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quinta-feira, 18 de julho de 2024

 


MILITARES DO CONTIGENTE LOCAL E MILITARES DO CONTIGENTE METROPOLITANO



As tropas metropolitanas, de "guarnição", nunca aceitaram a existência das tropas especiais criadas com elementos do recrutamento local. E muitos camaradas nossos que foram destacados para batalhões metropolitanos também partilhavam da descrença nessas "tropas auxiliares" porque, segundo declarações deles, nunca os viram no terreno. O que acredito pois eles estavam acantonados em “quadriculas”, e quando viam militares negros (normalmente enquadrados por luso-angolanos) nunca se aperceberam que tipo de tropa era aquela. Normalmente os TEs aquartelavam nos Grupos de Artilharia e os GEs em Unidades regulares dos Regimentos de Infantaria. Os pelotões de 30 homens eram enquadrados por um Furriel Miliciano luso-angolano, o que logo à partida dispensavam um Oficial subalterno e a organização mais pesada, e cara, das unidades regulares do Exército que até já tinham falta de Oficiais.


Um texto de João Paulo Borges Coelho, "Da Violência Colonial Ordenada à Ordem Pós-colonial Violenta", do Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane (Maputo), portanto devidamente fundamentado e com as referências bibliográficas para quem quiser aprofundar mais o assunto, faz uma descrição muito objetiva do que realmente se passava, e qual o interesse de Portugal em optar pela escolha dessas unidades especiais de combate.


Nas comemorações do 10 de Junho nunca se fez referência a esses combatentes que, como todos os outros do exército português cumpriram a sua missão com lealdade e afinco. Estou a referir-me aos TEs, GEs, "comandos" negros, Flechas, Regimentos de Infantaria, Grupos de Artilharia, Dragões de Cavalaria, EAMA, e num outro plano, os "gendarmes" Catangueses.


Sem querer desprestigiar camaradas nossos que se dedicaram à escrita, contando a sua experiência pessoal na frente de combate, a fontes de consulta de investigadores que não estejam a romancear a sua experiência pessoal na primeira pessoa e sim a dar conhecimento de factos e testemunhos bem fundamentados e discriminados no final para quem queira investigar por conta própria, creio que são mais credíveis (é a minha opinião) porque aqui não há protagonismo nem desejo de alimentar o Ego. Além do mais, normalmente estes investigadores e historiadores têm como referência responsabilizadora instituições devidamente reconhecidas como credíveis.


Não conheço o autor Borges Coelho, e não conheço nada em desabono da Instituição Estatal, o Departamento de História de uma Universidade reconhecida do Maputo, ex-Lourenço Marques. Transcrevo uma afirmação de Borges Coelho: "Apesar disso, o recrutamento metropolitano cresceu sempre até 1974. Entretanto, as modernas teorias da contra-insurreição (…) apontavam as vantagens do recrutamento local. A utilização de Africanos como forças de combate DE PRIMEIRA LINHA justificava-se – impunha-se mesmo – por uma série de razões, desde logo porque se inseria na procura de fontes alternativas e "inesgotáveis" de recrutamento, tornado mais barato ao libertar os onerosos custos do transporte intercontinental aéreo ou marítimo. Além disso, o soldado africano também era mais barato porque se adaptava melhor ao terreno, porque inserido nas culturas locais avaliava melhor o 'estado de espírito das populações' e era mais produtivo na recolha de informações, porque resistia melhor às doenças tropicais, e PORQUE A SUA MORTE OU FERIMENTO EXERCIA MENOS IMPACTO NA OPINIÃO PÚBLICA METROPOLITANA. enfim, tinha até a vantagem de ser da mesma raça que os guerrilheiros nacionalistas".


