INVADIR PORTUGAL – Plano
de Franco
De muito interesse histórico.
TENTATIVA DE INVASÃO DE PORTUGAL EM 1940...
"Decidi preparar a
invasão de Portugal" Por Maria
José Oliveira (in Público) Em 1940, o
Alto Estado-Maior espanhol elaborou, a pedido de Franco, um plano de ataque a
Portugal, com a ocupação de Lisboa e a tomada de toda a costa nacional. O
documento foi descoberto pelo historiador espanhol Manuel Ros Agudo, que
estará em Lisboa, na terça-feira, para dar uma palestra sobre o tema O plano
não permitia qualquer falha. Tudo começaria com um ultimato (impossível de
cumprir) e um prazo limite de 24 horas ou 48 horas, findas as quais teria
início a invasão de Portugal. A operação
incluía intervenções por terra, ar e mar e as primeiras incursões terrestres,
realizadas por um contingente de 250 mil combatentes espanhóis, avançariam em
direcção a Ciudad-Rodrigo, Guarda, Celorico da Beira, Coimbra, Lisboa, Elvas,
Évora e Setúbal - a ocupação da capital e a divisão do país em três parcelas
constituíam os passos fundamentais para a conquista de Portugal. Ao longo de
quase 70 anos, o Plano de Campanha nº 1 (34), o grande projecto de Franco
para invadir Portugal, delineado em plena II Guerra Mundial (1940), esteve
"adormecido" nos arquivos da Fundação Francisco Franco. Os rumores
da tentação franquista de conquistar Portugal há muito que circulam no meio
historiográfico - até porque uma das grandes orientações da política externa
de António de Oliveira Salazar, durante o conflito mundial, consistia na
independência nacional face à ameaça da anexação espanhola. Mas só
recentemente foi possível confirmar que os temores de Salazar tinham
justificação. Em 2005, o
historiador espanhol Manuel Ros Agudo foi o primeiro investigador a aceder às
cem páginas que compõem o plano de ataque contra Portugal, elaborado pela 1ª
secção do Alto Estado-Maior (AEM) espanhol no segundo semestre de 1940. O
ineditismo da descoberta levou o investigador, de 47 anos, a dedicar-lhe um
capítulo na sua obra A Grande Tentação - Franco, o Império Colonial e
o projecto de intervenção espanhola na Segunda Guerra Mundial,
recém-editada em Portugal pela Casa das Letras. Na próxima terça-feira, Ros
Agudo é um dos oradores da conferência A Península Ibérica na II Guerra
Mundial - Os planos de invasão e defesa de Portugal, a realizar no
Instituto de Defesa Nacional, a partir das 14h30, numa iniciativa conjunta
com o Instituto de História Contemporânea. Devastador
e célere O projecto
de invadir Portugal não configurava uma "acção isolada", como se
pode ler numa das alíneas dos documentos analisados por Ros Agudo. Tratava-se
de uma operação preventiva, no âmbito da ambição franquista de declarar
guerra à Inglaterra. Numa altura em que França já caíra sob o domínio da
Alemanha nazi, Espanha, então com o estatuto de país não-beligerante,
acalentava o sonho de um império norte-africano. Nem Hitler nem Mussolini
podiam, em 1940, garantir a Franco a concretização deste desejo. Mas isso não
fez esmorecer as ideias expansionistas e bélicas do "Caudilho". A guerra
contra a Inglaterra teria início com a tomada de Gibraltar. Porém, os
estrategas do AEM prenunciavam que a primeira resposta britânica a este
ataque fosse "um desembarque em Portugal com a ideia de montar uma
cabeça-de-ponte para a invasão da península". Por isso, no plano
ofensivo, determinava-se o emprego dos "meios necessários para bater o
Exército português e o seu Aliado; ocupação do país e defesa das suas costas". Tudo isto
seria realizado sem o conhecimento prévio de Hitler e Mussolini. Porque
Franco "queria manter o carácter secreto das operações, ter liberdade de
manobra e também por questões de orgulho", explicou Ros Agudo ao P2. Contudo,
após iniciados os ataques a Gibraltar e a Portugal, Espanha previa o apoio da
aviação alemã, "nomeadamente com o reforço de bombardeiros e
caças". A participação da aviação espanhola estava também definida no
plano de ataque (com as missões de "destruir a aviação inimiga e as suas
bases" e de "atacar os núcleos de comunicação, especialmente nas
direcções da invasão, e os transportes de tropas"). Mas Espanha receava
que o vasto contingente de homens em terra se confrontasse com a
superioridade luso-britânica no ar. Neste âmbito, o reforço alemão seria
indispensável. Assim como se afigurava prioritário um ataque terrestre
devastador e célere. Para a
Marinha, o AEM planeara um conjunto de acções de defesa ("exercer acções
com os submarinos sobre as comunicações inimigas", "proteger as
