da guerra.

Uns propunham a neutralização da Europa, independente dos EUA e da URSS. Estavam neste caso a Itália e a França, onde havia partidos comunistas fortes e alguma simpatia pelas ideias comunistas. Outros defendiam o alinhamento Atlântico com os EUA. Venceu esta tese, como se sabe.

Tais acordos permitiram, posteriormente, à facção federalista dos fundadores das Comunidades avançar em propostas mais profundas que visavam um aprofundamento das mesmas em direcção a matérias reconhecidas como fazendo parte do coração da definição da soberania dos Estados.

Refiro-me à tentativa de criação de uma Comunidade Política Europeia (CPE) e o seu subsequente braço armado, a Comunidade Europeia de Defesa (CED), de forma a tentarem modificar a relação de poderes que começava a estar, ou já estava, desenhada no final da Segunda Guerra Mundial, levando René Pleven, então Presidente do Conselho de França, a apresentar, em 24 de Outubro de 1950, na Assembleia Nacional Francesa, um plano que permitia a integração de unidades militares alemãs no seio de um exército europeu.

Nessa altura, a intenção era a de neutralizar de vez “o perigo alemão” (Sublinhado meu. A Alemanha provocou uma grande guerra europeia e duas grandes guerras mundiais, quase destruindo a Europa, o que pretende fazer agora com o sufoco económico, se não lhes puserem travão novamente. R), constituindo-se um exército europeu, com um comando unificado, que integrasse as forças armadas dos seis países fundadores da CECA.

Para o efeito seria nomeado um Ministro Europeu de Defesa, que teria como órgão de apoio um Conselho dos Ministros da Defesa, dos diversos países.

Este exército, dos seis, seria dotado de orçamento e de um programa de armamento próprio e, no caso de ser necessária a sua intervenção, ficaria subordinado ao Comando Supremo Atlântico na Europa.

Entretanto, em Fevereiro de 1950, o Conselho da NATO, reunido em Lisboa, tinha aprovado a intenção de se formar a CED. Em vista dos acontecimentos, Monnet, Spaak e De Gasperi, e os outros presentes, acharam que era inútil, que era tempo perdido, esperar que o Tratado CED fosse ratificado para se constituir um bloco militar. Resolveram, então, pressionar o avanço de um projecto de União Política (CPE).

Efectivamente no Luxemburgo em 10 de Setembro de 1952, os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Seis criaram uma Assembleia ‘ad hoc’ cuja missão seria a de propor aos respectivos governos um projecto de tratado de uma Comunidade Política Europeia.

Queria-se um exército europeu, mas com uma legitimidade e um controle democrático. O referido artigo 38.º previa ainda a fusão, a prazo, da Assembleia da CECA e da CED. A necessidade desta “invenção” parece óbvia. Destinava-se a tentar legitimar, ou a tornar natural aos olhos da opinião pública, o surgimento das novas entidades, tentando dar-lhes um cunho de inevitáveis.

Os trabalhos da referida comissão começaram em Setembro de 1952 e em Março de 1953 o projecto foi apresentado aos seis. Este plano suscitou dúvidas e reticências em vários europeus, nomeadamente em Paul Van Zeeland, Georges Bidault, Vincent Auriol, (ao tempo Presidente da França), De Gaulle e outros. Tratava-se de um projecto de cariz marcadamente federal, na linha da CECA. Em 9 de Março de1953, o projecto da Comunidade Política Europeia, (CEP), elaborado pela Assembleia CECA é remetido aos Governos dos Seis para apreciação.

É liminarmente recusado. Em 30 de Agosto de 1954, a Assembleia Nacional francesa recusa a ratificação do documento. Nova tentativa surgiu em 1962, da autoria de Christian Fouchet, ao tempo Presidente da República Francesa. O Presidente Fouchet elaborou um documento que continha três propostas, sob a forma de Tratado da União de Estados. A primeira previa a cooperação intergovernamental no domínio de uma política externa unificada; a segunda previa o reforço da segurança dos Estados membros, contra todas as possíveis agressões; a terceira uma coordenação das Políticas de Defesa.

