O SEGREDO
DA BÍBLIA
É difícil
explicar por poucas palavras o segredo da bíblia, que só é segredo para quem
não a lê convenientemente.
Toda a
mensagem (tirando os pormenores narrativos dos vários escritores, uns mais
fortes do que outros, conforme a mentalidade da época), tanto no Velho
Testamento, como no Novo Testamento, incita à solidariedade, ao desapego ao
poder e à riqueza, e a divisão dos que têm mais para os que têm menos. Ensina
que os poderosos têm como missão servir e não, explorar. Ensina que o servo é
tão digno como o senhor e ensina a perdoar e a ajudar os necessitados,
independentemente de serem amigos ou inimigos. Ensina a dar "a outra
face" (o que muitos não aceitam e acham estúpido) e ensina que a
força do Amor se sobrepõe a qualquer outra força.
Toda esta faceta
amorosa, em completa contradição com a vida rude daquela época, é mostrada e
exemplificada por Jesus que, mesmo que não acreditem na sua existência, é a
personagem central de onde brota toda a sabedoria e mensagem avançada para a
época.
O
ensinamento está lá.
E todos nós só beneficiamos dele se nos concentrarmos na lição e não na forma
como ele nos foi comunicado. Quando um ensinamento é bom, é coerente e
demonstrativo de uma boa prática moral e ética, não interessa quem é o seu
autor. Não vale a pena condicionar a aceitação dessas normas de comportamento
ao tipo de fonte de origem. Não vale a pena argumentar que o ensinamento é bom
se vem de um filósofo positivista, reconhecido historicamente, e já não é
aceitável se vier de um místico de origem não devidamente comprovada, para os
cépticos. O ensinamento é o mesmo e não devemos condicioná-lo aos nossos
preconceitos ou ideologias.
De facto
havia poucos leitores, nos 600 anos da Inquisição, mas os suficientes para
criarem problemas às tropelias da Igreja Católica que, como seria evidente,
defende a sua posição. A verdade é que havia cada vez mais letrados para
poderem governar os seus negócios. Os armadores proprietários das naves que
corriam os mares, os mercadores, e todos os comerciantes, precisavam de
registar os seus negócios. Além disso, as rotas comerciais abundavam de
salteadores o que obrigou os mercadores a inventarem um sistema para proteger
os seus capitais conjuntamente com a organização dos Templários (de início) que
tinham fortalezas espalhadas por todas as rotas, criando a primeira actividade
bancária. Depositavam os valores, para as transacções comerciais, numa
"agência" da Ordem dos Templários que lhes passavam um título, ou
nota de crédito, que poderiam levantar em dinheiro no local de destino noutra
residência Templária. Para estas actividades era preciso saber ler e escrever.
Quanto às
ideias revolucionárias que poderiam subverter os explorados, encontram-se por todo o lado. Vou
citar alguns exemplos: Em Marcos 11: 15 – 19, Jesus, acusando e atacando
o comércio existente dentro do Templo, retira as bases sobre as quais se
apoiava toda uma sociedade. Era com esse comércio que se sustentava grande
parte da economia do país. O
gesto de Jesus mexe não só com um modo de vida religiosa, mas com toda a
estrutura que usa a religião para estabelecer e assegurar privilégios de uma
classe e sustentar uma noção mesquinha de salvação. Por isso, os
favorecidos com este sistema pensam em matar Jesus, mas temem o povo. Em Marcos
11 : 38 – 40, Jesus critica
os intelectuais da classe dominante que transformam o saber em poder
aproveitando-se da própria situação para viverem ricamente à custa das camadas
mais pobres do povo. Disfarçando tal exploração com orações, isto é,
com motivo religioso, tornam-se ainda mais culpados. Em Marcos 11 : 41-44,
enquanto os doutores da lei "exploram as viúvas e roubam as suas
casas", uma viúva pobre deposita no Tesouro do Templo "tudo o
que possuía para viver". É o único facto positivo que Jesus vê em
Jerusalém. Por isso proclama solenemente esse gesto "Eu
vos garanto", em contraposição ostensiva dos ricos. Mostra assim o significado dessa
oferta: as relações económicas que devem vigorar numa sociedade são as relações
de doação total, que abandonam as próprias seguranças, e não as relações
baseadas no supérfluo.
Em Lucas
10 : 25 – 37, o primeiro obstáculo no caminho de Jesus é um teólogo. Este
sabe que o amor total a Deus e ao próximo é que leva à vida. Mas não basta
saber. É preciso amar concretamente. A parábola do samaritano mostra que o
próximo é quem se aproxima de outro para lhe dar uma resposta às necessidades.
Nessa tarefa prática, o amor não leva em conta
barreiras de raça, religião, nação ou classe social. O próximo é
aquele que eu encontro no meu caminho. O legista estabelecia limites para o
amor. "Quem é o meu próximo?". Jesus muda a pergunta: "O
que fazer para te tornares próximo do outro?".
Em Lucas
16 : 19 – 31, a parábola é uma crítica à sociedade classicista, onde o
rico vive na abundância e no luxo, enquanto o pobre morre na miséria. O
problema é o isolamento e afastamento em que o rico vive, mantendo um abismo de
separação que o pobre não consegue transpor. Para quebrar esse isolamento, o
rico precisa de se converter. Nada o levará a essa conversão, se não for capaz
de abrir o coração à Palavra de Deus, o que leva a voltar-se para o pobre.
Assim, mais do que explicação da vida do além, a parábola é exigência de profunda transformação social,
para criar uma sociedade onde haja partilha de bens entre todos.
Ideias
muito revolucionárias para os tempos de hoje, quanto mais para aquele tempo!
Em qualquer
país totalitário (a maioria são-no) um livro com estas ideias expressas
abertamente será tirado da circulação. Será considerado subversivo.
R.
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