E eu acrescento que quem enquadrava esses homens eram Luso-angolanos, portanto portugueses nascidos, ou criados, no território, escolhidos a dedo porque não era qualquer um que tinha a sensibilidade e conhecimentos suficientes para ter "pulso" sobre esses homens, sendo necessário conhecer os seus costumes e conhecer a sua língua (dialeto). Impunham-se pelo respeito e amizade e não pelas divisas ou galões que tivessem nos ombros. No ano de 1968 houve uma interessante variação na tendência evolutiva de tropas metropolitanas, e locais, REVELANDO CLARAMENTE UMA REDUÇÃO DAS PRIMEIRAS E UM CORRESPONDENTE AUMENTO DAS SEGUNDAS. O ano de 1968 é um marco que simboliza grandes alterações, na sequência da substituição de Salazar por Marcelo Caetano na direção política do regime em Portugal.



Dragões de Angola


O método de guerrilha levado às bases e acampamentos dos guerrilheiros pelos TEs, situadas nos países limítrofes, aumentaram em função do aumento do recrutamento das forças irregulares, e não “auxiliares” como alguns insistem em depreciá-los. Logicamente (e é isso que muitos não percebem), como unidades de ataque, não ocupavam o mesmo espaço físico das unidades defensivas de Guarnição de quadricula, pelo que não eram vistos, a não ser se quisessem revelar a sua presença quando passavam ao largo dessas guarnições nas suas missões. De resto só os militares de algumas Guarnições do CONTINGENTE DE ANGOLA, principalmente do Grupo de Artilharia, os conheciam, porque os viam ir comer lá e receberem o pré no fim de cada mês. Mesmo assim, muitos passavam despercebidos. Os GEs eram mais "visíveis", mas a sua ação foi mais no Leste, havendo poucos no Norte de Angola. Os TEs, por exemplo, tinham como incentivo primordial para a sua ação no exterior o "direito ao saque". Quanto aos GEs, foram criados pelo receio, também, de deixar sem controlo todos aqueles africanos que prestavam serviço nos Regimentos de Infantaria e passavam à disponibilidade. Eram veteranos que sabiam manejar armas e não convinha nada deixá-los à solta, porque se habituaram a uma vida melhor e na vida civil não encontravam as mesmas condições o que os tornava elementos apetecíveis para os movimentos de guerrilha. Quando "acabou" a guerra e os guerrilheiros se aproximaram dos quartéis militares portugueses, viu-se que grande parte deles eram familiares dos GEs. Deste modo, Portugal resolveu criar essas unidades especiais com os militares africanos que passavam à disponibilidade e iam atuar nos locais de onde eram originários, com um salário certo e alimentação.



Essas unidades africanas deixaram de ser definidas em termos auxiliares e sim como unidades semi-autónomas ou mesmo autónomas, portanto dignas de relevo. Borges Coelho continua: "É também fundamental referir que este processo de africanização diz respeito não só à intensificação do recrutamento local para as forças armadas regulares (caso em que o impacto na militarização da sociedade, por importante que fosse, não seria maior do que aquele que sempre se produz em situações "normais" de guerra), por mais intenso que tenha sido esse recrutamento local, mas também à criação de unidades militares africanas definidas não já em termos auxiliares (na autodefesa das aldeias ou atuando como batedoras ou infiltradas em busca de informações), não já em termos universais (como unidades de cidadãos portugueses chamados a defender a pátria), mas definidas precisamente em termos rácicos, regionais ou étnicos, e atuando operacionalmente de forma semi-autónoma ou mesmo autónoma".



Outra afirmação de Borges Coelho: "No simbólico ano de 1968 esses Grupos Especiais (GE) foram lançados em Angola como primeiro modelo paradigmático de unidades operacionais africanas autónomas de base local, dependente das forças armadas, beneficiando de um treino militar equivalente aos das tropas especiais do tipo 'Comando'”, organizados como grupos de combate e estacionados junto às companhias de Infantaria do exército regular local, sob ordens das quais deviam servir. Finalmente em Angola, desde há muito que desabridamente se acionavam essas forças africanas, num cenário que não é provável que as forças armadas portuguesas controlassem inteiramente. Curiosamente, era aqui que as autoridades coloniais mais sucessos conseguiam, em termos militares. Em comum, os três cenários apresentavam uma realidade em que o avanço das forças nacionalistas deparava com a oposição de dezenas de milhares de "nacionais" acionados pelas autoridades coloniais.