Desapareceu da agenda política, em Abril de 1962, porque dois homens assim o entenderam, apesar de estarem de acordo com o seu conteúdo: Konrad Adenauer e De Gaulle. Nova tentativa, denominada de PESC, surge com o Tratado de Maastricht, tendo a partir daí evoluído em denominações para IESD e outras, mas sem efectivos resultados em matéria de Segurança e Defesa e muito menos na possível criação de um exército europeu.

A proposta de Juncker

 
A proposta do actual Presidente da Comissão Europeia é a terceira tentativa dos defensores da linha federalista de criarem um exército europeu, que na sua génese tinha por base o propósito, enunciado por Eisenhower, de que à Europa ocidental caberia criar mecanismos próprios de Defesa face à ameaça da então URSS, embora sob o “chapéu” da NATO, de forma a aliviar o “esforço” americano neste capítulo e de forma progressiva.

A França, apesar de alguns dos seus governantes de então, terem tido a várias iniciativas, (UEO, Plano Pleven, Plano Fouchet) viu-se confrontada com as suas próprias contradições e linhas de fracturas e ela própria fez cair essas tentativas iniciais. Posteriormente já na década de 1990, com Maastricht, a linha federalista (que se opõe à linha Intergovernamentalista, esta até há poucos anos maioritária nos dirigentes europeus) viu os seus esforços compensados com a introdução do 2º Pilar – a PESC, com o objectivo anunciado de dotar a União Europeia da possibilidade de “afirmar a sua identidade na cena internacional através da execução de uma política externa e de segurança comum, que inclua a definição gradual de uma política de defesa comum, que poderá conduzir a uma defesa comum…”

Mas esta matéria, não obstante a vontade da linha federalista, ficou sempre na esfera da Cooperação Intergovernamental e até hoje nunca avançou (na prática) para a esfera da Integração, leia-se Federação, não obstante o texto do Tratado de Lisboa.

O actual Presidente da Comissão tenta assim formular uma quarta tentativa (desde 1950) propondo muito simplesmente uma das vertentes da Defesa: a criação de um exército europeu, Isto, tentando aproveitar o facto de existirem actualmente ameaças sérias a Leste (Ucrânia e Rússia), bem como situações de grave instabilidade armada verificadas na Síria e a Sul (Estado Islâmico) que se tornaram ameaçadoras para o continente.

A acrescer a estas situações, na minha opinião, o Sr. Juncker tenta também aproveitar-se das novas configurações do Terrorismo Internacional Organizado, e dos seus efeitos, para convencer os líderes dos vários Estados Europeus a avançarem por esse caminho.

Bom, mas esta nova proposta, choca a meu ver, com vários problemas de que destaco apenas três:

1. a constituição na década de 1990 de uma Brigada Mista de Forças Armadas entre a Alemanha e a França;

2. a divergência de interesses, em matérias de Defesa (e noutras) entre a Alemanha e os outros parceiros, facto que levou, por exemplo, ao caso do reconhecimento unilateral, por parte da Alemanha – sem qualquer consulta aos restantes Governos dos Estados da União Europeia – da independência da Croácia o qual provocou uma guerra no interior da ex-Jugoslávia em 1992;

3. o facto de que a esmagadora maioria dos países da UE investem apenas entre 0,9% e 1,2% do seu PIB em matéria de Defesa, por não terem apoio das opiniões públicas e publicadas dos seus respectivos países, o que não deixa margem para grandes e positivas previsões para mais esta tentativa. Isto ao contrário dos EUA que investem cerca de 3,4% (em velocidade de cruzeiro).

Esta nova tentativa provém, é bom lembrar, de um Presidente da União que agora inicia o seu mandato e que precisa de se afirmar por iniciativas que estiveram ausentes da anterior Comissão Europeia e que precisa de recuperar o Poder de Iniciativa para um órgão de Poder da União (a Comissão) que se perdeu em grande parte com o mandato do Dr. Durão Barroso, por instruções da Alemanha.

Vantagens e desvantagens

 
Posto isto, penso sobre esta proposta é uma tentativa da actual Comissão Europeia de:

1. Recuperar o prestígio e a capacidade de autonomia e de iniciativa da Comissão, Poder que deteve, por exemplo, com a Comissão Delors;

2. “Empurrar” a União Europeia para uma Federação neste campo, tentando na sequência arrastar outros campos de acção dos Estados como é o caso da Política Externa;

3. Tentar recuperar algum prestígio da União Europeia no seu todo, face às Opiniões Públicas e publicadas dos diversos países europeus que olham com cada vez mais desconfiança para esta União.