comunicações com o Protectorado de Marrocos e Baleares"; "efectuar
acções de minagem nos próprios portos") que pressupunham uma reacção
rápida da Marinha britânica. E Salazar? Em
Dezembro de 1940, quando Franco escreveu, assessorado pelo AEM, que decidira
atacar Portugal - "Decidi [...] preparar a invasão de Portugal, com o
objectivo de ocupar Lisboa e o resto da costa portuguesa" -, o Tratado
de Amizade e Não Agressão, firmado pelos dois países em Março de 1939, não
passava de um documento sem importância para o "Caudilho". Mas foi
a partir desse acordo que os franquistas intensificaram as pressões
diplomáticas para Portugal deixar de respeitar os compromissos da aliança
luso-britânica: fizeram-no através de Nicolau Franco, irmão do ditador
espanhol e embaixador em Lisboa; e também "aconselharam" o então
embaixador português em Madrid, Pedro Teotónio Pereira. Perante os
planos de anexação, Espanha não desprezava apenas o pacto de não agressão,
mas também a intervenção activa e material do Governo de Salazar no apoio aos
franquistas durante a Guerra Civil de Espanha - três a cinco mil
"viriatos" combateram nas fileiras das milícias da Falange, do
Exército e da Legião espanhola, muitos deles recrutados através de anúncios
nos jornais pagos pelo Estado; a rádio emitia propaganda franquista; e
Salazar promoveu a mobilização anti-comunista (recolhendo benefícios para a
sustentação do Estado Novo). Atentando
no rigor e na determinação plasmadas no Plano de Campanha nº 1 (34), urge
questionar qual o destino que reservava Franco para o ditador português, na
eventualidade de a ocupação ter avançado. A
documentação descoberta por Ros Agudo cinge-se aos aspectos puramente
militares e não contempla a "sorte pessoal" do presidente do
Conselho. Mas o historiador, professor de História Contemporânea na
Universidade San Pablo, em Madrid, avançou ao P2 duas hipóteses: "O
destino de Salazar e do seu Governo, no caso de Portugal não conseguir
resistir à invasão, seria estabelecerem-se nas colónias (Angola ou
Moçambique); ou podiam exilar o Governo em Londres, como aconteceu com alguns
países europeus ocupados pelo Eixo". Palavras
encomendadas Quanto ao
futuro de Portugal, não há qualquer referência nos documentos, ficando sem
resposta a pergunta sobre se a ocupação seria ou não temporária. No entanto,
Ros Agudo cita no seu livro as "inquietantes" palavras de Serrano
Suñer, ministro dos Assuntos Exteriores espanhol, ao seu homólogo alemão,
Joachim von Ribbentrop, datadas de Setembro de 1940: "(...) ninguém pode
deixar de se dar conta, ao olhar para o mapa da Europa, que, geograficamente
falando, Portugal na realidade não tinha o direito de existir. Tinha apenas
uma justificação moral e política para a sua independência pelo facto dos
seus quase 800 anos de existência". Ros Agudo
acredita que estas palavras, proferidas em Berlim, foram
"encomendadas" a Suñer por Franco, com a intenção de averiguar
"a reacção de Hitler perante a ideia de um Portugal integrado num futuro
grande Estado ibérico". Mas o Führer não quis
fazer qualquer compromisso sobre este assunto", nota o historiador. Apesar das
declarações de Serrano Suñer, Manuel Ros Agudo não crê que Franco pretendesse
"uma integração pura e dura num Estado ibérico" Porque isso
arrastaria "muitos problemas". "É possível que, sob uma Nova
Ordem europeia, na eventualidade da vitória fascista e da derrota da
Grã-Bretanha, Franco tivesse permitido a existência de um Portugal marioneta,
fascista e inofensivo", diz. E, continuando num exercício de História
virtual, acrescenta: "Se a Rússia tivesse sido eliminada por Hitler, o
grande confronto, ou a Guerra Fria dos anos 50 e décadas posteriores, teria
acontecido entre os EUA, por um lado, o grande bloco euro-africano fascista,
pelo outro, assumindo este último um papel semelhante ao bloco soviético que
conhecemos. Tanto Espanha como Portugal teria feito parte desse bloco
constituído pelas potências do Eixo". Nos
últimos meses de 1940, o Plano de Campanha nº 1 (34) esteve prestes a ser
realizado. Franco ordenara a prontidão militar para o ataque. Mas o que lhe
sobrava em meios operacionais faltava-lhe em condições políticas,
nomeadamente a garantia dos apoios alemão e italiano e a concretização das
ideias imperialistas. "Os requisitos políticos para dar esse passo - as
garantias de obtenção de um império em África - acabaram por não ser
dados", explica Ros Agudo. O plano
foi então depositado em arquivo e tornado inacessível durante quase sete
décadas. |
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