E para finalizar, só não entende quem não quer, a importância em termos de eficiência operacional e outras vantagens para Portugal, o que ultrapassa a importância de simples forças auxiliares sem grande relevo no esforço militar, antes pelo contrário: Em 1973, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas alinhava como vantagens da utilização maciça de tropas africanas : MAIOR EFICIÊNCIA operacional na fase atual da guerra subversiva, MELHOR RENDIMENTO CUSTO/EFICÁCIA EM RELAÇÃO AOS EFECTIVOS NORMAIS E DIMINUIÇÃO DAS NECESSIDADES GLOBAIS DE INSTRUÇÃO, na medida em que os "voluntários africanos" podiam servir por períodos muito dilatados. Vantagem económica nacional resultante de menor perturbação da força metropolitana de trabalho e vantagem psicológica sobre a retaguarda metropolitana com graves sintomas de "fadiga psicossociológica" face à contínua e agravada mobilização de efetivos.


Reparemos no pormenor "UTILIZAÇÃO MACIÇA DE TROPAS AFRICANAS".


Comandos, Flechas, TEs, GEs, Gendarmes, Dragões de Angola.



Não sei, portanto, onde estão as dúvidas sobre a eficácia e grande protagonismo destas forças na guerra colonial. Eles merecem ser recordados e glorificados como sucede apenas com as unidades metropolitanas e, com a única exceção, os "comandos". Sempre defendi (e criei inimigos por isso) o Contingente das tropas locais (como foi o meu caso e o caso dos portugueses nascidos nas colónias) separando-o do Contingente Metropolitano. O exército português era único, mas havia essa diferença entre os de lá e os de cá. E isso pode verificar-se no Arquivo Geral do Exército em que os processos dos militares nascidos no Ultramar estão separados dos processos dos militares do Continente. Ou seja: Tropa metropolitana num lado e tropa colonial noutro.


E esta separação é feita com rigor. Dou um exemplo: Eu fui recrutado em Angola porque desde a mais tenra idade vivi sempre em Angola, como luso-Angolano. Só há um pormenor. Quando nasci, os meus pais estavam no Congo Belga. Portanto nasci no Congo Belga. O meu pai era natural de Cantanhede, Portugal, e a minha mãe natural da Vila Nova do Seles, Angola. Branca de segunda, conforme constatava no seu Bilhete de Identidade, apesar de ser filha de um transmontano e uma “alfacinha” lisboeta. Quando vim para Portugal, na ponte aérea organizada para evacuar de Angola todos os cidadãos nacionais, o meu processo militar foi para o Batalhão de Engenharia no Campo Grande, porque ainda estava na situação de disponibilidade. Quando passei à reserva o meu processo seguiu para o Arquivo Geral do Exército. Como eu nasci no Congo Belga, apesar de ter ido para Angola, com meses de idade, e fui lá criado e vivi até vir para Portugal na ponte aérea, em 1975, o meu processo foi arquivado no bloco reservado para os naturais do Continente (e portugueses não nascidos nas colónias portuguesas). Só então é que percebi porque fui “convidado” a regressar às fileiras no princípio de1975, em Nova Lisboa, o que não aceitei. Nenhum camarada meu (que eu saiba), na disponibilidade, nascido em Angola, recebeu tal convite, porque o exército não queria militares nascidos nas colónias. Alguns tentaram continuar a vida militar mas foram rejeitados.



O que me entristece é que nos festejos em que os antigos combatentes se reúnem em Belém, só fazem referência à unidades metropolitanas (excetuando os “Comandos”) ficando todos nós das unidades originárias do chamado “contingente colonial”, e das forças especiais “irregulares”, de fora.




Servi nesta unidade colonial, a Escola de Aplicação Militar de Angola, a “Academia Militar” dos Milicianos, o “forno” dos Sargentos e Oficiais que enquadravam as tropas do Contingente de Angola, e que passaram também a serem colocados nas tropas metropolitanas com falta de efetivos.

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