4. Obedecer à proposta da Alemanha sobre este tema.

Por estas e outras variadas razões, não encontro nenhuma vantagem neste projecto.

Isto porque a defesa do Ocidente em geral, e da Europa Ocidental em particular, está assegurada pela NATO. E é no seio desta organização que a União Europeia tem que fazer um esforço adicional de investimento em Defesa por forma a cobrir o crescente desinvestimento dos EUA, dada a reconfiguração dos seus próprios interesses estratégicos.

Se a Alemanha quer sair da “tutela” dos EUA não deve arrastar a União Europeia para tal desiderato.

A que tipo de ameaças futuras sobre a UE poderia fazer face

Assim, na minha opinião prática e não teórica, não vejo nenhumas vantagens nesta iniciativa ou proposta. Aliás ficou patente na presente crise da Ucrânia a disparidade de interesses entre as várias potências europeias e a irresponsabilidade com que provocou a presente crise a que depois não soube (e continua a não saber) responder, dados os interesses em presença. Ou seja, ficou visível de forma clara que os interesses da Alemanha, não são coincidentes com a França e estes não são coincidentes com os do Reino Unido, para já não falar dos outros atores da União. Mas sendo agora uma iniciativa da Alemanha vejo mal como a França e o Reino Unido poderão afirmar o seu acordo. Veremos.

Assim sendo as ameaças reais e potenciais sobre a União devem ser resolvidas no seio da NATO, dada a disponibilidade de meios de armamento e comunicações estratégicas, a sua estabilidade de comando, a sua experiência de funcionamento, as décadas de existência e experiência acumulada, em que a superpotência dominante detém o comando efectivo e os meios necessários e que funciona como agregador de vontades.

Os EUA ficariam sempre como a força mais poderosa do Ocidente

 
Para o futuro não há inevitabilidades, mas por enquanto esta questão é incontornável.

Enquanto os países da União Europeia investirem entre 0,8% e 1,2% do seus PIB neste campo e os EUA investirem, em anos normais fora de conflitos, entre 3,2% e 3,4% do seu PIB, estes continuarão a ser a potência mundial dominante em matéria de Defesa do Ocidente.

Os factos são o que são e os números, neste caso, sobrepõem-se a discursos ou iniciativas mais ou menos pomposas, mais ou menos publicitadas, que não passarão disso mesmo pois não há condições práticas e visíveis para que seja diferente.

Do meu ponto de vista, e tenho-o defendido publicamente, enquanto os países europeus desprezarem, como têm feito, o tema da Defesa, a situação de predomínio dos EUA sobre o Ocidente será um facto inquestionável. E enquanto os dirigentes de diversos países pensarem que a Paz Eterna de Kant foi alcançada e que as ameaças à sua segurança e integridade acabaram com o final da Segunda Guerra Mundial, a situação de degradação das suas condições de defesa continuará a aprofundar-se e a agravar-se.

Esta situação de degradação das condições de defesa dos diversos países da União Europeia, faz-me lembrar o quadro da França, Bélgica, Holanda, da Polónia, da Áustria, dos anos de 1930 o qual possibilitou à Alemanha invadir sem percalços de maior os seus territórios.

As ameaças de hoje são diversas, mais sofisticadas. Mas será que as ameaças clássicas estão completamente postas de parte? Será que as modernas ameaças são menos violentas e intrusivas?

Deus permita que sim, porque em caso de não ser assim os diversos países da União Europeia irão pagar caro os seus erros nesta matéria. Subsistem na racionalidade deste tema, os EUA que percebem que “As Nações não têm amigos… defendem interesses”. E que, seguindo este princípio realista das Relações Internacionais, ainda mantêm o Ocidente europeu na esfera dos seus interesses estratégicos.

Valha-nos isso. Mas deixo uma advertência: os interesses dos EUA estão a deslocar-se para a Ásia. E coloco uma questão: Estarão estes dispostos a continuar a investir o que têm investido na NATO, enquanto “chapéu-de-chuva” da Europa? (Nota: O presidente Trump já advertiu a EU de que não pretende continuar a investir na defesa da Europa, se a Europa não aumentar a sua participação no investimento, já que são os principais interessados. R) O futuro o dirá.

Conclusão

A meu ver, cabe aos Estados europeus decidirem, em primeiro lugar cada um por si, se elegem a defesa dos seus cidadãos, da sua integridade territorial e de defesa dos seus recursos, como tema importante, ou não.

Se sim terão que inverter as suas políticas atuais de desinvestimento em defesa armada (meios humanos, de armamento e comunicações) dos seus territórios e populações, de forma a voltarem a tornar-se credíveis no sistema internacional, desde logo em capacidade de dissuasão das ameaças, reais e potenciais.

Se sim, e após os investimentos necessários, terão que decidir se querem o fortalecimento da NATO ou se querem proceder à sua substituição por outra organização de defesa cooperativa e colectiva.

Uma coisa é certa, a continuar neste quadro, cada um dos países enfraquecerá, tornar-se-á mais vulnerável e menos credível no Sistema Internacional e perderá cada vez mais a capacidade de dissuadir eventuais ataques ou ameaças.

Assim sendo, considero a presente proposta do Sr. Jean-Claude Juncker uma tentativa voluntarista de se afirmar como Presidente da Comissão Europeia, de agradar à Alemanha e uma iniciativa de carácter eminentemente político-administrativa que pretende tentar recuperar prestígio junto dos dirigentes políticos e dos cidadãos das diversas Nações Europeias, para um órgão da União Europeia que está profundamente desacreditado: A Comissão Europeia.

 
E para terminar, este artigo de opinião muito interessante:

Exército Europeu?!

Opinião
Renato Epifânio

27 Mar, 2015 Jornal O Diabo
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Tal como aqueles casais que, na iminência do divórcio, decidem ter um filho, Jean-Claude Juncker, o novo Presidente da Comissão Europeia, considera que, face à tão iminente quanto evidente desagregação europeia, não há nada de mais oportuno do que criar um Exército Europeu (?!). É a vetusta política da “fuga em frente”, em todo o seu esplendor.

Para mais, a motivação exógena consegue ser tão absurda quanto a endógena: supostamente, esse Exército Europeu seria a melhor forma de conter a “ameaça russa” na Ucrânia. Também aqui, na verdade, nos estão a atirar areia para os olhos.

Com efeito, quem promoveu este conflito com a Rússia foi a própria União Europeia (Espicaçada pelos EUA. R), ainda que com o apoio dos EUA, ao fazer um rol de promessas à Ucrânia que não poderia cumprir. Ao ter incentivado uma atitude anti-russa junto das autoridades ucranianas, tudo o que a União Europeia fez foi promover a própria desintegração interna da Ucrânia, por mais que se venha a manter alguma unidade formal, a bem do respeito das aparências diplomáticas.

Façamos uma comparação que só peca por defeito. Imaginemos que a União Europeia, ainda que de novo com o apoio dos EUA, incentivava Portugal a ter uma atitude antiespanhola. Não sendo a desproporção de forças tão grande como a existente entre a Ucrânia e a Rússia, é fácil de perceber que, ainda assim, essa atitude seria suicidária.

Obviamente, Portugal tem que procurar manter sempre uma relação cordial com Espanha. Nalguns casos, de facto, como neste, a geografia é determinante. Já para não falar da extensa comunidade russófona que vive na Ucrânia – em particular, na sua zona leste –, nem sequer da história política que a Ucrânia e a Rússia partilham há séculos. Imaginar que se poderia agora fazer tábua rasa de tudo isso denota bem o estado de alucinação dos nossos governantes, a começar pela Comissão Europeia. A falta de realismo é sempre meio caminho andado para o desastre. O que nos vale é que a própria realidade se encarregará de fazer abortar essa proposta de um Exército Europeu.

Decerto, nunca iremos pois ver um português a combater na Ucrânia em nome de Portugal. E não se trata aqui de considerar que os portugueses devem defender apenas o seu território. Longe disso. Julgamos, por exemplo, como já aconteceu, que é possível e até desejável ver portugueses a defender a integridade territorial e a paz interna de países irmãos lusófonos. Nesses casos, o risco de vida é plenamente justificável. Nesta alucinada guerra com a Rússia é que não. De todo.

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